sexta-feira, 21 de agosto de 2009

EM DEFESA DO LIVRO ÚNICO


Noticiou a imprensa nos últimos dias um agravamento do preço dos livros para o ensino, creio que para o primário e secundário, para o próximo ano lectivo.

Tenho andado afastado destas questões, mas recordo o clamor que se fazia ouvir durante o Estado Novo relativamente à adopção, no primário e no secundário, de apenas um livro aprovado oficialmente para cada disciplina. E essa opinião recolhia, então, um quase consenso nacional. Trinta e cinco anos passados sobre o derrube do anterior regime, poderá encarar-se a questão com mais tranquilidade.

A existência, por disciplina, de um único livro tinha diversas vantagens. Em primeiro lugar, todos os alunos eram avaliados segundo um programa adoptado para todo o país, que era traduzido pelo conteúdo do livro. Assim, uma maior equanimidade nas avaliações. As tiragens do livro, porque editado a nível nacional, permitiam reduzir custos e apresentar um preço de capa muito inferior ao que edições variadas e muito menores permitem estabelecer. Porque a vigência do livro único durava vários anos (não era alterada anualmente como tem acontecido desde 1974), nas famílias com muitos filhos os livros passavam de irmãos mais velhos para irmãos mais novos, evitando-se um desnecessário dispêndio financeiro.

Contra o livro único se levantaram, e levantam, ainda muitas vozes. Umas sinceras, movidas por razões porventura respeitáveis mas ilusórias, quanto ao conteúdo das matérias, outras egoístas, movidas por interesses económicos autorais, editoriais, e quejandos.

Pode compreender-se (e, note-se, não nos estamos a referir ao ensino superior) que matérias como a história, ou a economia, ou mesmo a literatura, sejam susceptíveis de manipulações político-partidárias, embora nunca suficientes para uma eficaz lavagem ao cérebro das crianças e dos adolescentes (que nunca o são tanto como hoje se pretende fazer crer). O apoio generalizado que colheu a Revolução de Abril, foi afinal prestado por todos aqueles que tinham estudado segundo o Livro Único.

Julgo por isso chegada a hora de uma grande revolução no sistema de ensino em Portugal. Excluo, por agora, o Superior que dominado por uma oligarquia de interesses tem tido mais em vista os seus próprios proveitos do que os dos estudantes e os da comunidade científica em geral. E agora, ainda para mais, integrado no sinistro processo de Bolonha, cujo único fim é diminuir o nível geral das habilitações a nível europeu, e que certamente envergonha a cidade que é sede de uma das mais antigas universidades da Europa.

Fiquemos, portanto, pelo primário e secundário. Porque não criar no Ministério da Educação, a par das inúmeras comissões lá existentes, uma destinada a produzir um programa e consequente livro único para os níveis de ensino em causa? Não me parece que matérias como a matemática, ou as ciências naturais (à excepção do darwinismo e mais algumas coisas), ou as línguas, ou a física e a química, possam ser motivo de grandes dissensões ideológicas. O que é necessário é competência e eficácia no trabalho a desenvolver, abnegação por uma causa, empenhamento quanto aos fins. Dir-se-á que em algumas outras áreas, a História, por exemplo, podem surgir enormes conflitos. É verdade que sim, é preciso distância para serenar os espíritos, por vezes longa distância. Sabemos muito bem que, ainda hoje, há grande controvérsia sobre factos com mais de dois ou três mil anos, de Ramsés II a Alexandre, do Império Romano aos primórdios do Cristianismo. Nestes casos, crie-se uma comissão especial, com membros de áreas ideológicas diversificadas, mas sérios, que estabeleçam um consenso mínimo que permita um manual equilibrado, sabendo de antemão que não há, nem nunca haverá, uma só verdade.

Com estas precauções, e algumas outras, e sem irrisórias manobras dilatórias, não me parece difícil restabelecer no ensino primário e secundário o sistema do livro único, com grande benefício para os alunos, as famílias, o ensino em geral, e com algum prejuízo para certas editoras e autores, mas alguém ficará a perder algo.

Já que falo de História, aproveito para perguntar se os próceres do Ministério da Educação não se deram ainda conta da loucura que reina no ensino desta disciplina desde há décadas? Com a mania da introdução da corrente da "nouvelle histoire" , corrente que já teve mais adeptos mas que, em qualquer caso, não se destinava a estes níveis de ensino, baniu-se do ensino da História a sequência cronológica, indispensável para compreender os factos, eliminaram-se as datas, suprimiram-se as batalhas, cortaram-se os reis e os presidentes, e por aí fora, até tornar incompreensível, a menos que fosse essa a intenção, perceber, quer quanto à História de Portugal, quer quanto à História Universal, como se desenrolou a marcha da Humanidade ao longo dos tempos. Porque entendo que essa atitude, que atinge as raias do delírio, constituiu um crime, entendo também que deveriam ser punidos os autores da façanha!

Concedo que não é fácil, de um momento para outro, endireitar as veredas do ensino em Portugal. Mas urge, desde já, que se inicie esse esforço, antes que seja muito tarde, talvez até demasiado tarde para remediar tantos males.

1 comentário:

Anónimo disse...

A questão do livro único é real,mas de facto apenas uma das inúmeras facetas do principal desastre que se abateu sobre este país, o desastre da Educação.O desastre,contra o que muitos pensam, não começou depois do 25 de Abril,mas antes, com a entrada de Veiga Simão para a pasta,e com a criação das células que lá criou e deixou e, como metásteses, invadiram todo o corpo do doente até o deixar na fase terminal/interminável em que se encontra desde há muito. O diagnóstico está feito, pelo menos desde o trabalho magistral de Filomena Mónica em "Os Filhos de Rousseau". Só se tem agravado desde então,pois o coma prolonga-se por vezes sem grande evolução. Veiga Simão e seguidores pensavam que para democratizar o ensino era preciso nivelar por baixo,e nesse aspecto têm sido extremamente eficazes.Conseguem sempre descer mais o nível! E nenhum ministro de nenhum governo poderá jamais fazer qualquer reforma séria,pois os poderes instalados,talvez mais do que em qualquer outra área do Estado,são inamovíveis. Dominam todo o aparelho interno e externo do sistema educativo. Creio não estar infelizmente a exagerar,e o que digo é com muita mágoa,pois não vejo qualquer saída para o problema,ao contrário de outros. Claro que o combate oficial ao "elitismo",à exigência,ao exercício da memória,etc,veio trazer a grande desigualdade entre o privado e o público, tornando o ensino em geral ainda menos democrático. Nem se democratizou,nem se qualificou,baixou-se e rebaixou-se o nivel, para criar o desastre actual. O caso da História é paradigmático,mas fica para outro dia. Parabens por levantar de novo esta velha questão. Esperança,duvido,mas tambem caíram as muralhas de Jericó...