sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

CÉLINE, OUTRA VEZ





Publicou "L'Obs" (nº 2774 - 4 a 10 Janeiro 2018) um longo artigo sobre a decisão das edições Gallimard de publicar os chamados "panfletos anti-semitas" de Louis-Ferdinand Céline.

Em causa, três livros: Bagatelles pour un massacre (1937), L'École des Cadavres (1938) e Les Beaux Draps (1941).



Informa o artigo: em 19 de Dezembro passado, Antoine Gallimard, 70 anos, patriarca das letras francesas, cuja casa publicou vários prémios Nobel e Goncourt, foi convocado por uma coisa chamada Dilcrah (Délégation interministérielle à la lutte contre le racisme, l'antisémitisme et la haine anti-LGBT), a fim de responder sobre a reedição, anunciada algumas semanas mais cedo, dos referidos escritos do autor de Voyage au bout de la nuit. Fez-se acompanhar de Pierre Assouline, ele mesmo judeu e encarregado de redigir os prefácios dessas obras.


Acontece que os livros em questão foram publicados em 2012 no Canadá, sem a menor polémica. Por outro lado, estes textos estão desde há muito disponíveis na internet e podem ser facilmente descarregáveis.


Durante muitos anos, a viúva de Celine, Lucette Destouches, hoje com 105 anos mas perfeitamente consciente, opôs-se à reedição das obras, que, segundo ela "ils ne nous ont apporté à Louis et à moi que du malheur". Várias tentativas para a demover da sua intenção resultaram em fracasso. Mas eis que finalmente cedeu. Segundo alguns por questões financeiras, já que tem de ser assistida por três pessoas 24 horas por dia. Ou talvez não, já que nem sequer existe à-valoir no contrato de concessão. Aliás, Dominique de Roux já consagrara a Céline um "Cahier de l'Herne" e, em 2015, foi reeditado o livro Décombres, de Lucien Rebatet.

Entretanto, Serge Klarsfeld, defensor infatigável da memória da Shoah e perseguidor de nazis, saiu a campo para reclamar a interdição de qualquer reedição. Está instalada a polémica, com defensores e argumentos de ambos os lados. Deve recordar-se que Henri Godard, o grande especialista de Céline, autor da sua biografia, dirigiu na Pléiade a edição das suas outras obras. E que mesmo os livros agora em questão podem ser já adquiridos na Amazon em formato kindle.


O próprio historiador Pierre-André Taguieff, não sendo ele mesmo judeu, segundo as suas palavras, mas muito próximo dos círculos judaicos, coautor de Céline, la race, le Juif, não é contrário à reedição, mas considera insuficiente a apresentação prevista pela Gallimard, pretendendo um aparato crítico mais completo.

Mesmo Mein Kampf, de Adolf Hitler, vai ser reeditado em Março pela Fayard, seu editor original. E está já traduzido há muito tempo em quase todas as línguas; em português existem três edições, a primeira das quais das Edições Afrodite, de Fernando Ribeiro de Mello, em 1976.

No caso vertente, Klarsfeld considera que não há comparação com Mein Kampf, que é uma obra histórica incontornável. Mas que estes escritos de Céline podem cair sob a alçada da lei, tal como O Mercador de Veneza, de Shakespeare, o que, neste caso, ninguém pretende.

A questão é que existe em França, país que sob a aparência de grandes liberdades sempre foi mais ou menos totalitário, uma lei, a Lei Gayssot (13 de Julho de 1990), do nome do autor da sua iniciativa, o deputado Jean-Claude Gayssot, que reprime qualquer acto racista, anti-semita ou xenófobo, como a contestação da existência de crimes contra a humanidade, definidos pelo Tribunal Militar Internacional de Nuremberga, e que é considerada por eminentes vultos franceses como um atentado à liberdade de expressão e à investigação histórica em geral.

Assim, Antoine Gallimard, logo após o estalar da polémica, enviou uma nota à imprensa manifestando a sua vontade de republicar os panfletos, mas omitindo a data de Maio de 2018 para a sua publicação. O que poderá significar um recuo, ou não.

Muitos políticos, historiadores e filósofos manifestaram-se já contra esta lei, entre eles o professor negacionista Robert Faurisson, que lhe chama lei Fabius-Gayssot, referindo-se ao multimilionário judeu e ex-ministro socialista Laurent Fabius. Mas entre os contestatários da lei figuram Jacques Chirac, Jean-Louis Debré, François Fillon, Alain Peyrefitte, Simone Veil, Pierre Vidal-Naquet, Pierre Nora, François Furet, Robert Badinter, Éric Zemmour, Michel Tournier, Michel Houellebecq, Alain Robbe-Grillet, Jean Daniel, Paul Ricoeur, etc. De facto, esta lei impede a investigação histórica, porque a contestação de quaisquer "verdades oficiais" é legalmente punida, e as verdades oficiais não são sempre.

Aguardemos o desenrolar desta polémica.



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