Sobre os célebres, e inseparáveis, irmãos Edmond (1822-1896) e Jules de Goncourt (1830-1870) escreveremos mais tarde. Agora, o propósito é discorrer sobre um dos mais recentes livros de Pierre Assouline, publicado há pouco mais de um mês,
Du côté de chez Drouant . Cent dix ans de vie littéraire chez les Goncourt, em que o autor descreve a criação do Prémio Goncourt e a sua atribuição ao longo de mais de um século.
O Prémio Goncourt foi instituído por testamento de Edmond de Goncourt, em 1884, mais de uma dezena de anos após a morte do seu irmão Jules.
Transcrevem-se alguns parágrafos do testamento:
«Ceci est mon testament. Moi, Edmond Huot de Goncourt, sain d'esprit, réflechissant à l'ébranlement de ma santé depuis la mort de mon frère, songeant à la servitude de la mort, à l'incertitude de son heure, et de peur d'être prévenu par elle ansi que l'a dit mon maître le Duc de Saint-Simon, j'écris et je signe de ma main ce présent testament.
Considérant que je laisse les parents qui me dont la fondationaffectionnés et chers dans un état de fortune tel qu'ils n'ont pas besoin de mon bien après ma mort, je dispose de ce que je possède ainsi qu'il suit: je nomme pour exécuteur testamentaire, mon ami Alphonse Daudet, à la charge par lui de constituer, dans l'année de mon décés, à perpétuité, une société littéraire dont la fondation a été, tout le temps de notre vie d'hommes de letres, la pensée de mon frère et la mienne et qui a pour l'object la création ci-dessous:
- D'un prix annuel de 5 000 francs destiné à un ouvrage littéraire;
- D'une rente annuelle dde 6 000 francs au profit de chacun des membres de la société.
Le tout dans les termes et dans les conditions que je vais indiquer:
Cette société se composera de dix membres qui seront:
1. Alphonse Daudet; 2. Huysmans; 3. Octave Mirbeau; 4. Rosny (l'ainê); 5. Rosny (le jeune); 6. Léon Hennique; 7. Paul Marguerite; 8, Gustave Geffroy; ); 9 ...; 10...
Dans le cas où, à l'ouverture de mon testament, il y aurait des décédés ou refusants, les survivants éliront les successeurs des membres décédés ou refusants. Le président, pour la premiére année, sera de droit le plus âgé des membres qui existeront à mon décès.
Pour avoir l'honneur de faire partie de la Société, il sera nécessaire d'être homme de lettres, on y recevra ni grands seigneurs, ni hommes politiques. Toute éléction à l'Académie française d'un des membres entraînera de droit la démission de ce mtembre et la renonciation à la rente ci-aprés stipulée.
Il sera remplacé ainsi que tout membre décédé par un vote où, en cas de partage, la voix du président comptera pour deux.
[...] Je déclare affecter pour la constitution de cette société tant le produit de la vente de mes biens et objets mobiliers que les sommes à provenir de mes droits d'auteur pour les livres et pièces de théatre publiés de mon vivant, aussi bien que pour les publications d'ouvrages qui paraîtrons après mon décès, nottamment un ouvrage intitulé:
Journal des Goncourts, Mémoires de la vie littéraire.
[...] Chacun des membres de la Société aura droit à une rente annuelle de 6 000 francs, soit pour les dix membres 60 000 francs qui seront pris sur les 65 000 francs de rente existant alors, et seront payables en même temps que les arrérages du titre de rentes sur l'État. Cette rente sera incessible et insaississable et sera servie à vie à chacun des membres par mes exécuteurs testamentaires.
[...] Le prix sera donné au meilleur roman, au meilleur recueil de nouveles, au meilleur volme d'impressions, au meilleur volume d'imagination en prose, et exclusivement en prose, publié dans l'année. [...] Mon voeu suprême, voeu que je prie les jeunes académiciens futurs d'avoir présent à la mémoire, c'est que ce prix soit donné à la jeunesse, à l'originalité du talent, aux tentatives nouvelles et hardies de la pensée et de la forme. Le roman, dans des conditions d'égalité, aura toujours la préférence. Le prix ne pourra jamais être donné à un membre de la Société.
[...] En vue de la réalisation de ma jeune académie, je donne à mon exécuteur testamentaire, ou peut-être mes exécuteurs testamentaires, les pouvoirs les plus étendus à l'effet de réaliser l'actif, pour procéder à toutes les ventes d'immeubles, d'objets et de valeurs mobilières, payer toutes sommes qui pourraient être dues à quelque titre que ce soit par nue succession, acquitter tous legs et droits de mutation, faire l'emploi, en rentes sur l'État, dans les termes ci-dessus, de tous les capitaux qui pourraient revenir à ma succession à quelque titre et à quelque époque que ce puisse être, faire le service des rentes au profit des membres de la Société.
[...]
Lequel testament écrit de ma main j'ai, pour marque de témoignage de ma derniére volonté, signé
EDMOND DE GONCOURT
Auteuil, ce 16 novembre 1884»
Por morte de Edmond de Goncourt, em 1896, e apesar da contestação da família ao testamento (um caso clássico), a sociedade foi constituída em 1900, com a designação Société littéraire des Goncourt, mas cedo passou a ser conhecida por académie Goncourt, por oposição à Académie française, contra a qual ela fora concebida. E os seus membros passaram a ser conhecidos por "les Dix", na feliz expressão de Jules Vallès, referindo-se ao número dos comensais, cujos
couverts são numerados de 1 a 10. Os estatutos da academia Goncourt datam de 19 de Janeiro de 1903, tendo sido considerada de utilidade pública. É com a Academia Francesa a única instituição literária francesa dotada de existência jurídica própria e de uma missão específica.
No início, os jantares de trabalho (ainda não eram almoços) realizavam-se no "salon pour noces" do Grand Hôtel (place de l'Opéra), no restaurante Champeaux (place de la Bourse), imortalizado por Zola nos seus romances, ou no Café de Paris (cuja localização Assouline não refere e que nos abstemos de identificar, por existirem em Paris vários restaurantes com esta designação; poderá tratar-se de um restaurante já encerrado).
É só em 31 de Outubro de 1914 que os Dez se reúnem pela primeira vez no restaurante de Charles Drouant, na place Gaillon, esquina com a rue Saint Augustin. Os
couverts são numerados de 1 a 10 e os membros, quando eleitos, ocupam o lugar do respectivo antecessor. Os habituais jantares dos académicos foram há muito tempo substituídos por almoços, que se realizam na primeira terça-feira de cada mês, sendo o vencedor anual do prémio anunciado no princípio de Novembro. Os talheres, em
vermeil, ostentando no cabo os nomes dos utilizadores, estão guardados num cofre-forte, ocultado por uma cortina, na sala dos almoços.
O prémio começou a ser atribuído em 1903 (21 de Dezembro), sob a presidência de Joris-Karl Huysmans, sendo o galardoado John-Antoine Nau, pelo seu livro
Force ennemie, publicado pelas edições de la Plume. Ainda estavam para vir as grandes rivalidades entre as editoras Gallimard e Grasset.
A história do funcionamento da academia Goncourt e da atribuição dos prémios está recheada de peripécias, que Assouline descreve com humor no seu livro. Grandes escritores foram galardoados e também outros dos quais ninguém hoje se lembra. E ficaram de fora muitos ilustres nomes das letras.
Em 1926 dez jornalistas e críticos literários criaram o Prémio Renaudot, em homenagem ao grande jornalista e médico Théophraste Renaudot (1586-1653), igualmente atribuído a obras literárias, e que é de alguma forma um complemento do Prémio Goncourt.
Entre os laureados com o Goncourt contam-se Marcel Proust, André Malraux, Elsa Triolet, Jean-Louis Bory, Julien Gracq (que o recusou), Simone de Beauvoir, Romain Gary, Vintila Horia (a quem o prémio foi "atribuído" mas não "concedido", uma invenção do júri para salvar a face, considerando as pressões a que foi sujeito, atendendo ao "passado fascista" do premiado), Michel Tournier, Yves Navarre, Marguerite Duras, Tahar Ben Jelloun, Amin Maalouf, Jonathan Litell, Gilles Leroy e Michel Houellebecq.
Os actuais membros da academia são, por ordem dos
couverts, Bernard Pivot (que preside), Edmonde Charles-Roux (já com 93 anos e anterior presidente), Didier Decoin, Paule Constant, Patrick Rambaud, Tahar Ben Jelloun, Régis Debray, Françoise Chandernagor, Philippe Claudel e Pierre Assouline.
Com a evolução dos tempos, o valor do prémio passou a ser simbólico, sendo hoje de 10 euros. Também os membros da academia apenas beneficiam dos almoços mensais gratuitos, tendo há muito tempo desaparecido a renda anual prevista nos estatutos.
Se, como escritores, os irmãos Goncourt nunca alcançaram a glória com que sonharam, é um facto que o Prémio Goncourt é a mais importante recompensa literária francesa.
O restaurante Drouant, que foi adquirido em 2006 pelo actual proprietário, o chefe Antoine Westermann, comemora este ano o centenário como local de reunião dos membros da academia Goncourt.