quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

SALÓNICA XI - OS TÚMULOS REAIS DE VERGINA








A cidade de Aigai foi a capital do antigo reino da Macedónia até ao tempo do rei Arquelau, que cerca de 400 AC decidiu transferi-la para Pella. Há notícia de que a cidade já era habitada no terceiro milénio AC, mas foi especialmente entre os séculos XI e VIII AC que nela se instalou uma rica e numerosa comunidade. O período mais brilhante de Aigai situa-se entre os séculos VII e IV AC, quando são construídos o palácio, o teatro e o templo de Eukleia. Era, também, em Aigai que se encontravam os túmulos reais. Em 168 AC a cidade foi destruída e saqueada pelos romanos, embora reconstruida mais tarde parcialmente e habitada por um breve período, após o qual o nome desapareceu do mapa. No século XIV EC, alguns documentos bizantinos mencionam no seu lugar uma pequena aldeia chamada Palatitsia, nome cuja origem remete obviamente para as ruínas do palácio, que eram as mais bem preservadas, mesmo antes do início das pesquisas arqueológicas. A actual aldeia de Vergina, criada no local em 1922 pelos refugiados do Ponto tirou o seu nome de uma rainha lendária da região e fica a  70 km de Salónica.


A primeira escavação no local efetuou-se em 1861, dirigida pelo arqueólogo francês Léon Heuzey, tendo sido descobertos um túmulo e uma parte do palácio. As escavações continuaram por volta de 1930, sob a direcção do arqueólogo grego Constantin Roméos, tendo sido interrompidas pela Segunda Guerra Mundial e retomadas nos anos 1950 pelo arqueólogo grego Manolis Andronicos, com bons resultados. Finalmente, em 1977, Manolis Andronicos trouxe à luz do dia os túmulos reais de Mégali Tumba, de que o mais importante é o de Filipe II (359-336), uma descoberta das mais importantes do nosso século. A continuação das pesquisas permitiu fossem encontrados outros importantes monumentos.

Vista aérea

O sítio arqueológico de Vergina compreende o Cemitério dos Túmulos, o Palácio Helenístico, o Teatro de Aigai e os Túmulos Reais (Mégali Tumba).

O Cemitério dos Túmulos:

As escavações nesta necrópole, que remonta à Idade do Ferro, estendem-se por uma superfície ao sul da estrada que liga Vergina à aldeia de Palatitsia. Trata-se de uma necrópole compreendendo centenas de túmulos. Além das ossadas dos defuntos, foram encontradas oferendas funerárias, vasos de cerâmica, armas de ferro, jóias e insígnias assinalando a posição social e a função dos mortos. Estes achados respeitam ao período 1000-300 AC . Desta época encontrou-se um pequeno túmulo macedónio que, apesar de já se encontrar pilhado, possuía importantes objectos de cerâmica. À volta da antiga necrópole, e principalmente na propriedade Bellas, encontraram-se também muitos monumentos funerários e túmulos. Num túmulo de 490 AC, que não foi saqueado, encontraram-se oferendas funerárias de técnica excepcional, jóias de ouro e vasos de ferro, prata e bronze. Foi também descoberto um túmulo, de grande importância, provavelmente destinado a Eurídice, mãe de Filipe, e constituído por duas câmaras e coberto por uma abóbada. A sua fachada está representada na parede de fundo da câmara principal e frente a essa decoração da fachada encontrou-se um trono de mármore  com dois metros de altura. Um outro túmulo importante, datando do século III AC foi descoberto pelo arqueólogo Roméos e tem o seu nome. Tinha uma fachada jónica e no interior encontrou-se um trono de mármore junto ao qual estava a urna funerária contendo as ossadas do defunto.

Ruínas do Palácio

O Palácio e o Teatro:

Estes dois monumentos particularmente importantes estão integrados no complexo arquitectural que data do século IV AC. Construído no grande planalto natural, com uma vista excepcional para a planície e para a montanha, o palácio, com a sua imponente grandeza (104 m x 80 m), dominava a cidade. Encontrava-se protegido pelas fortificações da acrópole e pelo troço ocidental das muralhas. O palácio estava organizado em torno de um vasto pátio com peristilo e compreendia um sanctuário circular (tholos) dedicado a Hércules Patroos e luxuosas salas de banquete para o rei e seus dignitários. O acesso ao interior era efectuado por degraus de mármore e ao centro quatro portas dóricas delimitavam um grande pátio. As paredes das divisões que rodeavam o pátio eram cobertas por pinturas vermelhas, amarelas, brancas e negras. O chão das salas estava pavimentado  com mosaicos representando flores e outros motivos. Hoje, só a imaginação do visitante pode reconstituir a magnificência do palácio no seu conjunto, já que o lugar apresenta apenas blocos dispersos de mármore e de pedra. Contudo, as oferendas reais encontradas no túmulo (inviolado) de Filipe II, dão uma ideia quanto à forma como eram mobiladas e decoradas as divisões do palácio. Um elemento importante e inédito encontrado foi um terraço de cerca de 100 m de comprimento que se encontrava no lado norte. A oeste encontrou-se outra construção análoga, rodeada de colunas, que servia, provavelmente, para responder às necessidades práticas quotidianas dos habitantes do palácio.

Ruínas do Teatro

O teatro antigo foi descoberto abaixo do palácio e estende-se sobre um flanco em declive suave da colina. Alguns bancos de pedra que ainda vemos hoje confirmam que a maior parte dos lugares destinados aos espectadores consistiam em bancos de madeira, dado que a localização não possuía a inclinação natural que os antigos gregos procuravam habitualmente para os teatros. No centro do palco, bem conservada, está a base de pedra da thymele, o altar em honra de Dionisos. A orquestra do teatro, com um raio de 14,20 m, é uma das maiores dos teatros antigos conhecidos. É, pois, evidente, que o teatro de Vergina possuía uma importância particular, não apenas cultural mas também política, já que era o principal lugar de reunião do povo de Aigai e dos poderosos reis da Macedónia. A norte do teatro foi descoberto um santuário antigo dedicado a Eukleia, compreendendo dois templos, um do século IV AC e o outro do século III AC, onde se encontraram um ídolo de argila de Cybele, algumas pequenas estátuas e altares, e ainda as bases de duas inscrições da rainha Eurídice, avó de Alexandre Magno.

Fachada do túmulo de Filipe II

Os Túmulos Reais:

Cuidadosamente preservados no meio natural em que foram descobertos, os túmulos reais de Vergina  (Mégali Tumba - os grandes túmulos) constituem um monumento único no género. O próprio lugar e a concepção arquitectónica particular deste museu de túmulos impressionam o visitante pelo seu aspecto imponente. A grande colina de terra (13 m de altura e 110 m de diâmetro) preserva no seu seio um dos capítulos mais importantes da história da antiga Macedónia. Segundo rezam as fontes, parece provável que este túmulo gigantesco tenha sido erigido durante o reinado de Antígono II Gónatas (319-239 AC) para proteger os monumentos sagrados contra as profanações dos exércitos inimigos. Os túmulos mais importantes que foram encontrados são o de Filipe II (e, no vestíbulo deste, um túmulo de mulher), o túmulo de um efebo (sem dúvida o de Alexandre IV, filho de Alexandre Magno) e o túmulo de Perséfone. A escavação de Mégali Tumba deve-se ao já citado arqueólogo Manolis Andronicus, a quem é dedicada uma retrospectiva especial no museu tumular.

Cabeça de Filipe II em marfim

O túmulo de Filipe II, ainda que subsistam algumas ligeiras dúvidas quanto à sua atribuição ao rei da Macedónia (há quem sustente que pertencia a Filipe III Arrideu, meio-irmão de Alexandre) , é o maior túmulo encontrado nas escavações, com 9,5 m x 5,5 m. Construído em abóbadas, tem a forma de um mégaro (apartamento real) com vestíbulo e fachada de templo. A fachada é em estilo dórico, com colunas dos lados de uma pesada porta de mármore com dois batentes. Em cima, encontra-se um friso dórico, onde pode ainda distinguir-se a decoração polícroma, azul, branca e vermelha. O grande fresco sobre a fachada dórica do monumento, com 5,60 m de comprimento, representa uma cena de caça com diversas personagens no quadro luxuriante de um bosque. Entre as personagens que compõem a cena, os especialistas consideram que se encontram representados Filipe II e seu filho Alexandre. Os pormenores e as cores do fresco, onde se distingue o amarelo, o violeta, o rosa e o castanho - bem como a provável data, o século IV AC - fornecem elementos importantes para o estudo da pintura grega clássica. Sobre a abóbada da entrada do túmulo, encontraram-se os restos da zona onde o defunto foi incinerado com a sua coroa e as suas armas, bem como os cavalos que foram sacrificados em sua honra e de que se encontraram pedaços. Na câmara funerária, estava o sarcófago de mármore onde foi colocado o cofre em ouro contendo as ossadas do rei defunto, envolvidas num tecido de púrpura. As ossadas estavam cobertas por uma coroa de ouro constituída por folhas de carvalho e bolotas. Sobre a tampa da urna, figurava um sol em relevo, emblema do reino da Macedónia, com os seus dezasseis raios. Entre as oferendas encontradas na câmara estavam os restos do leito do defunto, tendo o tempo destruído a madeira mas conservando-se elementos decorativos em marfim, ouro e vidro. Também se encontraram um diadema circular de prata coberto de ouro, um tripé de bronze com os pés em patas de leão, vinte vasos de prata, seis de cerâmica e dois de bronze, ânforas, enócoas, crateras, etc. Ainda no interior da câmara principal, encontraram-se as armas de ferro, o escudo de ouro e marfim, em que estava esculpida a clava de Hércules, e a couraça de ferro do rei, decorada com leões de ouro. Estas peças estão expostas nas vitrinas ao lado do túmulo. Podem também ver-se cinco pequenos bustos em miniatura, representando membros da família real: Filipe, Olímpia e Alexandre. No vestíbulo encontrava-se um segundo túmulo, provavelmente o de Cleópatra, uma das mulheres de Filipe, achando-se no interior, tal como no túmulo de Filipe, um tecido de púrpura e ouro envolvendo os ossos, e sobre ele o diadema de ouro da defunta.

Fachada do túmulo do Príncipe

O túmulo do Príncipe (6,35 m, de largura por 5 m,, de altura) estava também ricamente decorado. Infelizmente, as suas pinturas e gravuras, feitas sobre madeira, estuque ou couro, tinham sido colocadas sobre o mármore e ficaram destruídas com o correr dos séculos. A fachada do túmulo estava decorada com dois grandes escudos em relevo. A decoração interior era mais rica que a exterior, com representação de corridas de cavalos. Considera-se que o príncipe defunto era Alexandre IV, filho de Alexandre III Magno. Os ossos calcinados foram encontrados numa hídria de prata, cobertos de púrpura, o que atesta a ascendência real. A hídria, escondida numa cavidade do vestíbulo, tinha por cima uma coroa de folhas de carvalho e bolotas de ouro. Também vasos de prata e de bronze, jóias, um leito com decorações de ouro e de marfim, estrígilos de bronze e de ferro banhados de ouro, um lampadário em bronze, vasos de perfumes, baldes de prata e uma cratera foram outros objectos encontrados no túmulo.

O túmulo de Perséfone, datado do século IV AC, era construído em blocos de pôros (calcário macio) e fora pilhado já na Antiguidade. Tinha a forma rectangular, com 3,5 m, de comprimento, 2,1 m, de largura e 3 m, de altura e assemelhava-se a uma caixa. Algumas ossadas foram encontradas no chão do túmulo, indicando que ali alguém havia sido enterrado. São raros os objectos encontrados neste túmulo e os elementos decorativos também se perderam. Porém, alguns frescos que chegaram aos nossos dias são inspirados na mitologia. O principal representa o rapto de Perséfone, por Plutão. Daí o nome dado a este túmulo. Pensa-se que o autor da obra tenha sido o grande pintor da época, Nicómaco.

Cabeça de Alexandre em marfim

A sul de Mégali Tumba encontraram-se as fundações de um monumento (Heroon) destinado ao culto dos reis defuntos, de que se conservam alguns elementos de mármore. A sua parte norte é contígua ao túmulo que se encontra ao lado e que foi provavelmente destruída aquando da pilhagem desse túmulo, antes de ter sido erigido o grande túmulo. Em Mégali Tumba foram encontradas muitas estelas funerárias da segunda metade do século IV AC ao começo do século III AC.

Urna funerária e coroa do túmulo de Filipe II

O interior do monte que abriga os túmulos reais foi também arranjado como Museu, para acolher as riquezas encontradas nas escavações: jóias, armas, equipamentos de guerra, vasos, cofres, etc.

Escudo de ouro e marfim de Filipe II

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Infelizmente, e como verifiquei ser um hábito na Macedónia grega, não existe, na Recepção do Complexo, um catálogo dos Túmulos Reais. Quis a sorte que encontrasse numa loja de recordações e comida frente à entrada das ruínas uma pequena, e medíocre, brochura, cujas ilustrações servem todavia para documentar este post, pois no interior de Megali Tumba é absolutamente proibido fazer fotografias. É mesmo proibido falar, salvo em surdina, pois logo se é repreendido pelos funcionários de serviço. Lembrei-me imediatamente da minha primeira visita à Sala das Múmias dos Faraós do Museu Egípcio do Cairo (da Praça At-Tahrir, agora em mudança para o Grande Museu Egípcio de Gizeh). Nessa ocasião, e havia famílias a visitar a Sala, os guardas impunham silêncio absoluto aos presentes em sinal de respeito pelos faraós mortos, cujas ossadas se encontravam mumificadas em caixões de vidro. Deve dizer-se que esta sala permaneceu encerrada ao público durante o tempo em que foi presidente da República egípcia o marechal Anwar as-Sadat, um antigo Irmão Muçulmano que mais tarde mandou prender os seus antigos correligionários e acabou morto por um deles durante uma parada militar.

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Na cidade de Salónica consegui adquirir o opúsculo abaixo, especialmente dedicado ao teatro de Vergina, mas contendo também informação sobre o Complexo local. 


Vista aérea do teatro de Vergina no final das escavações




Dionisos com uma Ménade e Pan tocando flauta (relevo de ouro e marfim encontrado no túmulo do Príncipe)

Enócoa de prata encontrada no túmulo de Filipe II

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O teatro de Vergina, exumado em 1982, foi o palco (na plenitude do termo) do assassinato do rei Filipe II, no decorrer das cerimónias do casamento de sua filha Cleópatra com o rei Alexandre do Epiro, irmão de Olímpia. A conspiração contra Filipe foi uma acção dramática de grande envergadura política, pois tinham sido convidados para o casamento representantes de todas as cidades gregas, os nobres e os dignitários da corte real. Estavam também presentes o seu filho Alexandre e a mãe deste, Olímpia, que escolhera um exílio voluntário. Depois da abertura da brilhante cerimónia, em presença do sacerdote e das estátuas dos doze deuses do Olimpo, Filipe caiu morto sob os golpes de Pausânias, um dignitário da corte da Macedónia. Na confusão que se seguiu, Pausânias tentou fugir mas acabou por ser preso e executado no local. Imediatamente Alexandre foi proclamado rei da Macedónia, tendo começado os preparativos para o imponente funeral do rei defunto, a curta distância do local  onde este fora assassinado.

O assassinato de Filipe é descrito por vários historiadores, entre os quais Diodoro da Sicília (90-30 AC), conforme "Book XVI 91.3 - 92.3 e 93.9 - 94.4 - Tradução inglesa de C. Bradford Welles, Cambridge, 1970)".


Parece que a razão do assassinato terá sido a seguinte: Pausânias mantinha uma relação sexual com um jovem pajem do rei a quem insultou depois da relação ter acabado. O jovem ficou muito chocado e manifestou a Átalo (outro dignitário) a intenção de cometer suicídio, o que veio a fazer na batalha de Plêurias (337 AC). Para vingar o rapaz, Átalo convidou Pausânias para um jantar em que o embebedou, fazendo depois com que ele fosse violado por vários homens. Pausânias queixou-se a Filipe, que lhe deu uma promoção e presentes mas não tomou partido contra Átalo, como aquele desejava. Então, Pausânias decidiu assassiná-lo. Os pormenores podem não ser exactamente os aqui mencionados, mas o essencial está correcto, conforme o confirmou Aristóteles, que se encontrava então na corte macedónica.



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