sexta-feira, 23 de outubro de 2015

A HONRA PERDIDA DE CAVACO SILVA




A comunicação efectuada ontem ao país pelo presidente da República Aníbal Cavaco Silva tem sido, nas últimas horas, objecto das mais variadas e contundentes críticas, quer quanto à forma, quer quanto ao conteúdo.

Dispensando-me de analisar a forma, a que Cavaco Silva já nos habituou nas suas intervenções passadas, e abstraindo de alguns aspectos quiçá criticáveis mas não fundamentais, pretendo centrar-me naquilo que considero essencial para a vida da nação.

A indigitação do dr. Passos Coelho para primeiro-ministro não me merece qualquer reparo. Já aguardava essa decisão. Ele é o líder do partido ou força que obteve o maior número de votos, e apesar do anúncio feito (não a Maria, como poderia escrever Claudel, mas ao chefe do Estado) de que um Governo PSD/CDS será rejeitado pelo Parlamento, reconheço que Cavaco Silva tem o direito de obter essa confirmação através da votação na Assembleia da República.

Mas já não posso aceitar que o presidente da República, devido às suas opções ideológicas (de que discordo mas que obviamente não discuto), tenha conjurado o fantasma das reacções internacionais, invocando a quase certeza de que os investidores, os mercados e as instituições financeiras iriam mergulhar o país numa crise económica, financeira e social, no caso de rejeição do governo de Passos Coelho. Isto é, em vez de, como chefe de Estado, tranquilizar as forças cujas reacções receia, e apesar de saber que o Governo de Esquerda que se prefigura não porá em causa os compromissos internacionais, Cavaco Silva convoca justamente essas forças para estribar as suas lucubrações.

Depreende-se claramente desta comunicação que Cavaco Silva considera ferida de ilegitimidade a previsível Frente de Esquerda, como houvesse no Parlamento alguns partidos que, por definição, estivessem impedidos de governar o país.

Deixou ainda pairar a dúvida, já que a sua intervenção não primou pela clareza, quanto a uma indigitação do líder do Partido Socialista para formar governo, rejeitado que seja o dito do dr. Passos Coelho. Ou quanto à manutenção em funções do actual Executivo, em regime de gestão, até à convocação de novas eleições legislativas pelo futuro presidente da República, atitude que, em minha opinião, suscitaria as maiores interrogações por parte dos constitucionalistas.

Todavia, o reparo mais sério, e que considero de uma gravidade extrema, foi o apelo implícito a uma sublevação por parte de alguns deputados do Partido Socialista, de forma a que o governo do primeiro-ministro indigitado fosse aprovado na Assembleia da República. Incitar à cisão de um partido político é um acto sem precedentes que desonra quem o pratica. Estamos habituados, nos dez anos que leva de mandato presidencial, a actuações controversas de Aníbal Cavaco Silva. Mas apesar da nossa capacidade de admiração já quase não ter limites, mesmo assim ficamos espantados por esta surpreendente convocação à desonestidade por parte do Supremo Magistrado da Nação.

Muito mais haveria a dizer, mas isto basta.

2 comentários:

Anónimo disse...


Se como bem afirma o caro bloger já nada mereça o nosso espanto no que a esta figura diz respeito, ainda assim ouvir da boca do Chefe de Estado - que deveria ser o presidente de todos os portugueses - um apelo desta gravidade, só demonstra que esta criatura foi certamente o pior PR de todos os tempos.
O que pensarão e dirão as pessoas sérias do resto da Europa perante as declarações deste indivíduo? Estou estupefacto!
Olho Vivo

Anónimo disse...

Aprecio o jogo de palavras: "A Honra Perdida de Katharine Blum" é um romance de Heinrich Böll sobre o qual Volker Schlöndorff viria a fazer um filme.