domingo, 13 de julho de 2014

A CRISE NO MÉDIO ORIENTE




Falar de crise no Médio Oriente é, de alguma forma, redundante, já que, desde há décadas, o Médio Oriente se encontra mergulhado em crise profunda. De facto, desde a queda do Império Otomano que a região vive em clima de grande instabilidade quando não de guerra declarada.

Abalado por violentos conflitos antes da dominação turca, o Médio Oriente conheceu uma paz relativa a partir do momento em que os sultões de Constantinopla submeteram a zona à sua suserania, com excepção da expedição napoleónica ao Egipto e da luta pela semi-independência deste país, já no século XIX.

É com o fim da Primeira Guerra Mundial, quando o Egipto estava já, de facto, sob o domínio britânico, que se desencadeiam verdadeiramente as hostilidades na região. Não é possível tratar, em algumas linhas, a génese e o desenvolvimento das movimentações que conduziram o Médio Oriente ao cenário actual, mas podem referir-se alguns factos relevantes.

Na perspectiva da derrota da Sublime Porta no primeiro conflito mundial, entenderam ingleses e franceses delinear um plano de partilha dos territórios daquela potência, ricos em petróleo e de inegável importância estratégica. Assim, em 1916, Mark Sykes, do lado inglês e Georges Picot, representando os franceses retalharam, com o aval de São-Petersburgo, em proveito próprio, o ainda consideravelmente extenso Império Otomano, através do Acordo que ostenta os seus nomes. Em 1917, Arthur Balfour, ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, manifestava por carta a Lord Rothschild, presidente da Federação Sionista, o acolhimento favorável do "Governo de Sua Majestade" ao estabelecimento de um Lar Nacional para o Povo Judeu na Palestina. Por outro lado, os ingleses, com a inestimável colaboração do coronel T.E. Lawrence (Lawrence da Arábia), agente secreto no Cairo, fomentavam, desde 1916, a Revolta Árabe, liderada pelo cherife Hussein de Meca e seus filhos Faiçal, Abdullah e Ali, representantes da dinastia Haschemita. O soberano do Hijjaz acreditara na promessa de Lawrence de que a Grã-Bretanha, após a derrota turca, promoveria um Estado Árabe unificado no Médio Oriente sob a sua liderança. Um erro fatal.

Terminado o conflito internacional em 1918, frustradas as perspectivas árabes, retalhado o território das antigas províncias otomanas, foi criada pela Sociedade das Nações a figura jurídica do Mandato, cometendo ao Reino Unido e á França a administração dos novos Estados saídos da guerra (por não estarem ainda em condições de ascender à independência ?!), a saber: a Palestina e o Iraque ao Reino Unido; a Síria e o Líbano á França. A Transjordânia (hoje Jordânia) que não correspondia a qualquer entidade política otomana é autonomizada mais tarde, enquanto a Palestina é dividida pelas Nações Unidas, em 1947, em dois estados, Israel, cuja independência foi proclamada em 1948 e um estado palestiniano propriamente dito, que ainda hoje aguarda concretização.

Na segunda metade do século XX, o Médio Oriente, configurado pelo desenho que lhe foi imposto por ingleses e franceses, foi teatro de revoluções, guerras, guerrilhas, golpes de estado que se prolongaram até hoje. A história deste período, porque mais próxima,  é-nos já tristemente familiar.

Como se não bastassem as convulsões internas e as interferências externas, o panorama agravou-se tragicamente com o infindável conflito israelo-palestiniano e a invasão anglo-americana do Iraque em 2003, protagonizada por Bush e Blair, acompanhados de alguns parceiros menores. As chamadas "primaveras árabes" encarregaram-se de compor o quadro, provocando uma das mais sangrentas hecatombes do pós-Segunda Guerra Mundial.

Assiste-se actualmente a uma guerra civil generalizada na Síria e no Iraque (com milhões de mortos, feridos, foragidos, estropiados, desalojados, loucos), à emergência de um califado no autoproclamado ISIS (Estado Islâmico do Iraque e da Síria), à instauração no Egipto de um regime militar para obviar ao caos resultante do governo islamista, à completa decomposição da Líbia (que não faz parte do Médio Oriente mas era uma província otomana) e à continuação da ofensiva israelita contra o que resta do estado palestiniano previsto pela ONU em 1947.

A invasão do Iraque, ditada por interesses geoestratégicos com o pretexto de estabelecer a democracia no país (afirmação tão risível que creio ninguém levou a sério, nem mesmo os apoiantes da dita), terá tido como objectivo, embora então inconfessável, e inconfessado, a redefinição de fronteiras no Médio Oriente, alterando as linhas estabelecidas pelo Acordo Sykes-Picot. Não terão os os autores, por incompetência ou má-fé, ou ambas, avaliado das consequências desastrosas da iniciativa. Não me refiro a nefastas consequências para os povos interessados, a que são naturalmente alheios, mas a consequências para si mesmos. O despertar do islamismo, devido em grande parte à eternização da Questão da Palestina, o alastrar da guerra santa islâmica, que aproveitou também a queda do regime de Qaddafi para fazer da Líbia um quartel-general e já se estende pelo Sahel, ameaçando toda a África Central, a reaparição das ambições dos curdos, que nunca se conformaram com a negação das suas pretensões a um estado imdependente (que os arménios conseguiram), o recrudescimento das hostilidades entre sunitas e xiitas (que podem agradar aos inimigos dos muçulmanos mas se revelarão catastróficas a médio prazo), a intensificação do terrorismo internacional, o ódio crescente ao Ocidente, constituem aspectos que não são, em caso algum, neglicenciáveis.

Assim, não é expectável um futuro risonho, nem no Médio Oriente nem no mundo em geral. Estão os países entregues a governantes de baixo nível intelectual e moral, quiçá sem paralelo na História, quer nos regimes autoritários, quer nos regimes pretensamente democráticos, mas para os quais, em geral, democracia é apenas sinónimo de economia de mercado desregulada e de capitalismo ultra-liberal. Não se vislumbram ideias altruístas, como em outras épocas da humanidade. Acredito que o panorama venha a alterar-se, mas não creio que isso aconteça sem uma confrontação global em larga escala.

Aguardemos.

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