domingo, 27 de abril de 2014

O EURO E A EUROPA



Pela sua importância, transcrevo abaixo o artigo que o Embaixador Francisco Henriques da Silva teve a gentileza de me enviar:



Da construção europeia, do Euro, da Euro-Alemanha  e de outras histórias e historietas explicadas ao Povo e contadas às criancinhas 

Relativamente ao título acima transcrito, não resisto em reproduzir, em tradução livre e adaptada, um e-mail que, um pouco ao sabor da pena, sem grandes preocupações de erudição nem de organização de ideias, escrevi a um amigo meu, francês, fidelíssimo crente no mito europeu. Ei-lo:

“Meu caro

               Li com atenção os documentos que me enviaste.
               Sabes, servi durante dois anos e meio, como membro do Gabinete do Comissário europeu - de nomeação portuguesa, ou seja do Governo de então -,  Prof. João de Deus Pinheiro, em Bruxelas, de 1993 a 1995. Não fui, pois, passageiro,  piloto ou comissário de bordo dos aviões, estive na própria torre de controlo do aeroporto. Por conseguinte, posso assegurar-te que, modéstia à parte, julgo conhecer minimamente como funciona a “máquina europeia”, as pessoas que ali trabalham ou que por lá andam e que dão a volta à manivela.
               Jacques Delors era, à época, o grande patrão, tinha um projecto e, se bem me lembro, tinha a ilusão de que a Europa podia ver a luz do dia, em grande estilo. A fé move montanhas e a Bélgica é lisa como uma panqueca. Nesses tempos que já lá vão, eu era um crente entre os crentes, a bem dizer quase um fundamentalista pró-europeu, passe a expressão. Ah! A Europa! A magnífica e grandiloquente construção do nosso futuro comum! A criação de  um mundo exemplar! Blá-blá-blá, sempre blá e ainda blá... 
               Tudo isso, entretanto, mudou e tal como os adolescentes, que aos 14 ou 15 anos descobrem um belo dia que têm sérias dúvidas sobre a religião, que deixam de ir à missa e que já não sentem necessidade de rezar, perdi também a minha fé na construção europeia. Tornei-me agnóstico e, à medida que o tempo ia passando, pior ainda: tinha-me tornado num agnóstico militante e revoltado. Por outras palavras, a Europa era um mito que se auto-alimentava e que com o qual tínhamos de viver. Tratava-se do novo ópio do Povo do século XXI! Todavia, para os descrentes como eu, no fundo, tínhamos de engolir a pílula – éramos e somos apenas umas vozes isoladas que clamam no deserto - , sem embargo não podemos engolir tudo e há coisas que muito claramente devemos recusar.
               Vejamos o que se passa. A Europa perde-se e perdeu-se em debates   intermináveis, alguns serão bizantinos outros não tanto: federalismo vs. soberania dos Estados-Nações, Europa prato do dia ou “à la carte”, alargamento ou aprofundamento, união mais estreita ou mais flexível, implementação ou não do conceito de subsidiariedade, etc, etc, etc. Poderia perder horas a equacionar todos este problemas, mas o melhor é passarmos adiante porque estas questões são meramente retóricas  e as consequentes respostas não nos conduzem a parte alguma. Concentremo-nos, antes, nos problemas mais actuais e mais prementes. Alguns poderão directa ou indirectamente responder a algumas dessas questões de fundo.
               O euro constituiu uma armadilha,  criado que foi à pressa por pressões de François Mitterrand, assustado com a reunificação alemã e com os riscos dum potencial – e imaginável -  domínio alemão da Europa (os fantasmas da guerra franco-prussiana e dos dois grandes conflitos mundiais do século passado emergiram, como emergem sempre, nas mentes gauleses). O PR francês dá um salto na cadeira após ter escutado o discurso do chanceler alemão Helmut Kohl no Bundestag: a Alemanha unia-se de Leste a Oeste. As luzes no Eliseu estiveram acesas toda a noite, a insónia era infindável. Enervado Mitterrand decide então avançar com a criação imediata do Euro, custasse o que custasse, como fórmula para amarrar a agora Grande Alemanha ao projecto europeu. Todavia, impôs duas condições a Bonn: a) a Alemanha podia reunificar-se (era o discurso politicamente correcto, não se atrevia a dizer outra coisa) desde que se comprometesse publicamente com a criação da moeda comum; b) os alemães deviam, igualmente, aceitar critérios financeiros estritos para aquela criação. O erro de Mitterrand foi colossal. Para os alemães, porém, foi a festa au grand complet : “Este imbecil oferece-nos a reunificação de mão beijada e ainda por cima o euro. Os critérios seremos nós a decidi-los”. E Kohl & Cia. disseram-no de uma forma bem clara e explícita: “Sim, é evidente, mas os critérios serão os do marco alemão. Ponto final”. Eis-nos, pois, chegados ao Tratado de  Maastricht e aos famosos critérios de convergência. Iríamos adoptar colectivamente o marco com outro nome. Mas será que ninguém viu? Toda a gente subscreveu o acordo  sem pensar nas consequências? Quem foi o responsável? Bom, Mitterrand à cabeça, sem qualquer dúvida, mas todos os demais foram cúmplices. A Alemanha ganhou em todos os tabuleiros.
               O euro foi pois criado à  imagem e semelhança do marco. Não houve nem uma regulamentação estrita e uniforme do sistema bancário, nem harmonização fiscal, nem convergência das políticas económicas. Tudo isto implicaria uma maior integração e consequentes perdas de soberania, mas não se podia adoptar uma moeda comum sem pensar nestas questões que são verdadeiramente cruciais. Os EUA também dispõem de uma moeda comum, mas estes problemas estão, como se sabe, resolvidos à partida, sem prejuízo das diferenças – que são muitas – entre, por exemplo, o Alabama e a Califórnia.
O euro é pois uma criação ex nihilo, baseada em falsas premissas, sem quaisquer bases sólidas, apenas para satisfação das pretensões alemãs.  Esta é a verdade dos factos. Porém, tudo parecia navegar em águas tranquilíssimas, num mundo panglossiano: “Tout va bien dans le meilleur des mondes”. Melhor ainda: nos pequenos países de economia débil da periferia, acabavam as taxas de juro elevadas, o dinheiro era abundante, fácil e barato. Ninguém temia o que quer que fosse. Vivia-se na euforia. Podia-se, finalmente, construir as auto-estradas, os hospitais, as escolas, os aeroportos; o povão iria viver melhor, tinha-se posto termo à miséria e aos anos das “vacas magras”. Era o tempo de todos os sonhos e de todas as loucuras, que, infelizmente, não iria durar muito.
Com efeito, a crise já lá estava. Começa em 2007 e em Setembro de 2008 dá-se o colapso – é a famosa crise do sub-prime, que está na origem da subsequente recessão nos EUA e na Europa, ou seja, uma crise do sistema bancário à escala mundial, com múltiplas causas, mas com o eixo principal centrado no mercado hipotecário.
Na Europa, para além de todos os sinais precursores negativos prosseguia-se tolamente com a mania das grandezas. Alguns governos, aparentemente aconselhados pela própria Comissão Europeia (!), gastaram ainda mais para “fazerem face à crise” que era, dizia-se, passageira e a Alemanha lá estaria como anjo da guarda de toda a gente, a proteger-nos dos males e pestilência que vinham de fora. O euro era uma moeda forte. As pessoas continuavam a gastar. Lentamente, porém, aqui e acolá, as apreensões começavam a surgir, mas “era só fumaça”, ninguém via as labaredas do incêndio já declarado, que se avizinhava a passos largos.
Crise? Meu amigo, a crise é essencialmente bancária e não outra coisa. O sistema bancário é a causa, o endividamento público e privado a consequência. A quem pedimos nós, Estado ou particulares, dinheiro? À banca, pois claro. Quem é que o emprestou de uma forma irresponsável, mafiosa, criminosa, através de um sistema opaco e corrupto? A banca. É, porém, óbvio que os governos, por ignorância, irresponsabilidade e ineficácia, têm também a sua quota-parte de culpas no assunto, mas a responsabilidade principal reside no sistema bancário, insuficientemente regulamentado e a funcionar sem qualquer controlo ou supervisão, dignos de nota.
Concretamente, no caso português, o euro acabou com a nossa indústria, pôs um ponto final no que restava da nossa agricultura, criou empregos fictícios no sector dos serviços e, last but not least, impediu o livre curso das nossas exportações. Devemos continuar a reiterar os nossos erros? Cair  de vez no precipício? É tempo de dizer. “Alto e pára o baile!”
Mais. Adoptámos o euro, sem qualquer consulta popular. Para quem se vangloria de uma democracia, de pura ficção, diga-se de passagem, o que se passou foi, pura e simplesmente, revoltante.
Eis-nos chegados à pergunta que se impõe: pode-se ou não bater com a porta? Sim, mas tal implicará sacrifícios de monta. Já sofremos bastante, é verdade, mas podemos sofrer ainda um pouco mais para sermos recompensados a longo prazo. Trata-se de testar a nossa capacidade de resiliência. Se batermos com a porta, o barco vai ao fundo, ou seja a “Eurolândia” desaparecerá. A minha resposta é simples: que se afunde. Francamente – e não quero cair na demagogia barata – ao ponto a que chegámos e com a idade que tenho, é-me indiferente. Com uma nova moeda – escudo, cruzado, maravedi ou pataca – teríamos de imediato uma desvalorização de 30 ou 40%, quem sabe se mais. Mas se resistimos passiva e heroicamente até agora, não podemos aguentar mais um embate? Teremos ou não capacidade para sofrer ainda mais? Na certeza, porém, de que recuperaremos a nossa soberania, seremos, apesar das limitações, de algum modo senhores do nosso destino e não os servos da gleba dos outros.  Podemos fechar as portas por um período relativamente curto  e, entretanto, mandar os banqueiros e os políticos desonestos para a cadeia, depois...depois, se verá! Isto não é populismo. É possível.
Duas pequenas notas finais:
a)                     Portugal não viveu acima dos seus meios e das suas possibilidades. Foi a banca nacional e internacional  que nos disse de forma enfática: “Façam os vossos jogos! Há dinheiro para todos!”. Meu caro amigo, sabemos bem que assim foi e podia apresentar-te n exemplos do que afirmo.
b)                     A nossa adesão à UE (na época CEE) foi apresentada como a “terra prometida, onde corre o leite e o mel”. Vamos de um dia para o outro transformarmo-nos em suecos ou em alemães, apesar do nosso cabelo escuro e da nossa tez morena. Isto foi vendido ao pagode, desta maneira, sem jamais, em tempo algum, se ter pronunciado em referendo sobre o assunto. Os políticos-politiqueiros da nossa praça assim nos venderam o peixe.
Podia continuar, mas fico-me por aqui. Falaremos longamente sobre o assunto, mas esta já vai longa, demasiado longa. É um dilatado grito da alma e interpreta-o assim.
               Abraço amigo”



VASCO GRAÇA MOURA




Morreu hoje em Lisboa, aos 72 anos, Vasco Graça Moura, poeta, ficcionista, ensaísta e tradutor, uma das personalidades mais destacadas da vida cultural portuguesa do último quartel do século passado e da primeira década do século XXI.

Conheci o Vasco, há 50 anos, quando veio do Porto para estudar na Faculdade de Direito de Lisboa. Com amigos comuns, elaborámos alguns projectos culturais que não tiveram então sequência devido à dispersão por várias actividades das pessoas neles interessadas.

Acompanhei a sua carreira cultural e com ele fui mantendo contactos espaçados. Aliás, não era muito fácil encontrar o Vasco, empenhado sempre em tarefas múltiplas. Não me identificando com as suas posições políticas, isso nunca comprometeu o nosso relacionamento. Vasco Graça Moura soube sempre distinguir as opções políticas, as convicções ideológicas e as relações de amizade.

A sua morte, prematura, constitui uma perda significativa para o mundo das letras.

sábado, 26 de abril de 2014

BRUNO RIBEIRO, UM TENOR PORTUGUÊS



Bruno Ribeiro em Corrado, na ópera Il Corsaro

Não me recordo de alguma vez ter visto (e ouvido) o tenor Bruno Ribeiro nos palcos do São Carlos. É verdade que ele é um jovem (as notícias biográficas na net não indicam a idade) e que aquele teatro desde há muito tempo que não realiza verdadeiras temporadas de ópera. Segundo informação que me foi prestada, parece que terá participado num concerto.


Além de uma excelente voz, Bruno Ribeiro tem óptima aparência, o que o torna desejado para interpretar papéis em que os atributos físicos também contam, e muito. Já lá vai o tempo em que cantores e cantoras fisicamente horrorosos e de idade improvável desempenhavam personagens descritas como belas e jovens



Tendo começado a estudar no Conservatório Nacional, Bruno Ribeiro tem-se apresentado nos grandes teatros europeus e americanos, primeiro em papéis secundários e depois nos papéis principais. Encontram-se gravadas em DVD as suas prestações nas óperas de Verdi Il Corsaro (interpretando Corrado, o protagonista), no Teatro Regio di Parma (2012) e Nabucco (interpretando Ismaele), no Festival de St. Margarethen (2007) e na ópera de Donizetti Lucrezia Borgia (interpretando Jeppo Liverotto), na Ópera de Munique (2009).


A produção ao ar livre de Nabucco em St. Margarethen é espectacular. Para lá do privilegiado local é servida por uma encenação grandiosa, devendo  notar-se que os figurantes mais jovens foram escolhidos a dedo por pessoa de bom gosto.

Incluímos excertos da Tosca e da Carmen, apesar da deficiente qualidade do som:







sexta-feira, 25 de abril de 2014

CÉLESTE ALBARET



Edição de 1973

Completam-se hoje 30 anos sobre a morte de Céleste Albaret, oficialmente Augustine Célestine Gineste, em Montfort-l'Amaury. Nascida em 17 de Maio de 1891, Céleste, mulher de Odilon Albaret, o motorista do táxi que Proust habitualmente utilizava, foi a governanta dedicada do escritor durante oito anos, de 1914 a 1922.

Por morte de Proust, em 1922, abriu, com o marido, o Hôtel Alsace Lorraine, mais tarde rebaptizado Hôtel La Perle, e de 1954 a 1970 tomou conta do Belvédère, a casa de Maurice Ravel em Montfort- l'Amaury.

Mulher discreta, tornou-se subitamente célebre quando, em 1973 se confiou a Georges Belmont e lhe contou em pormenor o tempo em que esteve, dia e noite, ao serviço do autor da Recherche, até à morte deste.

Morreu com 93 anos e, alguns anos antes, recebera das mãos do ministro francês da Cultura, Jean-Philippe Lecat, as insígnias de comendador da ordem das Artes e das Letras.

Ao longo das mais de 400 página do livro Monsieur Proust (1973), agora acabado de reeditar, entramos na intimidade, mesmo nos aspectos mais recônditos, da vida do escritor. Um testemunho pessoal de inapreciável valor para o conhecimento da personalidade e para a compreensão da obra de um dos maiores criadores da literatura francesa do século passado.

25 DE ABRIL




Recordo-me perfeitamente do dia 25 de Abril de 1974. Tenho na memória imagens desse dia, tanto ou mais nítidas do que as de acontecimentos muito mais recentes. A queda do Estado Novo era algo que a maioria dos portugueses esperava e desejava, já que o regime esgotara há muito tempo o seu prazo de validade. Mas não se sabia quando ocorreria, embora o pronunciamento de 16 de Março constituísse um aviso de que poderia estar iminente.

Os factos que nos marcam profundamente não se apagam com facilidade das nossas lembranças mesmo mais remotas. Quarenta anos passados e parece que foi ontem. Também devido à aceleração do ritmo de vida, o que tem a ver não só com Portugal mas com o Mundo.

Contudo, dificilmente se preveria que - com as esperanças que Abril suscitou - nos encontrássemos, 40 anos depois, na situação presente. É evidente que a crise que nos afecta não é exclusiva de Portugal, atinge grande parte da Europa, e o Mundo. Resulta das exigências do capitalismo financeiro e da globalização da economia. Tende, porém, no nosso país,  a assumir proporções dramáticas, já que os dirigentes políticos entenderam adoptar medidas ainda mais severas do que as impostas pelas instituições internacionais. Não é só a dívida que preocupa o Governo, dívidas externas sempre houve, sem que isso obrigasse a uma austeridade irracional. Nem sequer o défice, cuja meta determinada pelo Tratado Orçamental não só é uma condição estulta como será alterada a curto prazo, se entretanto a União Europeia não implodir. O que preocupa o Governo, a sua obsessão primeira, é o desmantelamento do Estado Social, objectivo aliás prosseguido em outras nações europeias.  Existe uma vontade já não ocultada de reduzir progressivamente o apoio social prestado às populações, vontade de que a Alemanha tem sido o principal arauto, em contradição com as primeiras medidas sociais, ironicamente tomadas pelo chanceler Bismarck.

No momento em que se exaltam por toda a parte as virtudes da democracia, o mundo globalizado, mesmo nos países em que está instalada uma democracia representativa putativamente consolidada, é cada vez menos democrático. Assiste-se s uma assunção do poder político por parte do poder económico e financeiro, que é quem realmente governa, por interposta instância dos governos "democraticamente" eleitos. O exemplo português é flagrante: um partido reúne a maioria dos sufrágios, mediante a apresentação de um programa ao eleitorado. Logo que  investido em funções governativas faz exactamente o contrário do que o que se comprometera a fazer. O que se verifica hoje em Portugal, e em muitos outros países, é que os governos perderam a legitimidade "democrática".

Àqueles que aplaudem os pronunciamentos militares contra governos ditos ditatoriais e que condenam pronunciamentos militares contra governos saídos de eleições ditas livres, poderá responder-se que são tão ilegítimos (ou legítimos) uns como os outros. E que as presentes democracias representativas dos países europeus, subordinadas aos interesses plutocráticos, não são nem democracias, nem representativas.

Dito isto, e regressando a Abril, o movimento militar de 1974, abriu as portas a novos horizontes em Portugal. Apesar de contradições e exageros nos primeiros tempos do novo regime, é um facto incontroverso que o país progrediu na maioria dos aspectos. Fruto da evolução do tempo, das alterações internacionais, mas especialmente mérito dos novos poderes instituídos. Costuma chamar-se à situação adquirida as "conquistas de Abril". Ora é precisamente a situação adquirida que o actual Governo pretende destruir. Por isso, para impedir a prossecução dessa luta travada a soldo de interesses estranhos, importa a mobilização dos portugueses. Aqui e agora. Aguardando que os outros povos europeus, que também já despertaram para a realidade, actuem.



quarta-feira, 23 de abril de 2014

O PATRIMÓNIO SÍRIO EM PERIGO



Grande Mesquita de Homs

Realiza-se no próximo dia 30, no Institut du Monde Arabe, uma jornada sobre o património sírio, que se encontra em perigo, ou já danificado, devido à situação de conflito no país.

Transcreve-se a notícia:

Le patrimoine syrien en péril

Informations pratiques
 
Quand   Mercredi 30 avril 2014
  Auditorium, Niveau -2
Durée   De 11h à 18h
Combien   Entrée libre dans la limite des places disponibles 

Le 20 juin 2013, le Comité du patrimoine mondial de l'Unesco a décidé d'inscrire tous les sites au label Unesco de la République arabe syrienne sur la Liste du patrimoine en péril afin d'attirer l'attention sur les dangers auxquels ils sont exposés en raison de la situation du pays. 

Les sites concernés sont aussi bien la vieille ville d'Alep que celle de Damas. Et également Bosra, au sud, ou encore Palmyre et de nombreux autres édifices dont la Syrie est si riche. De cette manière, l’opinion mondiale a été sensibilisée à la défense de monuments dont beaucoup sont célèbres. Pourtant, cela ne suffit pas

La journée du 30 avril voudrait engager une réflexion et une action sur le patrimoine syrien en péril. Elle débutera par l’exploration de la dimension matérielle, historique et symbolique du patrimoine syrien et par un état des lieux de ce patrimoine et des institutions qui en sont chargées en Syrie, avant le conflit et depuis. La rencontre proposera ensuite de considérer les actions qui sont d’ores et déjà menées pour la protection de ce patrimoine par différents groupes d’acteurs, relevant des secteurs associatifs ou institutionnels.
 

Enfin, sera engagée, à la lumière d’autres expériences dans le monde, une réflexion sur la manière dont un groupe d’experts, venus d’horizons divers, pourrait œuvrer à préparer l’après conflit.

Programme de la journée : 

Matinée : 11h-13h
 

Ouverture :
-Allocution de M. Jack Lang, président de l’IMA.
 

1ere séance : La dimension matérielle, historique et symbolique du patrimoine syrien et état des lieux avant la révolution et depuis 
Michel al-Maqdissi, docteur ès lettres de la Sorbonne en archéologie orientale: Dimension historique et symbolique du patrimoine syrien ; et situation de l'archéologie avant 2011.
Sophie Cluzan, conservatrice du patrimoine au Musée du Louvre, département des antiquités orientales : Considérations générales sur l’état du patrimoine syrien jusqu’en 2011 : institutions concernées, état des musées, sites en péril, sites classés UNESCO, etc.
Lecture de points du rapport de la DGAMS
Cheikhmous Ali, docteur en archéologie du Proche-Orient ancien: La veille sur le patrimoine syrien et l’état des musées, sites, monuments en avril 2014
Jacques Montluçon, ingénieur : Les savoir-faire syriens: un patrimoine immatériel en grand danger.
Annie Sartre, professeur des universités en histoire ancienne : Le Hauran, l’état de son patrimoine avant les événements. Pourquoi faut-il le protéger et quelles sont les erreurs à ne pas perpétuer ?


14h30 - 16h00
 

2ème séance : Les actions menées par divers organismes et associations 
Nada el-Hassan, coordinateur des initiatives sur la culture et le développement à l’UNESCO : Patrimoine en péril : approches et actions de l'UNESCO
Samir Abdulac, secrétaire général de l’ICOMOS France (conseil international des monuments et des sites) : Actions de l’ICOMOS pour l’aide à la sauvegarde du patrimoine syrien
Philippe Quenet, maître de conférences en archéologie de l’Orient Ancien à Strasbourg : Actions de l’Association pour la sauvegarde du patrimoine syrien
Pierre Leriche, directeur du projet franco-syrien de Doura Europos : L'aspect patrimonial de l'action de la Mission franco-syrienne d'Europos Doura
Pascal Butterlin, Professeur d'archéologie à l'Université Paris I-Panthéon Sorbonne et directeur de la mission archéologique française de Mari: Les mesures de sauvegarde à Mari depuis trois ans


16h30-18h
 

3e séance : table-ronde : Vers la constitution d’un groupe d’experts 
Présidée par Sophie Cluzan et Annie Sartre
Participants : Sophie Cluzan, Annie Sartre, Samir Abdulac, Michel al-Maqdissi, Cheikhmous Ali, Jacques Montluçon et Anas al-Muqdad


terça-feira, 22 de abril de 2014

A PEREGRINAÇÃO A MECA




Foi hoje inaugurada em Paris, no Institut du Monde Arabe (IMA), com a presença do presidente François Hollande, do vice-ministro dos Negócios Estrangeiros saudita, príncipe Abdelaziz bin Abdallah e de Jack Lang, presidente da instituição, a exposição Hajj, le pèlerinage à La Mecque, a mais importante alguma vez organizada sobre este tema em França.

Transcrevemos a notícia do IMA:


L'objectif central de cette exposition consiste à mettre en lumière l'histoire du hajj ainsi que celle de l'ensemble des rites qui le compose pour donner à comprendre ce que représente la dévotion intemporelle, personnelle et collective, extatique et esthétique, qu'expérimente, à l'occasion du pèlerinage, chaque croyant au sein de la communauté des musulmans, la Oumma.

Un des cinq piliers de l'islam
Le hajj ou pèlerinage à la Mecque est l'un des cinq piliers de l'islam - avec la profession de foi (chahâda), la prière, le jeûne du mois de ramadan et l'aumône (zakât). Il ne constitue une obligation pour le croyant que dans la mesure où celui-ci a les moyens physiques et matériels de l'accomplir, une fois dans son existence. Le hajj doit être entrepris à une date précise du mois de dhu al-hijja du calendrier islamique, tandis que la umra (petit pèlerinage) peut être accomplie tout au long de l'année.

Les rites du pèlerinage
Le parcours de l'exposition propose de suivre les pas de ces pèlerins au cours de leur voyage jusqu'à La Mecque et de les accompagner pendant ces cinq jours sacrés du mois de dhu al-hijja au cours des rites qui composent le hajj : circumambulation autour de la Kaaba (littéralement, le « cube »), course entre Safa et Marwah, station à Arafa, lapidation du diable, sacrifice...

L'expérience du pèlerin
Au sein de l'exposition des témoignages de pèlerins sont présentés et il est donné aux visiteurs la possibilité d'enregistrer le leur. Ces témoignages recueillis permettent de constituer une bibliothèque accessible dans l'exposition, mais aussi sur un site internet dédié.
 

En parallèle à cette démarche de collecte et de mise en valeur d'un patrimoine oral et sensible, un espace dans l'exposition est consacré aux souvenirs matériels (cadeaux, certificats de pèlerinages...) déposés par des pèlerins souhaitant interagir dans l'exposition. Le souvenir ou l'objet laissé en dépôt est enregistré, répertorié et présenté dans l'exposition, dans l'espace dédié au « Retour ». Cette vitrine permet à chacun de contribuer à la spécificité de l'exposition pendant les trois mois que dure celle-ci.

L'exposition Hajj, le pèlerinage à La Mecque présente quelque 230 pièces, très souvent inédites en France, en provenance de collections publiques et privées, de bibliothèques et de galeries d'art contemporain, d'Afrique, d'Asie et d'Europe.

*
 
Organisée en coproduction par l’Institut du monde arabe et la Bibliothèque publique du Roi Abdulaziz à Riyad, l’exposition Hajj,le pèlerinage à la Mecque reprend le projet du British Museum, présenté en 2012, en le faisant évoluer. Le commissariat de l’exposition est assuré par Fahad Abdulkareem, de la Bibliothèque du Roi Abdulaziz et Omar Saghi, politologue et écrivain.

A SUPRESSÃO DO VÍCIO




Muita gente costuma indignar-se com a existência de polícias religiosas nos países islâmicos, como acontece na Arábia Saudita, no Irão, no Sudão, etc. Contudo, essas comissões para a Promoção da Virtude e a Prevenção do Vício, que infelizmente ainda subsistem, têm precedentes no mundo ocidental. Recorde-se que, em 1873, o político americano Anthony Comstock criou a New York Society for the Suppression of Vice, instituição dedicada a supervisionar a moral pública, que influenciou decisivamente o Congresso dos Estados Unidos, levando-o a aprovar a Comstock Law, que ilegalizou the delivery or transportation of "obscene, lewd, or lascivious" material as well as any methods of, or information pertaining to, birth control and venereal disease

A Lei Comstock e todas as outras disposições similares (como a famigerada Lei Seca ou as proibições de drogas anteriormente de consumo livre, inclusive medicamentos, e cuja interdição motivou a especulação e o tráfico) foram responsáveis por milhões de mortes, prisões, doenças, acidentes de toda a ordem. 

O puritanismo anglo-saxónico em todo o seu esplendor.
 

segunda-feira, 21 de abril de 2014

O OGRE




Revisitando uma grande obra da literatura mundial, Le Roi des Aulnes (1970), de Michel Tournier (n. 1924), galardoada com o Prémio Goncourt. O livro provocou escândalo, aquando da publicação, dada a atracção do protagonista (um alter ego do autor?) por rapazinhos, evidenciada especialmente enquanto prisioneiro de guerra francês na Alemanha nazi.



O romance de Tournier foi adaptado ao cinema, em 1996, por Volker Schlöndorff, com John Malkovich no protagonista, um ogre na floresta de Kaltenborn, ao tempo de dois outros ogres germânicos: Hitler e Göring.

sábado, 19 de abril de 2014

RECORDANDO PARSIFAL EM SEXTA-FEIRA SANTA




Um dos maiores tenores da actualidade, Jonas Kaufmann, interpreta Parsifal, de Richard Wagner (um Cerimonial de Sexta-Feira Santa), na Metropolitan Opera, em 2013. Orquestra dirigida por Daniele Gatti e encenação de François Girard:



Porque Parsifal implica Lohengrin, Jonas Kaufmann interpreta também o protagonista, na produção da Ópera de Munique, em 2009. Orquestra dirigida por Kent Nagano, encenação de Richard Jones:



quinta-feira, 17 de abril de 2014

ANIVERSÁRIO DAS RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS COM A CHINA



 


Foi inaugurada ontem, no Centro Científico e Cultural de Macau, uma exposição fotográfica comemorativa do 35º aniversário do estabelecimento de relações diplomáticas entre a República Portuguesa e a República Popular da China.

A inauguração foi precedida de uma apresentação, pelo presidente do Centro, prof. Luís Filipe Barreto, e de uma saudação, pelo embaixador da China em Lisboa, dr. Huang Songfu. Entre a numerosa assistência encontravam-se os antigos governadores de Macau, general Garcia Leandro e Carlos Melancia, o ex-embaixador de Portugal na China, José Duarte de Jesus e o presidente da Fundação Gulbenkian, Rui Vilar.

As relações diplomáticas com a República Popular da China foram estabelecidas em 8 de Fevereiro de 1979, tendo sido primeiro embaixador de Portugal António Ressano Garcia. Contudo, as relações luso-chineses são muito antigas, tendo começado em Malaca, em 1509, e a sua primeira expressão diplomática ocorreu em 1517, com a Embaixada do Reino de Portugal à China Ming, chefiada por Tomé Pires, recebido em Pequim em 1520-1521.

GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ




Morreu hoje, na Cidade do México, com 87 anos, o escritor colombiano Gabriel García Márquez, Prémio Nobel da Literatura em 1982 e considerado o escritor mais popular de língua espanhola depois de Cervantes.

Autor de numerosos livros, entre os quais o celebrado Cem Anos de Solidão, e também jornalista, editor, argumentista e activista político, García Márquez criou o realismo mágico na literatura latino-americana. Amigo de Fidel Castro, foi um defensor do regime cubano e militante de diversas causas.

A sua obra encontra-se traduzida em mais de 30 idiomas e a venda dos seus livros atingiu os 40 milhões de exemplares.

UM PRIMEIRO-MINISTRO QUE MENTE




Pela sua pertinência e oportunidade, transcrevemos o artigo de Ana Sá Lopes publicado hoje no "i" :



«O desemprego, essa trituradora de cidadãos, é um mal necessário deste PREC


Apesar de Pedro Passos Coelho 2010 considerar em entrevista a este jornal ser insustentável manter um governo em que um primeiro-ministro mente, Passos Coelho 2014 não só nos tem mostrado como isso lhe parece perfeitamente aceitável (agora é ele o mentiroso, o que muda tudo), como conta com o beneplácito de dois partidos, PSD e CDS, do Presidente da República, do presidente da Comissão Europeia, etc. Na entrevista que deu à SIC Notícias, Passos mostrou como alimenta uma auto-suficiência esplendorosa, recorrendo a todos os truques possíveis - a começar pela inacreditável promessa de "desonerar" os salários e pensões em... 2016. Ora segundo o calendário eleitoral, em 2016 haverá um novo governo para decidir este tipo de coisas e todas as sondagens indicam que não será Passos a "desonerar" coisa nenhuma. Passos já está tão habituado a dizer n'importe quoi que aquilo lhe sai de rajada.

O que faz impressão no discurso de Passos é que consegue ao mesmo tempo fazer a promessa de "desonerar" num prazo que já não é o seu - um "sound-byte" - e anunciar com palavras mastigadas que os cortes serão definitivos. Aquilo que prometeu que nunca faria - e que o desgraçado secretário de Estado anunciou em off para ser depois desmentido pelo primeiro- -ministro, que se dizia à espera de um grupo de trabalho sobre pensões que era afinal totalmente desnecessário. O governo decidiu tudo sozinho e o grupo de trabalho serviu de verbo de encher e de humilhação aos seus membros.

Depois há aquele momento inacreditável em que o primeiro-ministro fala no desemprego - ou é obrigado a falar nisso. Tudo na forma, no tom de voz, no facies, evidencia como o principal problema do país é para o primeiro-ministro o menor dos seus problemas. O desemprego, essa trituradora de cidadãos, é um dano colateral, uma explosão provocada por fogo amigo, um mal necessário do processo revolucionário em curso que arrasará os resquícios do outro processo revolucionário em curso que marcou Portugal em 74-75.

As classes sociais estão reduzidas a duas: os amigos do governo, as grandes empresas amigas do governo, com os bancos amigos do governo no topo da escala. Estes são os verdadeiros "direitos adquiridos" em que o governo não ousa tocar, porque são os seus "direitos adquiridos", aquilo que lhes garante o futuro pós-governamental. Os outros somos nós, os pensionistas, os funcionários públicos, os servos da gleba.»

O PALÁCIO DAS ÁGUIAS




O Palácio das Águias, na Junqueira, imóvel de interesse público, encontra-se em estado de profunda degradação. Para lá do roubo de parte dos azulejos do século XVIII e da talha dourada da capela, o edifício tem sido vandalizado e a quinta envolvente apresenta um aspecto de total abandono.

Sobre a construção, transcrevemos a notícia publicada num site da Câmara Municipal de Lisboa:



Este palácio é parte integrante da Quinta das Águias ou de Diogo Mendonça,classificada como Imóvel de Interesse Público,a qual teve a sua origem no aforamento parcelar do domínio dos Saldanha e Albuquerque.O núcleo primitivo da actual edificação,datado de 1713,foi adquirido por Diogo de Mendonça Corte-Real,filho do Estadista homónimo,Secretário de Estado de D. João V,em 1731,que terá realizado profundas obras na casa e na propriedade,datando dessa época a construção da capela,assim como o delineamento do jardim.Tendo passado por várias mãos,a quinta veio a ser adquirida,em 1841,por José Dias Leite Sampaio,Visconde da Junqueira,e já no séc. XX pelo Dr. Fausto Lopo Patrício de Carvalho,que efectuou uma intervenção profunda com a ajuda dos arqs. Vasco Regaleira e Jorge Segurado.O palácio,de planta regular em forma de quadrilátero,    desenvolve-se  através de um conjunto de volumes de 3 pisos,articulados entre si,realçado nos cantos por torreões salientes de secção quadrada,cujas coberturas,de telha vidrada com beirais salientes,em tronco de pirâmide com mansardas,são sobrepostas por pirâmides de maior abertura.Na fachada principal,de 2 andares e mansarda,o avanço dos torreões formou uma reentrância que corresponde a um alpendre,cuja zona central,apresenta uma arquitrave,em curva,que acompanha a elevação da entrada nobre,de arco de volta inteira,com frontão triangular sobre pilastras.No interior merecem especial referência:a capela,datada de 1748,de planta quadrada,com galeria superior limitada por balaustrada de madeira e silhares de azulejos setecentistas,com pintura ornamental polícroma na sanca e uma pintura atribuída a Quillard;a porta do átrio,guarnecida a cantaria e enriquecida por portal de ferragem portuguesa,da autoria de Vasco Regaleira,rematado pela águia heráldica dos Sampaios;e várias salas com tectos de estuque branco relevados.O jardim apresenta traçado setecentista,com muretes de azulejos azuis e brancos representando cenas de caça,bustos de mármore e espécies vegetais notáveis.
 
 
 
Tratando-se de um património de relevante interesse cultural, ainda que propriedade privada, pergunta-se: o que tem feito a Câmara Municipal de Lisboa pela recuperação do imóvel, numa zona privilegiada em que existem o Palácio Ribeira Grande, em ruínas, o Palácio Burnay, a precisar de um urgente restauro, o palácio dos Condes da Ponte, o Palácio dos Condes da Ega, com o magnífico salão Pompeia, o Palácio Angeja e o Palácio Lázaro Aranha?

A EXPOSIÇÃO SOBRE O 25 DE ABRIL




A propósito da Exposição sobre o 25 de Abril, que organizou na Assembleia da República, Pacheco Pereira concedeu ao jornal  "i" uma significativa entrevista que, pela sua importância, passamos a transcrever:


40 anos depois da revolução, nenhuma decisão é tomada pelo governo e o parlamento contra os interesses dos banqueiros


Pacheco Pereira organizou a exposição da Assembleia da República que assinala os 40 anos da Revolução. A ideia presente no trabalho é a da construção da democracia num processo de conflito que ainda não acabou. Falemos então disso.

Em entrevista ao i, o secretário de Estado Pedro Lomba afirmou que a acção do governo está a recuperar "o espírito do 25 de Abril inicial". Concorda?
O senhor secretário de Estado Pedro Lomba não faz a mínima ideia do que foi o 25 de Abril . Essa tentativa à posteriori de encontrar na acção do actual governo alguma coisa que tenha a ver com as condicionantes e as circunstâncias do 25 de Abril é do domínio da ficção política.
Mas não pode haver um ponto de vista de uma direita liberal que considere que a "libertação" da economia de um suposto domínio do Estado é algo que podia estar contido no 25 de Abril e que teria sido abastardado pelo processo revolucionário?
Mas eu não vejo é qualquer libertação da economia em relação ao Estado, bem pelo contrário, vejo um Estado que exerce uma pressão fiscal sobre os cidadãos como nunca se viu. Um Estado que utiliza o fisco no limite das liberdades e no limite dos direitos: inverte o ónus da prova e que trata das pessoas de uma maneira inaceitável. Há uma cultura de prepotência perante o cidadão comum. Mais, há até a entrada num domínio perigoso: Se hoje houvesse uma polícia política ela nem precisaria de nova legislação, bastava consultar o fluxo de facturas do fisco, para saber o que eu faço o dia inteiro: o que eu como, o que eu consumo. Cruzando com os dados do multibanco, tudo estaria disponível. Como nós não temos uma cultura contra estes abusos do Estado, que muitas vezes existem apenas para esconder a sua incompetência e negligência, naquilo que devia ser a verdadeira função do fisco: a máquina do Estado parece ineficaz em relação aos poderosos que devem milhões de euros, permitindo a prescrição dessas cobranças, mas isso não retira, os poderosos, das mesas de convívio dos políticos, enquanto que qualquer desgraçado que deva 200 ou 300 euros ao fisco, fica com a vida completamente destruída. 
Mas essa cultura vai para além da administração fiscal?
O fisco é apenas um exemplo, a maneira como muitos dos processos económicos são dirigistas, nalguns aspectos ainda mais que no maior dos pesadelos do socialistas, a dissolução de direitos sociais e de aquilo que são garantias da própria sociedade, são factores que reforçam o Estado.
Mas de qualquer forma não assistimos a um processo de privatização do sector empresarial do Estado?
As privatizações seriam legítimas num Estado democrático se fossem efectivamente transparentes. O que acontece é que o processo de privatizações não é de todo transparente, apesar da comunicação social ter repetido, sem verificar, as auto-afirmações de transparência dos membros do governo. Repare que foi preciso esperar muito tempo, para saber, na privatização mais importante, a da EDP, que não só incluía obrigações do Estado que não era conhecidas à época da privatização, como há todo um conjunto de práticas de inside trading durante esse processo. Por exemplo, a REN, activo que qualquer Estado enumera na sua reserva estratégica, foi privatizada com o ridículo da lei destinada a proteger todas as áreas estratégicas só ter aparecido depois de se terem verificado todas essas privatizações importantes.
Mas isso é uma crítica às privatizações
A crítica não é sobre privatizar, mas o que o Estado privatiza e como o faz. E, sobretudo, o facto de privatizar dentro de um círculo de poder nefasto para a nossa democracia. O círculo de poder daquelas pessoas que saltitam entre os escritórios de advogados, as consultoras financeiras, a vida política, os bancos e grandes grupos nacionais. Neste processo aparecem, ao mesmo tempo, como responsáveis pela venda e responsáveis pela compra. E em alguns casos as comissões de acompanhamento que foram criadas só reúnem depois do processo estar decidido, e em muitos casos enunciam a circunstância, que pelos vistos parece natural, que muitas empresas foram vendidas sem sequer haver uma avaliação sobre o seu valor.
Este tipo de comportamentos não justifica os resultados de uma sondagem do i sobre as elites, em que os pronunciados consideram que os políticos da ditadura eram mais honestos e preparados que os governantes actuais? 
 Essa sondagem tem dois aspectos: uma denúncia da corrupção actual e da percepção que as pessoas têm da corrupção e, por outro lado, revela uma ignorância sobre o passado, que resulta em grande parte da protecção que a censura deu aos políticos do antigo regime: quem conhece os documentos da censura sabe que o mundo da corrupção económica, da violência, da pedofilia, de uma perturbação quase endémica da sociedade portuguesa existia antes do 25 de Abril, era escondido. As pessoas tendem a mitificar esse passado, como sendo um tempo sem crime, nem violência e corrupção, quando de facto não era assim.
Os grandes grupos económicos que prosperaram no antigo regime e foram protegidos pelas leis do condicionamento industrial dominam grande parte da nossa economia actual. Isso não faz que do ponto de vista das elites e do poder estejamos numa situação muito semelhante?
Não, não penso. Na análise que se faz antes do 25 de Abril e depois, eu nunca me centro naquilo que se apelida de regime económico, se quiser acerca de como funciona a economia capitalista. Centro-me, em primeiro lugar, na questão das liberdades e do escrutínio. A democracia exige o primado da lei. As pessoas muitas vezes pensam que a democracia é apenas o voto, não: são as eleições e o primado da lei. Os problemas que eu levanto em relação às privatizações é a constituição dessa elite blindada, que se desloca de ministro para administrador, de uma grande empresa ou de um escritório de advogados, que presta serviços aos governo na mesma área que fez a privatização. Isso é que é grave, porque tem que haver uma clara separação entre quem decide sobre o bem público e quem é beneficiado do ponto de vista económico com a sua venda. O que não existe em Portugal, e isso é muito preocupante para a democracia. É preciso uma clara separação entre quem decide e o poder económico.
Mas isso não era o que acontecia anteriormente?
Não é bem assim. Eu não gosto de comparar situações pouco comparáveis: o próprio condicionamento industrial tinha muitos críticos no antigo regime e ele foi feito para proteger duas ou três indústrias pesadas que se consideravam necessárias para a independência e soberania portuguesa. 
 O facto do condicionamento industrial ter gerado em Portugal uma situação de concentração económica bastante superior ao nível de desenvolvimento do país, enormíssimos grupos económicos muito poderosos, e o facto desses grandes grupos continuarem poderosos hoje, não condiciona a democracia?
Com excepção da banca, os maiores grupos económicos portugueses de hoje não vêm do condicionamento industrial: estão no sector da distribuição, estão ligados a actividades industriais mais recentes e alargaram-se para os sectores de serviços. Não há uma continuidade entre o mundo económico do salazarismo e o actual. Não significa que não haja problemas económicos gravíssimos de subordinação e da captura, mesmo em alguns casos, do poder político pelo poder económico: nenhuma decisão é tomada no governo e na Assembleia da República que afecte os interesses da banca. Há uma espécie de barreira invisível e mesmo coisas que são de algum bom senso, como por exemplo a maneira como a banca avalia as casas dos empréstimos de habitação, e depois face à ruptura de pagamentos, considera que a sua avaliação não tem nenhum papel em relação ao valor que atribuiu à casa. Estes factos devem ser corrigidos. A banca deve ser responsabilizada pela avaliação especulativa do valor das habitações. Este tipo de coisas é que mostram que, do ponto de vista legislativo, há uma barreira invisível que protege a banca.
Aquilo que lhe estava a colocar é que há duas interpretações extremas sobre o 25 de Abril e o processo revolucionário. Há pessoas mais à esquerda que afirma que havia um poder económico que foi construído no fascismo, que para haver democracia esse poder deve ser derrubado, e que de alguma forma esse poder é dominante novamente nos dias de hoje. Há uma segunda narrativa, mais à direita, daqueles que afirmam que a democracia se fez contra o PREC [Processo Revolucionário em Curso], que garante que havia um poder militar revolucionário, que esse poder realizou as nacionalizações e que para haver democracia isso tem que ser invertido e o Estado retirado da economia. Estes discursos têm sentido?
Eu não penso que as coisas sejam tão a preto e branco. Quando analiso os objectivos do 25 de Abril, sempre considerei que o desenvolvimento dos 3 D [Democratizar, Descolonizar e Desenvolver], do programa do MFA, era algo forçado. 
 Não se pode impor a um regime político que vive do jogo democrático normal uma determinada ideia sobre o que é o desenvolvimento. Já pelo contrário acho que a melhoria das condições de vida é um objectivo fundamental de qualquer regime político e democrático. Eu também acho que foi fundamental terminar as chamadas conquistas da revolução: a reforma agrária, o controlo operário e as nacionalizações, que são resultado de uma situação revolucionária. Que tinham alguns aspectos punitivos, a exemplo que sucedeu em França no pós-Segunda Guerra Mundial: as empresas que tinham colaborado com os alemães foram nacionalizadas dentro desta ideia punitiva. Se for analisar até programas antigos do PCP e do MUNAF e MUD há a ideia dessas nacionalizações punitivas. Mas a verdade é que o período de 1974 e 75 podia ter ido para diferentes caminhos. E um deles era a criação de uma sociedade socialista, sem propriedade privada, com um poder político, que do meu ponto de vista, tinha que ser autoritário para manter essa estrutura de sociedade. Uma das grandes vitórias da sociedade portuguesa foi ter dissolvido esse tipo de antinomias entre 74 e 76. O acto principal não é o 25 de Novembro, como diz o CDS, é um conjunto de decisões: a substituição do Conselho da Revolução pelo Tribunal Constitucional, o fim da tutela dos civis pelos militares, as sucessivas revisões constitucionais, inclusive aquela que permitiu privatizar e criar uma economia de mercado, que é um elemento fundamental da democracia. Agora, isso não me leva a não ver que sobre a economia de mercado há hoje uma perigosa deriva no sentido de transformar aquilo que devia ser um jogo limpo da competição, entre empresas, numa tutela política e financeira em relação às principais decisões económicas. Entretanto os primeiros fautores da crise, que foram a banca e o poder económico e financeiro, são uns dos principais beneficiados, em termos de poder político, dessa mesma crise. É um processo que aconteceu em vários países. Criou-se uma espécie de barreira invisível de aço que faz que nenhuma decisão possa ser tomada contra os interesses do capital financeiro.
Defende que para haver democracia tem que haver economia de mercado, mas não é preciso haver uma maior igualdade entre os cidadãos? 
Somos dos países mais desiguais da Europa, mas nestes anos de crise isso ainda se reforçou mais.
A desigualdade social é um problema da nossa democracia. Mas na programação não-escrita da democracia não pode estar a igualdade por via administrativa, mas tem de estar o caminho para minorar essas desigualdades. Não se pode dizer que não há democracia quando não há igualdade, mas só pode haver democracia se houver um caminho para a minorar.
Mas esse plano não tem de ser um projecto político?
Tem que ser tudo. A história mostra que muitas vezes as coisas não são bem assim. Há coacções e limites que podem controlar isso.
Quais coacções e limites, basta ver a distribuição de comentadores televisivos, para perceber que este equilíbrio é precário. Parece que ser ex-líder do PSD dá acesso contratual a vir a ser comentador na TV.
Isso não é um problema apenas dos líderes do PSD, é uma característica desta situações, em que toda a gente, dentro deste círculo, tem a vida garantida. Se saírem do círculo passam para as trevas exteriores, mas dentro do círculo estão seguros. Isso tira qualquer risco da actividade política: podem ir para o Parlamento Europeu, para um conselho de administração...
Isso parece a ideia que circulava no tempo da República que a política era uma grande gamela.
É preciso ter cuidado com as generalizações. Mas é verdade que Portugal tem uma elevada percentagem das elites políticas que transitam entre o Estado e as empresas, o Estado e os grandes escritórios de advogados, o Estado e o poder financeiro, e o Estado e a burocracia europeia...
Mas qual seria a alternativa? Eles vão-lhe dizer que medidas que impedissem essa circulação, fariam que apenas aceitassem ser políticos os menos capazes...
Não acho que a política deva ser uma actividade profissionalizada, acho perigosa uma legislação que impeça que no parlamento as pessoas deixem de ter uma profissão, por uma razão muito simples. Essas pessoas deixam de ter capacidade de dizer "não". E a gente vê o efeito que esse tipo de situações tem nas juventudes partidárias: as pessoas que não têm profissão ficam dependentes dos aparelhos partidários para sobreviverem, e perdem a capacidade de dizer que não. 
 Eu sou a favor da constituição de uma comissão de ética, independente das maiorias partidárias, e com poderes reais. Esse tipo de prática existe em vários países e é muito mais eficaz do que o somatório de legislação avulsa sobre incompatibilidades. É isso que os partidos não querem. Não querem uma comissão de ética que lhes escape ao controle.
Há gente que veicula a ideia que a democracia foi construída contra o PREC, concorda?
Não. Na exposição que eu organizo na Assembleia não parto do princípio que haja uma interpretação unívoca do PREC. No período revolucionário realizaram-se quatro eleições: constituintes, legislativas, autárquicas e presidenciais. Só isso já nos levava a olhar de uma outra maneira para os acontecimentos. O PREC é o resultado de um tumulto que era inevitável ao fim de 48 anos de ditadura. A ideia que, depois do dia inicial e limpo, as coisas pudessem ser higiénicas é irrealista. Era inevitável que as coisas fossem complicadas e tumultuárias. Eu não direi que a democracia nasceu do PREC, mas direi que a democracia nasceu no PREC. Não entendo que seja possível, e nesta exposição eu faço o esforço para evitar projectar o politicamente correcto actual sobre o passado. Aquilo que se pretende mostrar na exposição foi que as instituições democráticas e a própria vitória da democracia, mesmo em relação aos protagonistas que eventualmente se batiam por outras soluções, foi construída durante esse tempo: o processo democrático normalizou-se mais tarde que 74 e 76, mas começou a ser construído no PREC. E começou no PREC, porque é evidente, quer se queira quer não, que houve uma certa alegria da liberdade e é inevitável que isso conduzisse a excessos. E não adianta penar sobre isso, de modo geral quem pena com os excessos do PREC é quem não gostou do 25 de Abril. O PREC teve excessos e houve mortos e gente que mandou matar, mas a verdade é que foi naqueles anos turbulentos que nasceu a democracia portuguesa. Chamo a atenção para os processos eleitorais, que decorreram em liberdade, nunca houve nenhuma queixa. Quando as pessoas votaram no PS ou quando anos mais tarde votaram na AD [Aliança Democrática coligação do PSD, CDS, PPM e Renovadores, dirigida por Sá Carneiro] permitindo a primeira mudança significativa do poder no pós 25 de Abril, fizeram-na em liberdade.  E essa liberdade nasceu da revolução do 25 de Abril. Em história as revoluções não são higiénicas.
No romance de Lídia Jorge, "Os Memoráveis", sobre o 25 de Abril, fala-se em 5000 protagonistas da revolução. Na sua exposição há um painel com 200. Essa ideia de protagonistas principais não é um regresso a uma história das elites e esquece que numa revolução há uma população inteira nas ruas?
O resumo da história aos protagonistas, resulta muitas vezes numa história mítica: não se pode compreender o que sucedeu sem as pessoas e o povo. Vejamos, então aquelas pessoas que vieram para a rua, mais de 100 mil, quando Humberto Delgado foi ao Porto não tiveram um papel? Certamente que sim! O salazarismo nunca mais foi o mesmo depois desse momento.
Mas de alguma forma não é isso que você faz ao resumir a um painel com 200 pessoas?
A história é feita também com pessoas concretas. O 25 de Abril não foi apenas um golpe militar. Mas existiu esse golpe militar que tem por base reivindicações corporativas e duas franjas de politização contraditórias: uma que existia em certas áreas da Marinha e em homens como Melo Antunes, uma politização que vem beber em muitas coisas, nomeadamente ao Congresso Republicano de Aveiro, e há depois uma outra politizações ligada aos sectores spinolistas que pretendiam a manutenção federalista do império colonial, mas que têm, num certo sentido, ligações à chamada Ala Liberal do regime [onde pontificava Sá Carneiro e Pinto Balsemão]. São dois núcleos politizados. Quando ao golpe militar se sucede uma revolta popular, milhares de pessoas vieram à rua, às vezes com risco. Houve cargas policiais e mortos em frente à sede da Pide. Esses milhares nas ruas imediatamente começaram a condicionar o processo. Eu não acho que essas pessoas saíram porque o PCP ou a CDE as tivessem mandado sair. É um fenómeno, em grande parte, espontâneo, mas esse povo nas ruas começou a condicionar o processo. Não é possível fazer um painel de São Vicente, eu seleccionei 200 nomes para a exposição e no dia em que acabamos o painel reparei que me faltavam o Francisco Martins Rodrigues e o Vítor Cunha Rego, duas pessoas fundamentais.
O painel que está na exposição não é o dos autores da democracia, mas as pessoas que tiveram intervenção neste processo tumultuário que se seguiu a uma calma artificial da ditadura.
Portugal é mesmo um país de brandos costumes devido à ditadura?
Quem diz isso não sabe história.
Nós tivemos as guerras liberais em que nos esfolávamos e matávamos alegremente, mas parece que nos tempos de hoje podem ferver-nos em cortes e impostos que nós apenas suspiramos...
É preciso ser-se muito prudente. De um momento para o outro as coisas podem mudar. Há factores como a censura e a cultura anti-conflito, que vigorou durante 48 anos. E uma das coisas mais perigosas nos tempos de hoje são certas ideias do poder que são eficazes: jovens contra velhos, ser velho é ter culpa e estar a roubar os mais novos; os trabalhadores públicos são privilegiados e os privados são as vítimas.
O Estado social é uma conquista das populações mas, por outro lado, ele aparece como uma garantia de um determinado consenso social. Com a destruição deste, podemos dar como adquirida a estabilidade do sistema?
De todo, não. A ideia de que não há direitos adquiridos e que a confiança não é um elemento fundamental na relação com os cidadãos - repare que só há confiança na relação com os credores - leva ao fim da coesão social. Verifica-se o deslaçamento da sociedade. É um discurso de divisão. Não conheço nenhum governo, na história portuguesa, que utilize por razões utilitárias o discurso da divisão social. E isto pode acabar mal.