segunda-feira, 31 de agosto de 2009
A GRIPE H1N1
Nestes dias de alarme e desconfiança quanto à nova gripe suína, sucedânea da gripe dita aviária surgida alguns anos atrás, é interessante reflectir sobre alguns dados mostrados no vídeo acima colocado. Importa estarmos prevenidos mas igualmente importa saber a quem pode aproveitar esta pandemia. Porque quem fabrica vacinas pode igualmente fabricar doenças para as mesmas, e muito se disse na altura quando apareceu o vírus da sida, exactamente nos Estados Unidos da América.
Analisar estas "coincidências" será teoria da conspiração ou, pelo contrário, uma tentativa de alerta para os mais incautos. Cada um que tire as suas conclusões.
sábado, 29 de agosto de 2009
O DUQUE DE OTRANTO
Os recentes comentários de Joaquim Pina Moura sobre o programa eleitoral do PSD recordaram-me a sua trajectória político-partidária, desde o tempo em que, fervoroso adepto de Álvaro Cunhal, militava activamente no PCP. Seguiu-se a desvinculação do Partido Comunista, a adesão ao PS, onde ocupou lugar de destaque no governo de António Guterres, a saída da política activa para a "economia activa", a "sua", e eis que, de súbito, o vejo sustentar publicamente o programa de Manuela Ferreira Leite.
Não merece qualquer censura o apoio declarado às ideias do PSD. Cada um apoia o que quer e quem quer, e ainda bem que assim é. Nem sequer uma sincera alteração das convicções políticas seria motivo de grande alarido; lembro uma frase célebre de Salgado Zenha quando disse que "só os burros não mudam de ideias". O que me preocupa é a flutuação de opiniões ao que parece - e em política, já dizia Salazar, "o que parece é" - ao saber de oportunidades, e quiçá de oportunismos, pessoais. Isto é, não terá havido uma mudança de opinião, se é que alguma vez teve opinião sobre qualquer coisa, mas uma correcção da sua trajectória pessoal em função das suas conveniências pessoais.
E, por isso, lembrei-me de uma figura célebre, tristemente célebre, Joseph Fouché, mais tarde Duque de Otranto, que Stefan Zweig retratou num livro notável. Prefeito de uma congregação religiosa no tempo de Luís XVI, Fouché aderiu de alma e coração aos ideais da Revolução, tornou-se indefectível inimigo da Monarquia e votou a morte do Rei, exerceu lugares importantes na República, no Directório e a seguir no Império, após se tornar partidário de Napoleão (que o manteve como ministro da Polícia), virou-se para a Monarquia, oferecendo a regência ao futuro Carlos X depois de vencido o Imperador e voltou a aderir a Napoleão aquando dos Cem Dias. Após a derrota de Waterloo, foi chefe do governo provisório, novamente ministro e depois embaixador no reinado de Luís XVIII. Finalmente proscrito e exilado como regicida, morreu em Trieste, ainda assim assistido por Jerónimo Bonaparte que lhe queimou os papéis.
Nas suas Mémoires d' Outre-Tombe, Chateaubriand recorda a visão infernal de Talleyrand (esse, apesar de tudo, um estadista) sustentado por Fouché visitando o rei Luís XVIII, quando o segundo lhe foi jurar fidelidade: "o vício apoiado nos braços do crime".
Não pretendo que Pina Moura seja ou venha a ser um Duque de Otranto, mas é verdade que já no governo de Guterres lhe chamavam "o cardeal".
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
O REGRESSO DE MARX?
No Nouvel Observateur da semana passada é publicado um dossier dedicado ao "regresso de Marx". Está novamente na moda ser marxista ou pelo menos defender algumas das suas teorias ou estará de volta, e em força, o autor de O Capital?
Neste número da revista francesa, parcialmente dedicado a Karl Marx, de entre os numerosos artigos transcrevemos o seguinte:
PENSER LA LUTTE
Il y a vingt-cinq ans, Marx était traité comme un chien crevé dans le meilleur des mondes libéraux possibles. Son spectre souriant est aujourd'hui de retour. Son actualité est tout simplement celle du capital mondialisé.
A l'époque de la mondialisation victorienne, «l'énorme entassement de marchandises» en était encore à ses débuts. Marx ne s'est pas contenté d'explorer la grande pyramide. Sa critique de l'économie politique visait à en percer le secret, à en déchiffrer les hiéroglyphes, à en démonter la logique. Pour dépasser ses propres limites, le capital est contraint d'élargir sans cesse le cercle de son accumulation et d'accélérer le cycle de ses rotations. Faisant marchandise de tout, il dévore l'espace et endiablé le temps.
La crise de la mondialisation capitaliste révèle la tendance triplement destructrice du capital - de la nature, de la société, de l'humain. En réduisant toute richesse à du temps de travail cristallisé, la loi de la valeur prétend quantifier l'inquantifiable et attribuer à toute chose une valeur monétaire, comme si le temps long de l'écologie était réductible aux instantanés des fluctuations boursières. Là où les économistes vulgaires assistent bouche bée au spectacle de la crise, Marx saisit à l'état naissant les contradictions mortifères d'une société schizophrène où «l'argent crie son désir», tout comme «le cerf brame sa soif d'eau fraîche». La vitalité des études marxistes, souvent méconnues en France faute de traduction, démontre la fécondité actuelle de son oeuvre. Dès 1993, Derrida mettait cependant en garde contre la tentation de «jouer Marx contre le marxisme afin de neutraliser ou d'assourdir l'impératif politique dans l'exégèse tranquille d'une oeuvre classée». Le pire serait en effet d'en faire un auteur académiquement correct ou un vulgaire intellectuel de gauche. Marx est un penseur du conflit et de la lutte. Pour sauver cet esprit subversif de la redoutable «attali- sation» qui le menace, est-il besoin de rappeler que la critique du capital a pour corollaire le communisme ? L'héritage de Marx pose donc la question de savoir si le mot «communisme» a été compromis par son usage étatique et bureaucratique au point d'être devenu imprononçable. Et de déterminer surtout de quoi - utopie critique, mouvement d'émancipation, hypothèse stratégique - le communisme peut être aujourd'hui le nom.
(*) Membre du NPA, professeur de philosophie à Paris- VIII Vincennes.
terça-feira, 25 de agosto de 2009
UNIÕES DE FACTO
Confesso que, não tendo acompanhado desde o início este conturbado processo, encontro alguma dificuldade em analisar com pormenor os termos do veto presidencial. O que não me impede de tecer alguns comentários sobre a matéria em apreço.
Desde tempos imemoriais que as pessoas vivem, quando as deixam, de acordo com as suas preferências, quaisquer que elas sejam. E nunca o casamento monogâmico, em que assenta largamente a civilização ocidental, impediu que assim fosse, ainda que tivessem de se respeitar as conveniências de uma sociedade dominada pelos preceitos da religião cristã. Não sendo este o lugar para fazer a história das relações de convivência ao longo dos séculos, importa recordar que muita gente do mesmo sexo viveu, de facto, em união, já que não podia casar, sem que essa situação implicasse obrigatoriamente uma relação sexual.
Para ilustrar a afirmação darei apenas um exemplo. Os célebres irmãos Goncourt, Edmond Huot de Goncourt (1822-1896) e Jules Huot de Goncourt (1830-1870), escritores franceses que se notabilizaram na sua época, viveram de facto em "união de facto". E sendo que nutriam mutuamente uma intensa paixão não consta, todavia, que mantivessem relações sexuais. Quando Jules morreu prematuramente com 39 anos, imenso foi o desgosto de Edmond, que ficou conhecido nos salões parisienses como "a viúva". Edmond, depois da morte do irmão, continuou sozinho a escrever o seu Journal, que relata as décadas vividas em comum, e fundou a Academia que tem o seu nome e que atribui anualmente o Prémio Goncourt, o mais alto galardão literário francês e um dos mundialmente mais prestigiados a seguir ao Prémio Nobel.
Também Marguerite Yourcenar sustentava a necessidade de uma forma institucionalizada de relacionamento das pessoas, independentemente do sexo, que lhes permitisse uma vida em comum, dado que o casamento apenas permitia a ligação ao sexo oposto.
Parece, por isso, que o instituto das "uniões de facto", permitindo a vivência comum de pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente, com ou sem relacionamento sexual (isso é matéria do foro íntimo), é necessário para uma mais salutar vida das sociedades contemporâneas. E sendo estas de complexidade crescente, nada mais natural que os interesses de quem pretenda reger-se por esse instituto sejam acautelados a vários níveis, evitando acidentes supervenientes de todo indesejáveis.
Segundo me informam, foi aprovada em Portugal em 1999 uma lei consagrando as "uniões de facto" para pessoas de sexo oposto, uma vez que nem todas as que vivem de facto em união desejam casar. Essa lei foi alargada aos casais do mesmo sexo em 2001. E posteriormente regulamentada em datas que desconheço. Pretendia agora o Governo, ao que julgo, alargar direitos e deveres já legalmente consagrados. Discorda o presidente da República do conteúdo e da oportunidade do diploma. Quanto à oportunidade, teria tido o Partido Socialista há muito tempo ocasião de legislar sobre a matéria, embora a proximidade das eleições não justifique o veto, como também o facto de o casamento de pessoas do mesmo sexo (o que não quer dizer necessariamente casamento de homossexuais) não constar do programa eleitoral do Partido Socialista não justificava a sua oposição ao projecto do Bloco de Esquerda quando este propôs na Assembleia da República a sua consagração legal. Refere depois Cavaco Silva que o projecto tornaria as "uniões de facto" num "para-casamento", "proto-casamento" ou "casamento de segunda ordem". That is the question. Quando em muitos países da Europa e da América o casamento entre pessoas do mesmo sexo está legalizado, Cavaco receia promulgar um diploma que ainda não se chamando casamento, se possa aproximar desse instituto jurídico.
Sendo na civilização ocidental o casamento a união de pessoas de sexo diferente, não vejo absoluta necessidade de chamar casamento à união jurídica de pessoas do mesmo sexo, ainda que compreenda que, por questão de estatuto, muitos entendam essa designação como essencial. Mas já não posso concordar com as razões invocadas pelo presidente da República.
Considero Cavaco Silva um homem honesto, um estimável economista, uma pessoa que se empenha naquilo que considera (e isto é sempre subjectivo) o bem do país. Mas o seu conservadorismo não lhe permite ver para lá de determinado horizonte. Admito que tenha sofrido pressões (quem as não sofre?) de sectores reaccionários (no sentido exacto da palavra), maxime da Igreja Católica. E por isso o aconselharia, se ele apreciasse e conhecesse ópera, a meditar na frase final de Filipe II, no diálogo com o Grande Inquisidor, no IV (ou III conforme as versões) Acto da ópera Don Carlo, de Verdi: "Dunque il trono piegar dovrà sempre all'altare!".
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
O TERREIRO DO PAÇO
Tem o Terreiro do Paço (da Ribeira) sofrido diversas modificações ao longo das últimas décadas, quer na cor dos edifícios (que não à arquitectura, felizmente!), quer quanto à utilização da praça que já serviu, horror supremo, para parque de estacionamento automóvel. Infrutíferas, e estúpidas algumas, têm sido as tentativas de dar a tão nobre praça uma utilização condigna.
Praça debruçada sobre o rio, não pode o Terreiro do Paço, a que também se chama Praça do Comércio, competir com a Praça de São Marcos, não só porque o Tejo não é a Laguna e Lisboa não é Veneza, mas porque o seu plano é muito diferente do da capital da Sereníssima. A começar pela protecção do vento que o enquadramento de São Marcos permite mas o Terreiro do Paço não. E também pelo conteúdo. Se na cidade veneziana existem dois célebres cafés, o Florian e o Quadri, praticamente imutáveis ao longo desse tempo, onde se sentaram algumas das mais notáveis figuras mundiais dos últimos 300 anos, em Lisboa nem o Martinho da Arcada (que era um dos cafés preferidos de Fernando Pessoa e de outros escritores) escapou há alguns anos a umas obras de transformação que o descaracterizaram com o pretexto de tornar o negócio rentável e dele fazendo (à custa do Estado) mais um restaurante do que um café. Que parece, por causa do trânsito, deseja encerrar agora as suas portas. Não critico que o Estado contribuísse para o restauro, mas impunha-se conservar a forma original, não abrir a bolsa apenas para satisfazer necessidades privadas. Proclama-se hoje "Menos Estado, melhor Estado", eu digo apenas: "Melhor Estado", não me interessa que seja "menos". Deveria o Estado (ou a autarquia, não me lembro, mas na prática é o mesmo) subsidiar o restauro do Martinho? Com certeza que sim, mas na condição de mantê-lo como estava. E se os proprietários não concordassem, deveria o Estado encarregar-se da gestão do Martinho. Há sítios, mesmo cafés, ou restaurantes, quiçá tabernas, que pelo seu valor simbólico se tornaram instituições. Compete ao Estado mantê-las vivas! Não é imaginável que o Florian, de Veneza, se transformasse num MacDonalds, ou o Café de la Paix, em Paris se convertesse numa Loja Zara.
Consta que Santana Lopes pretenderia também retirar os ministérios e colocar museus no local. Afigura-se à partida uma boa solução, ainda que se deva ter em conta que os ministérios evitam a desertificação final daquela zona, progressivamente despovoada nas últimas décadas. Mas há um museu que eu veria com bons olhos no Terreiro do Paço: o Museu dos Coches. Existe um sinistro projecto deste governo para construir um novo Museu dos Coches numas antigas instalações militares de Belém com passagem sobre a Avenida da Índia e a linha férrea e a terminar num monstruoso silo automóvel frente à Estação Fluvial de Belém. Parece que o autor é um arquitecto brasileiro, cujo nome seria incapaz de fixar, de parceria com mais alguns portugueses. É uma obra que a ser feita, roguemos à Providência que não, custaria milhões de euros. Entendo que o Museu dos Coches está muito bem onde está, já que não voltará a ser utilizado o local com a sua antiga vocação de Picadeiro. Mas a mudar-se, que se mude para o Terreiro do Paço, o melhor local para guardar e mostrar as carruagens que durante séculos serviram o Paço.
Outro problema do Terreiro do Paço é o trânsito automóvel, que importa reduzir. Mas nunca se conseguirá reduzir a circulação automóvel em Lisboa enquanto não for possível construir na periferia da cidade parques grátis onde quem habita nos arredores possa deixar a viatura e embarcar num transporte público. Contudo, não é isso que se vê. Cada vez há mais estacionamento pago no centro de Lisboa, parques e ruas, pago já quase 24 horas por dia, numa "chulice" ao contribuinte que mais parece proxenetismo organizado. Nuns poucos terrenos, junto à estação de caminho de ferro de Algés, onde era possível deixar o carro gratuitamente e tomar o comboio, surgem agora novos edifícios que em breve ocuparão o pequeno espaço anteriormente disponível.
Voltando ao Terreiro do Paço, o projecto de remodelação divulgado é uma meia patetice, e já explico porque só meia. As obras projectadas descaracterizariam definitivamente o local e só podem provir de espíritos obtusos (é isto a meia patetice, e até julgo que vagas furiosas galgariam o Cais das Colunas - se é que já foi reposto, ao fim de tantos anos de ausência - e qual maremoto de indignação destruiriam a obra). A outra meia não é patetice: são os milhões que arquitectos e construtores (e outros) ganhariam com a modificação. Porque eles não são tão parvos como algumas vezes parecem!
Estude-se pois a utilização do Terreiro do Paço, ouçam-se os interessados, averigúem-se as potencialidades, avaliem-se as necessidades, calculem-se os custos e, quando chegar a hora de decidir, mande quem pode e obedeça quem deve. Nem poderá ser de outra maneira!
sexta-feira, 21 de agosto de 2009
EM DEFESA DO LIVRO ÚNICO
Noticiou a imprensa nos últimos dias um agravamento do preço dos livros para o ensino, creio que para o primário e secundário, para o próximo ano lectivo.
Tenho andado afastado destas questões, mas recordo o clamor que se fazia ouvir durante o Estado Novo relativamente à adopção, no primário e no secundário, de apenas um livro aprovado oficialmente para cada disciplina. E essa opinião recolhia, então, um quase consenso nacional. Trinta e cinco anos passados sobre o derrube do anterior regime, poderá encarar-se a questão com mais tranquilidade.
A existência, por disciplina, de um único livro tinha diversas vantagens. Em primeiro lugar, todos os alunos eram avaliados segundo um programa adoptado para todo o país, que era traduzido pelo conteúdo do livro. Assim, uma maior equanimidade nas avaliações. As tiragens do livro, porque editado a nível nacional, permitiam reduzir custos e apresentar um preço de capa muito inferior ao que edições variadas e muito menores permitem estabelecer. Porque a vigência do livro único durava vários anos (não era alterada anualmente como tem acontecido desde 1974), nas famílias com muitos filhos os livros passavam de irmãos mais velhos para irmãos mais novos, evitando-se um desnecessário dispêndio financeiro.
Contra o livro único se levantaram, e levantam, ainda muitas vozes. Umas sinceras, movidas por razões porventura respeitáveis mas ilusórias, quanto ao conteúdo das matérias, outras egoístas, movidas por interesses económicos autorais, editoriais, e quejandos.
Pode compreender-se (e, note-se, não nos estamos a referir ao ensino superior) que matérias como a história, ou a economia, ou mesmo a literatura, sejam susceptíveis de manipulações político-partidárias, embora nunca suficientes para uma eficaz lavagem ao cérebro das crianças e dos adolescentes (que nunca o são tanto como hoje se pretende fazer crer). O apoio generalizado que colheu a Revolução de Abril, foi afinal prestado por todos aqueles que tinham estudado segundo o Livro Único.
Julgo por isso chegada a hora de uma grande revolução no sistema de ensino em Portugal. Excluo, por agora, o Superior que dominado por uma oligarquia de interesses tem tido mais em vista os seus próprios proveitos do que os dos estudantes e os da comunidade científica em geral. E agora, ainda para mais, integrado no sinistro processo de Bolonha, cujo único fim é diminuir o nível geral das habilitações a nível europeu, e que certamente envergonha a cidade que é sede de uma das mais antigas universidades da Europa.
Fiquemos, portanto, pelo primário e secundário. Porque não criar no Ministério da Educação, a par das inúmeras comissões lá existentes, uma destinada a produzir um programa e consequente livro único para os níveis de ensino em causa? Não me parece que matérias como a matemática, ou as ciências naturais (à excepção do darwinismo e mais algumas coisas), ou as línguas, ou a física e a química, possam ser motivo de grandes dissensões ideológicas. O que é necessário é competência e eficácia no trabalho a desenvolver, abnegação por uma causa, empenhamento quanto aos fins. Dir-se-á que em algumas outras áreas, a História, por exemplo, podem surgir enormes conflitos. É verdade que sim, é preciso distância para serenar os espíritos, por vezes longa distância. Sabemos muito bem que, ainda hoje, há grande controvérsia sobre factos com mais de dois ou três mil anos, de Ramsés II a Alexandre, do Império Romano aos primórdios do Cristianismo. Nestes casos, crie-se uma comissão especial, com membros de áreas ideológicas diversificadas, mas sérios, que estabeleçam um consenso mínimo que permita um manual equilibrado, sabendo de antemão que não há, nem nunca haverá, uma só verdade.
Com estas precauções, e algumas outras, e sem irrisórias manobras dilatórias, não me parece difícil restabelecer no ensino primário e secundário o sistema do livro único, com grande benefício para os alunos, as famílias, o ensino em geral, e com algum prejuízo para certas editoras e autores, mas alguém ficará a perder algo.
Já que falo de História, aproveito para perguntar se os próceres do Ministério da Educação não se deram ainda conta da loucura que reina no ensino desta disciplina desde há décadas? Com a mania da introdução da corrente da "nouvelle histoire" , corrente que já teve mais adeptos mas que, em qualquer caso, não se destinava a estes níveis de ensino, baniu-se do ensino da História a sequência cronológica, indispensável para compreender os factos, eliminaram-se as datas, suprimiram-se as batalhas, cortaram-se os reis e os presidentes, e por aí fora, até tornar incompreensível, a menos que fosse essa a intenção, perceber, quer quanto à História de Portugal, quer quanto à História Universal, como se desenrolou a marcha da Humanidade ao longo dos tempos. Porque entendo que essa atitude, que atinge as raias do delírio, constituiu um crime, entendo também que deveriam ser punidos os autores da façanha!
Concedo que não é fácil, de um momento para outro, endireitar as veredas do ensino em Portugal. Mas urge, desde já, que se inicie esse esforço, antes que seja muito tarde, talvez até demasiado tarde para remediar tantos males.
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
SERVIÇO PÚBLICO TELEVISIVO
Com o intuito de sossegar a população, a RTP1, no seu telejornal das 20 h, apresentou largos excertos de uma reunião das agências funerárias portuguesas, que estão a organizar os seus serviços na previsão (supõe-se) de uma terrível mortandade devida à gripe A.
Este conceito de serviço público ultrapassa as mais prodigiosas imaginações e não ficaria mal se os responsáveis pelo telejornal viessem a ser condecorados pelo Governo ou pelo presidente da República.
Ignoro se os outros canais se esmeraram igualmente na difusão desta oportuna e tranquilizante notícia, mas confesso que na televisão portuguesa nada me espanta, nem sequer as coisas normais.
terça-feira, 18 de agosto de 2009
LIPOVETSKY E O ESTRELATO
Le Nouvel Observateur - Como se explica a tendência para a pipolização da nossa sociedade?
Gilles Lipovetsky - O fenómeno ilustra o aumento da importância da lógica das marcas num mundo de profusão e de desorientação generalizadas. O objecto já não chega para fazer a diferença num universo em que os produtos se assemelham: daí as marcas associarem-se a figuras do cinema ou do desporto para personalizar a sua oferta. Acontece o mesmo na política: com a erosão da dicotomia esquerda-direita, os eleitores de convicções fluidas votam cada vez mais numa personalidade que apreciam e não num programa. Os people funcionam como uma forma de singularizar e de personalizar um mundo vivido como impessoal e confuso. O hiperconsumidor deseja incessantemente renovação mas deseja igualmente "pontos fixos" que são fornecidos precisamente pelo sistema mediático da celebridade: os people têm a virtude de responder a essa dupla necessidade.
N.O. - Em que é que isto é realmente novo?
G.L. - O sistema de produção de celebridades é uma invenção das sociedades modernas industrializadas. Antigamente, os pintores, os escritores ou os grandes homens políticos aspiravam à glória. Não à celebridade. A glória dirige-se à eternidade, mas a celebridade ao presente, ao tempo dominante da "cultura-mundo". O cinema no século XX inventou o star-system construindo personalidades "artificiais", imagens de sonho para consumo de massas. Maquilhagem, cirurgia estética, fotografias, estórias criam ídolos de que as revistas contam a vida privada. A pipolização é a generalização desta lógica alargada a outras esferas: top models, desportistas, cozinheiros, chefes de orquestra, intelectuais, homens políticos. Outra evolução: a intensidade feérica ou mítica do fenómeno atenuou-se. A celebridade de hoje já não é um "monstro sagrado" como Greta Garbo ou Marilyn Monroe. Aproximou-se de nós, interpelamo-los desta forma: «Sarkozy, estou a ver-te!». Enfim, com a telerealidade apareceram quaisquer celebridades, sem talento nem feitos particulares. O sistema caiu na era da banalização democrática e consumista.
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N.O. - Deveríamos regozijar-nos com a pipolização da nossa sociedade?
G.L. - Não podemos regozijar-nos com a evolução de uma sociedade que faz sonhar as pessoas através do consumo de celebridades efémeras. E o ideal democrático não é conhecer a vida privada dos nossos dirigentes! O fenómeno está a ir demasiado longe, há excessos: como em todo o lado, devem ser encontrados limites para a escalada consumista.
Dado a imundície em que diariamente chafurdamos, esta lúcida entrevista dispensa comentários.
segunda-feira, 17 de agosto de 2009
ANTÓNIO FERRO
Passam hoje 114 anos sobre o nascimento de uma das mais interessantes figuras da vida político-cultural do século XX português: António Ferro.
Homem de pensamento e de acção, possuidor de um multifacetado talento, Ferro é o vanguardista que edita o Orpheu, o jornalista que percorre a Europa, o Brasil, os Estados Unidos, recolhendo o testemunho das mais célebres personagens da época, o inspirador e impulsionador de uma política cultural que, independentemente do ângulo por que se perspective, constituiu até hoje a única tentativa séria, consistente e duradoura de promover com o apoio do Estado a criação e a divulgação artística e literária.
A sua permanência à frente do Secretariado da Propaganda Nacional (S.P.N.), mais tarde Secretariado Nacional de Informação (S.N.I.), ao longo de 17 anos (1933-1950), permitiu-lhe fomentar a criatividade dos autores portugueses, nas artes e nas letras, difundir as correntes modernistas estrangeiras e estabelecer as estruturas básicas de uma acção cultural a nível nacional. O trabalho de Ferro abrange campos tão diversos como as artes plásticas, o teatro e o cinema, a música e o bailado, a poesia e a literatura em geral, a rádio, o turismo, o cartazismo, a arte de expor. Arquitecto da “política do espírito”, António Ferro é um homem de “bom gosto” que serve um Regime (o de Salazar) e que se serve do Regime para impor convicções próprias, nem sempre consonantes com a Figura Tutelar (mas que esta inteligentemente aceita até entender que não é possível prosseguir a coexistência de orientações que na ordem estética e no plano prático (por exemplo a Censura) ameaçam uma fissura no edifício do Estado Novo. Nunca ficou devidamente esclarecida a saída de Ferro do S.N.I. para a Legação de Portugal em Berna. Não teria de o ficar publicamente, para mais naquela época, mas mesmo em conversas com os filhos, há um quarto de século, nada consegui adiantar, porque no fundo estes também nada sabiam, para além do desejo do pai em ocupar um posto mais tranquilo.
Ao longo de três décadas, António Ferro é, de facto, uma figura intrinsecamente polémica, que desencadeia ódios e paixões, privilégio, aliás, daqueles que, sabendo o que querem, são os únicos capazes de despertar interesse na paisagem monótona e cinzenta das unanimidades castradoras. Navegando entre as tendências modernistas da sua juventude, em que acompanha Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, o entusiasmo pelos regimes fortes, que o leva a admirar Mussolini, e o desejo de realizar em Portugal um renascimento cultural, que tenta com o apoio inequívoco de artistas e escritores e o apoio condicional de Salazar, primeiro, e com uma já translúcida oposição de parte da intelligentsia nacional e uma cautelosa reserva de Salazar, depois, António Ferro prossegue a (sua) política do espírito, discutível, sem dúvida, mas merecedora do reconhecimento nacional. Ele foi, avant la lettre e “avant Malraux”, o nosso primeiro ministro da Cultura.
* * *
Não é possível dar conta, aqui, da vida e obra (obra literária e obra de política cultural) de António Ferro. Por isso, limitar-me-ei a algumas indicações, escusando-me, desde já, das omissões indesejáveis:
Em 1895 nasce em Lisboa, a 17 de Agosto, filho de António Joaquim Ferro e de Maria Helena Tavares Afonso Ferro.
Em 1912, com 17 anos, publica (em colaboração com Augusto Cunha) Missal de Trovas, livro de quadras ao gosto popular.
Em 1913 escreve poesia e teatro, textos que se perderam. A esse respeito, Fernando Pessoa anota no seu diário, em 30-3-1913: “Das 2 ¼ às 4 ½ em casa de António Ferro a ouvir-lhe três (?) peças. – Leu duas. – Depois para a Baixa com ele.” (Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, pág. 55 – Edições Ática, 1966). Ingressa na Faculdade de Direito, que frequentará até 1919, não tendo concluído o curso, que será preterido a favor do jornalismo.
Em 1915 é editor da revista Orpheu que, fundada por Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros, Luís de Montalvor, etc., constitui o marco inicial do modernismo em Portugal e da qual são publicados apenas dois números. Segundo Alfredo Guisado, um dos seus directores, convém que (o editor) seja ele (António Ferro) porque é menor e se surgir qualquer complicação a sua responsabilidade não tem consequências.
Em 1919, regressado a Lisboa, é nomeado chefe de redacção de O Jornal.
Em 1922 publica Gabriele d’Annunzio e Eu, que reúne as reportagens, entrevistas e conversas com o grande poeta italiano. Faz crítica teatral no Diário de Lisboa, é director da Ilustração Portuguesa e escreve a peça Mar Alto. Desloca-se ao Brasil com a Companhia Lucília Simões/Erico Braga e casa por procuração com a poetisa Fernanda de Castro (a cerimónia em Lisboa tem lugar na Igreja de Santa Isabel, com o cunhado Augusto Cunha a servir de duplo do noivo, sendo testemunha no Brasil a actriz Lucília Simões) que pouco depois vai reunir-se com ele no Rio de Janeiro. A 18 de Novembro, Mar Alto estreia-se no Teatro Sant’Ana, em S. Paulo, cidade onde Ferro profere as conferências A Idade do Jazz-Band e A Arte de Bem Morrer, posteriormente editadas em livro. A peça é depois representada no Teatro Lírico do Rio de Janeiro.
Em 1927 publica Viagem à Volta das Ditaduras, com as entrevistas e reportagens que fizera na Itália (Pio XI, Ezio Garibaldi, Mussolini), em Espanha (Jacinto Benavente, Primo de Rivera) e na Turquia (Kemal Atatürk).
Em 1931 publica Hollywood, Capital das Imagens, incluindo as reportagens e entrevistas efectuadas na capital americana do cinema.
Em 1933 publica Prefácio da República Hespanhola, que é o inquérito realizado em 1930 para o Diário de Notícias em que entrevistara Miguel de Unamuno, Ortega y Gasset, Ramón del Valle-Inclán, etc. Organiza em Lisboa o primeiro Congresso da Crítica Dramática e Musical, com a presença de Pirandello, Vuillermoz, Robert Kemp, etc. e publica Salazar. O Homem e a sua Obra, em que reúne as citadas entrevistas ao Chefe do Governo, livro imediatamente traduzido para francês, inglês, espanhol, italiano, polaco, etc. É convidado por Salazar para dirigir um novo organismo, o Secretariado de Propaganda Nacional (S.P.N.).
Em 1935 organiza a I Exposição de Arte Moderna, anunciando, na Sociedade Nacional de Belas Artes, a sua intenção de apoiar sobretudo os artistas de vanguarda. Respondendo-lhe em nome dos premiados, Almada Negreiros afirma: “Mais do que com júbilo, é com grande respeito que vejo pela primeira vez na minha terra os poderes públicos ao lado da arte mais nova de Portugal”.
Em 1936 inaugura o Teatro do Povo, sob a direcção de Francisco Lage e de Ribeirinho. Convida um grupo de intelectuais a visitar Portugal, tendo aceite o convite Miguel de Unamuno, Pirandello, Maurice Maeterlinck, Gabriela Mistral, François Mauriac, Georges Duhamel, etc.
Em 1937 é comissário da Exposição de Paris, organizando o Pavilhão de Portugal com Keil do Amaral, Bernardo Marques, Carlos Botelho, Tom, Estrela Faria, Manuel Lapa, etc. Promove os Cinemas Ambulantes que iniciam a sua actividade, percorrendo as vilas e aldeias do país.
Em 1939 promove o Concurso da “Aldeia Mais Portuguesa de Portugal”, que não voltará a ser repetido, e cujo troféu, o Galo de Prata, é atribuído a Monsanto.
Em 1941 publica Homens e Multidões, reunião de entrevistas e reportagens sobre Franz Lehar, Lloyd George, o rei Afonso XIII de Espanha, a rainha Maria da Roménia, Primo de Rivera, o rei Leopoldo III da Bélgica, o Papa Pio XI, Mussolini e Salazar. É nomeado presidente da Direcção da Emissora Nacional e assina o I Acordo Cultural Luso-Brasileiro.
Em 1942 começa a ser publicada (até 1950) a revista luso-brasileira “Atlântico”, de que é o director português. Apresenta o plano das Pousadas de Turismo, aquando da inauguração da primeira, em Elvas.
Em 1943 é lançada a revista de arte e turismo “Panorama”, publicada pelo S.P.N., com direcção literária do poeta Carlos Queiroz e artística do pintor Bernardo Marques. O Grupo Verde Gaio estreia no Teatro de São Carlos o bailado D. Sebastião, com argumento de Ferro, música de Ruy Coelho, coreografia de Francis e cenários de Carlos Botelho e Milly Possoz.
Em 1944 o S.P.N. é remodelado e passa a designar-se Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo (S.N.I.), continuando a ser dirigido por António Ferro.
Em 1945 iniciam a sua actividade as Bibliotecas Ambulantes do S.N.I.
Em 1946 o S.N.I. e o Círculo Eça de Queiroz, fundado por António Ferro, promovem as comemorações do centenário do nascimento do grande romancista português.
Em 1948 é inaugurada nas novas galerias do Palácio Foz a Exposição “Catorze Anos de Política do Espírito”, procedendo Ferro a um balanço da sua obra à frente do S.P.N./S.N.I. É inaugurado o Museu de Arte Popular, em Belém, e é promulgada a Lei de Protecção ao Cinema Nacional, que cria, no âmbito do S.N.I. o Fundo do Cinema e a Cinemateca Nacional, cuja direcção é entregue a Félix Ribeiro.
Em 1949, a 6 de Maio, António Ferro inaugura, conjuntamente com o 13º Salão de Arte Moderna, o Salão retrospectivo de galardoados com os prémios artísticos do S.N.I; estão presentes Mário Eloy, António Soares, Dórdio Gomes, Jorge Barradas, Sarah Afonso, Carlos Botelho, Eduardo Viana, Almada Negreiros, Frederico George, Maria Keil, António Dacosta, Manuel Bentes, Ofélia Marques, Paulo Ferreira, António Cruz, Tom, Manuel Lapa, Álvaro de Brée, António Duarte, Martins Correia, João Fragoso, Canto da Maya, Barata Feyo, etc. São criados os Prémios de Arte Dramática para as sociedades de recreio. Realiza-se no Teatro de São Carlos o primeiro concerto do Gabinete de Estudos Musicais, que Ferro criou na Emissora Nacional, encomendando obras aos compositores de música popular e erudita.
Em 1950, ao fim de 15 anos de trabalho à frente do S.P.N./S.N.I., António Ferro solicita a Salazar um posto mais tranquilo e é nomeado ministro plenipotenciário de Portugal em Berna.
Em 1954 é transferido para ministro de Portugal em Roma. Publica D. Manuel II, o Desventurado.
Em 1956 desloca-se a Lisboa para uma intervenção cirúrgica supostamente sem gravidade, mas morre uma semana depois, a 11 de Novembro, num quarto particular do Hospital de São José. Tinha 61 anos.
Em 1957 é publicado postumamente o livro Saudades de Mim.
Em 1958, no 25º aniversário do S.P.N./S.N.I., é descerrado
no Palácio Foz um seu busto, da autoria de Álvaro de Brée, réplica do que se encontra no Círculo Eça de Queiroz.
Em 1963 as Edições Panorama publicam a antologia António Ferro, incluindo alguns dos Poemas Italianos e excertos do seu Diário de Berna e Roma.
Em 1978 as Edições Tempo publicam uma nova edição de Salazar.
Em 1980 as edições Delraux publicam novas edições de Teoria da Indiferença e de Leviana.
Em 1984 o Teatro Primeiro Acto, de Algés, sob a direcção de Júlio de Magalhães, repõe Mar Alto (que não mais subira à cena desde a sua proibição em S. Carlos, em 1923) e organiza um ciclo de debates sobre a peça e a “Política do Espírito”, em que participam Afonso Botelho, António Braz Teixeira, António Lopes Ribeiro, António Quadros, António Rodrigues, Artur Portela, Cecília Barreira, Dórdio Guimarães, Duarte Ivo Cruz, Franco Nogueira, Jorge Borges de Macedo, Martins Correia, Natália Correia, Ruy de Matos, etc.
Em 1986, a 11 de Novembro, no 30º aniversário da sua morte, o Círculo Eça de Queiroz organiza uma sessão de homenagem a António Ferro. São oradores António Lopes Ribeiro, Domingos Mascarenhas e Luiz Forjaz Trigueiros. Intervêm também Jorge Borges de Macedo, Arnaldo Ródo e João Bigotte Chorão, a nora Paulina Roquette Ferro e o neto António Roquette Ferro, que leu uma mensagem do pai, António Quadros, ausente no Brasil em missão cultural.
Em 1987 a Editorial Verbo inicia a publicação das Obras de António Ferro, sob orientação de António Rodrigues, tendo sido publicado apenas um primeiro volume.
* * *
Esta cronologia bio-bibliográfica resumida dá uma ideia do que foi a vida e a obra de António Ferro. E permite avaliar das linhas mestras do que constituiu a sua política do espírito, uma intervenção absolutamente inovadora em Portugal pela qualidade e globalidade dos temas abordados.
Não é comum no nosso país alguém desenvolver uma intensa actividade na esfera político-cultural e ser ao mesmo tempo um criador cultural em domínios tão diversificados como António Ferro o foi. Acusam-no hoje de não ter sido um verdadeiro democrata. Talvez não o tenha sido pelo actual paradigma, mas importa não esquecer que o conceito de Democracia sofreu diversas interpretações ao longo da História, desde a antiga e precursora Atenas às democracias populares do Leste Europeu. Estaria Ferro porventura mais próximo da chamada “democracia orgânica” de Salazar do que das chamadas “democracias representativas”, que neste dealbar do século XXI são, antes de tudo, as defensoras estrénuas da teologia do dinheiro e do monoteísmo do mercado? Com certeza que sim! Mas ainda hoje se não sabe exactamente se Ferro ao trocar o S.N.I. por uma missão diplomática o fez por vontade própria, ou por vontade de Salazar, ou pela vontade de ambos. Se o fez apenas para ocupar um posto mais tranquilo ou antes por ter constatado a impossibilidade de ir mais além, como se depreende de muitos dos seus escritos, num regime autoritário que o entusiasmou mas que, mercê de circunstâncias de vária ordem, não poderia permitir-lhe a concretização final dos projectos que no íntimo sempre acalentara.
Para os interessados, referimos a seguir a lista das obras de António Ferro:
As Grandes Trágicas do Silêncio - 1917
Teoria da Indiferença – 1920
Árvore de Natal – 1920
Nós - 1921
Colette, Colette Willy, Colette – 1921
Leviana – 1921
Gabriele d’Annunzio e Eu – 1922
A Arte de Bem Morrer – 1923
A Idade do Jazz-Band – 1923
Batalha de Flores – 1923
Mar Alto – 1924
A Amadora dos Fenómenos – 1925
Viagem à Volta das Ditaduras – 1927
Praça da Concórdia – 1929
Novo Mundo, Mundo Novo – 1930
Hollywood, Capital das Imagens – 1931
Salazar – 1933
Prefácio da República Hespanhola – 1933
Homens e Multidões – 1941
Política do Espírito – 1950
D. Manuel II, o Desventurado – 1954
Saudades de Mim – 1957 (editado postumamente)
Obras de António Ferro: 1 – Intervenção Modernista (Cartas do Martinho; Teoria da Indiferença; O Elogio das Horas; Batalha de Flores; Nós; A Arte de Bem Morrer; A Idade do Jazz-Band; Uma Hora com Asas; Ilustração Portuguesa) - 1987