sábado, 20 de outubro de 2018

SALÓNICA I - INTRODUÇÃO



Alexandre Magno


Desde há muito tempo que desejava visitar Salónica. Segunda maior cidade grega, detentora de longa história, acumula os passados macedónico, romano, bizantino e otomano, até à sua integração no reino da Grécia, em 1912.


A cidade de Salónica (Thessaloniki) foi fundada em 315 AC pelo rei Cassandro, da Macedónia, e deve o nome à meia-irmã de Alexandre Magno, Thessaloniké, com quem aquele monarca foi casado. O local escolhido foi Thermi, que domina o Golfo Thermaico, e se tornou o embrião de uma grande metrópole. Os macedónios, povo de raça dórica, viviam nas montanhas da Macedónia mas empreenderam uma descida para sul nos tempos do rei Amyntas I (520-500 AC). Todavia, é preciso esperar pela chegada ao trono de Filipe II (359-336 AC), para que a Macedónia se torne um dos estados mais poderosos do mundo grego. É Filipe II que vai introduzir o conceito de um estado único grego, constituído por cidades, em oposição ao regime precedente de “cidades-estados”. Alexandre Magno, à sua chegada ao poder, após o assassinato de seu pai, prosseguiu a política deste, e a partir de 334 AC, apesar da sua juventude, tornou-se o líder incontestado de toda a Grécia. Durante as suas longas ausências em campanhas militares, que o levaram à Pérsia e à Índia, Alexandre designou o velho general Antípatro (397-319 AC) para o substituir na governação do estado.



Depois da morte de Alexandre, em Babilónia, em 10 de Junho de 323 AC, o país foi teatro de conflitos sangrentos na luta pela sucessão do reino, tendo acabado por triunfar e tomar o poder, em 316 AC, o referido Cassandro, filho primogénito de Antípatro e cunhado de Alexandre. Em 315 AC, Cassandro fundou Thessaloniki (Salónica), e o facto de ter dado à cidade o nome de sua mulher foi um gesto altamente apreciado.


A cidade desenvolveu-se rapidamente, tornando-se a primeira base militar do reino, graças á sua situação geográfica e o seu porto passou a ser o primeiro porto comercial da região.
 
Não é meu propósito elaborar aqui uma história da cidade ao longo dos séculos, mas não enjeitarei umas breves notas. Aliás, existe um interessante livro abrangendo cinco séculos de história, Salonica: City of Ghosts – Christians, Muslims and Jews 1430-1950, de Mark Mazower, que cobre esse período, ora pacífico, ora conturbado, de coexistência das três comunidades das religiões monoteístas, um facto singular na História.



Assim, referirei que a cidade foi conquistada pelas legiões romanas em 168 AC, continuando todavia a expandir-se durante os derradeiros anos da República. Em 58 AC, Salónica recebeu o célebre Cícero, que deixou preciosos testemunhos sobre a cidade e os seus habitantes. A guerra civil desencadeada pelo assassinato de Júlio César e o conflito que opôs os membros do Segundo Triunvirato, levou Salónica a optar pelo partido de Octávio, que, triunfante, e assumindo o Império como Octávio César Augusto, em sinal de gratidão declarou Thessaloniki “cidade livre” (liberam civitatem) e lhe outorgou numerosos privilégios.


Nos anos 50, o apóstolo Paulo escolheu Salónica para pregar a sua nova religião, e fundar a primeira comunidade cristã, uma das mais activas da Europa. As suas Epístolas aos Tessalonicences (I e II) fazem parte do património espiritual do Cristianismo.
 
Quando Diocleciano instituiu a Tetrarquia, em 293, composta por dois augustos e dois “adjuntos” césares, Galério foi nomeado césar da região então denominada Ilíria, com a capital em Salónica. Com a abdicação de Diocleciano, em 305, Galério foi elevado a augusto (305-311), tendo habitado Salónica, onde mandou construir um sumptuoso palácio e diversos edifícios públicos. É desse tempo a grande Via Egnatia, a grande avenida paralela ao mar que ainda hoje atravessa a cidade sob a designação, grega, de Odos Egnatia.


É no começo do século IV que os historiadores situam o martírio do santo que se tornaria o protector e patrono de Salónica, Demétrio, cujas relíquias se encontram, alegadamente, na igreja de que é titular, uma das mais importantes da cidade.
 
Com a chegada ao poder de Constantino, o Grande (306-337), o centro nevrálgico do Império foi-se progressivamente deslocando para oriente. O imperador, que aparentemente se converteu ao cristianismo, reconstruiu a antiga cidade grega de Bizâncio, a que chamou a Nova Roma, criando as indispensáveis instituições cívis. 

Após a morte de Constantino, a cidade foi renomeada Constantinopla e tornou-se a verdadeira capital do Império, à medida que Roma declinava. Com a partilha definitiva do Império por morte de Teodósio I, em 395, o Império Romano do Oriente, ou Império Bizantino, com a capital em Constantinopla e sendo Salónica a segunda cidade, tornou-se a grande potência económica e militar do leste europeu e do próximo oriente. Houve dois períodos importantes em Salónica nos finais do Império ainda unificado. Sob o reinado de Juliano (361-363) e o de Teodósio I (379-395), registaram-se  violentos confrontos com os godos, que avançavam sobre a península. Em 390, 7.000 salonicences foram massacrados no hipódromo, por se terem insurgido contra a guarda goda do imperador. Só com a entrada triunfal de Justiniano II em Salónica, após a sua vitória sobre os eslavos, começa um longo período de paz e de tranquilidade para a cidade, que vai adoptando um rosto claramente bizantino.


Durante o reinado de Miguel III (842-867), dois monges da cidade, Cirilo e Metódio, partem com a missão de evangelizar a Bulgária, a Síria, a Morávia, etc., contribuindo para o alargamento da comunidade cristã e da integração desses povos na esfera cultural dita europeia. Deve-se a Cirilo a criação do chamado alfabeto cirílico, elaborado a partir do grego e que ainda hoje é utilizado por russos, sérvios, búlgaros e outros povos.  


Com a morte de Basílio II (976-1025), começa o declínio do Império Bizantino. Em 1185, Salónica é cercada pelos normandos, e em 1204 o Império Bizantino é abolido pela Quarta Cruzada, tornando-se Salónica capital do Reino Franco. A cidade é libertada em 1224 por Teodoro Dukas, rei do Epiro, que se proclama imperador dos Romanos. 

Em 1261 Miguel VIII Paleólogo reconquista a cidade mas o Império está definitivamente reduzido e enfraquecido. Os turcos estão às suas portas e com o objectivo de lhes subtrair a cidade, esta é cedida aos venezianos entre 1423 e 1430. Mas em 28 de Março de 1430 Salónica cai fatalmente em poder dos otomanos de Murat II, prenunciando a queda final de Constantinopla em 29 de Maio de 1453.


A partir de 1430 a história da cidade, dos seus habitantes, de toda a sua vida é pormenorizadamente descrita no citado livro de Mark Mazower.


Com a derrota do sultão Mehemet IV em Viena (1683), os salonicences retomam a esperança de uma sublevação. Verificam-se vários confrontos, até à revolução de 1821, em que 3.000 habitantes são executados na prisão da Torre Branca, ainda hoje um monumento simbólico da cidade.


A libertação do sul da Grécia e a instauração de um estado grego independente intensifica a luta nas províncias do norte, e em 26 de Outubro de 1912, no dia da festa do seu padroeiro, São Demétrio, a cidade é libertada pelo exército grego.


Existe há largo tempo uma controvérsia sobre a designação “Macedónia”. A Macedónia é uma região histórica e geográfica dos Balcãs, que foi repartida entre a Jugoslávia e a Grécia, pertencendo a este último país as suas zonas mais importantes. A Macedónia jugoslava era uma das seis repúblicas que constituíam a República Federativa da Jugoslávia e que, após o desmembramento desta devido à invasão da Aliança Atlântica, se tornou uma república independente. Foi então obrigada pela ONU a usar o nome de Antiga República Jugoslava da Macedónia (FYROM – Former Yugoslav Republic of Macedonia). A utilização do nome Macedónia provoca grande contestação por parte dos gregos, nomeadamente dos habitantes do norte do país, a região que viu nascer Alexandre Magno. Já este ano, para tentar solucionar o conflito, os chefes de Governo da Macedónia e da Grécia chegaram a um acordo para que FYROM passasse a designar-se Macedónia do Norte, situação, aliás, ainda não oficializada. Como habitualmente, em todos os continentes, o estabelecimento de fronteiras artificiais nos gabinetes, desprezando as fronteiras naturais e históricas conduz a problemas deste género. Os estadistas são muitas vezes incultos em matéria histórica, e são também estúpidos ou oportunistas, ou ambas as coisas. Muitos dos conflitos no mundo devem-se exactamente à “impossibilidade” das fronteiras artificiais que separam os povos. Mas os políticos nunca aprenderão coisa alguma.



Escrevi muito mais do que pensava, e pretendia. Com tempo, espero dar conta em próximos “posts” de alguns dos locais mais importantes que tive oportunidade de visitar em Salónica.


2 comentários:

Anónimo disse...

1 - Um pouco de correcção latina nunca fez mal a ninguem. Não se usa citar expressões latinas no acusativo, mas sim como é normal no nominativo. Esqueçamos pois a "civitatem liberam" e apliquemos a "civitas libera"

2 - Fronteiras injustas e imperfeitas,deve havê-las desde o paleolítico,pelo menos... Os azares das batalhas e das heranças reais, bem antes dos europeus de regra e esquadro, já criavam absurdos histórico-geográficos variados. Por exemplo,nos nossos promórdios, a Galiza não devia estar integrada plenamente na áres galaico-portuguesa?

3 - Texto do post,como frequentemente,de interessante divulgação histórica.

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

Para o Anónimo das 12.12:

1) A expressão latina que citei foi transcrita (sic) do livro sobre Salónica cuja capa publiquei;

2) Não há exemplos na História de fronteiras traçadas a regra e esquadro tal como as que foram desenhadas em África e no Médio Oriente em consequência da colonização;

3) Agradeço a menção à interessante divulgação histórica.