terça-feira, 29 de janeiro de 2019

SALÓNICA IX - O MUSEU ARQUEOLÓGICO DE PELLA



O Museu Arqueológico de Pella fica situado próximo do sítio arqueológico da antiga cidade de Pella, capital do reino da Macedónia, depois da sua transferência de Aigai, no fim do século V AC e que se expandiu na segunda metade do século IV AC.  Pella, local onde nasceu Alexandre Magno, dista cerca de 45 km de Salónica.



O edifício, desenhado pelo arquitecto Kostas Skroumpellos, possui um átrio rectangular, evocando o peristilo das antigas casas da cidade.



A exposição compreende seis unidades: uma de introdução e as outras cinco partes principais relativas aos diversos aspectos de Pella, mostrando a vida quotidiana, através de objectos encontrados nas habitações e a vida pública, ilustrada pelos objectos revelados pelas escavações da Agora, santuários, sepulturas e o palácio. No primeiro andar do Museu existe um espaço dedicado a exposições temporárias.



A unidade de introdução apresenta ao visitante o ambiente, a evolução geomorfológica e a história da cidade. Os objectos expostos são principalmente moedas de reis, de Alexandre a Perseu, ilustrando diversos períodos da história da cidade antiga. A unidade de introdução e a primeira unidade estão ligadas por um corredor onde se encontra uma cabeça de Alexandre - um dos seus retratos mais fiéis (talvez obra do escultor Lysippos) - datando do fim do século IV AC e uma estatueta de mármore onde o soberano figura com as características do deus Pan.



A primeira unidade é consagrada à vida quotidiana, apresentando os objectos domésticos encontrados nas residências da cidade antiga. Assim, uma estátua de Poseidon e uma parede restaurada com revestimentos coloridos, proveniente do local das recepções oficiais. O chão está coberto por mosaicos de excepcional qualidade artística, originários das residências de "Dionisos" e de "Helena". Os mosaicos da primeira residência foram transferidos para o Museu, enquanto os da segunda estão conservados no local onde foram descobertos, sendo representados por fotografias em tamanho natural. Pode também ver-se reproduções de mobiliário e as vitrinas exibem objectos ligados às actividades dos habitantes (homens, mulheres e crianças), aos desportos, à educação, aos lazeres e aos cultos domésticos. As estatuetas de terracota representando mulheres fornecem preciosas informações sobre o vestuário e os penteados da aristocracia macedónica, do IV ao II século AC. Aliás, foi este o período do grande esplendor de Pella como capital do reino da Macedónia.



A segunda unidade, que se ocupa da vida pública, apresenta uma reprodução da Agora. A maior parte dos objectos expostos provém das escavações realizadas nesse local. Estão relacionados com as instituições administrativas (selos de documentos em terracota, inscrições, moedas), e com as actividades produtivas e comerciais (vasos de conservação e de transporte de vinho e de azeite, vasos de uso quotidiano destinados aos simpósios e às cerimónias de culto, moldes para produção de estatuetas, equipamentos das oficinas de cerâmica e de metalurgia). 



A terceira unidade apresenta elementos do culto da cidade antiga, provenientes dos santuários. Foi para aqui transportado o chão em mosaico do santuário de Darron, um herói e curandeiro local. Igualmente se podem ver vasos e inscrições dos santuários da Mãe dos deuses, de Afrodite e do Thesmophorion, que mostram as divindades que eram adoradas e ilustram as actividades que tinham lugar nos santuários.



A quarta unidade é consagrada ao mundo dos mortos. À entrada são expostas duas sepulturas descobertas na zona da Agora, uma indicação que o sítio servia de cemitério desde o começo da história de Pella. Trata-se de um túmulo em terracota em forma de jarra, datando da era do bronze e de um túmulo em forma de paralelepípedo do fim do século V AC. Além do cemitério da Agora foram identificados outros sítios de sepultura escavados ao longo da "estrada real", onde se encontravam os túmulos dos aristocratas macedónios ilustres. Ainda hoje se podem ver esses locais, de ambos os lados do caminho que liga Chalkidona a Pella. As vitrinas desta unidade apresentam objecto pessoais dos defuntos e oferendas dos parentes e amigos que foram encontradas nas sepulturas e que datam dos séculos IX a II AC. Estes objectos fornecem preciosas informações sobre as estruturas sociais e os costumes funerários da grande capital. A maior parte dos objectos é constituída por estatuetas de terracota que desempenhavam certamente uma função simbólica, por jóias em ouro, por vasos de cerâmica. por cofres, por leitos, etc. Entre estes objectos, figura o katadesmos (maldição) em chumbo, datando do começo do século IV AC, encontrado numa sepultura e que é um dos mais importantes do museu. Está escrito em dialecto dórico (macedónico) do começo do século IV AC, mostrando a língua que falavam as pessoas comuns de Pella, antes dos reinados de Filipe II e Alexandre Magno.



A quinta unidade evoca o palácio, um complexo de vários edifícios construído em terraços, incluindo a habitação real e os serviços administrativos, políticos, diplomáticos e religiosos do estado da Macedónia. Alguns elementos arquitectónicos e algumas telhas do palácio de Pella permitem identificar que este foi usado entre meados do século IV AC, ou mesmo antes, até ao ano de 168 AC, quando os macedónios foram derrotados pelos romanos na batalha de Pydna, os quais pilharam a cidade, nomeadamente o palácio.



No primeiro andar existe uma sala para exposições temporárias. 



Lamentavelmente, como na maioria dos locais, não existe um catálogo do Museu. Todavia, são permitidas fotografias, o que já não acontece em Vergina, onde, no interior de um monte, se encontram os túmulos reais de Filipe II e de outros soberanos da Macedónia. Escreveremos sobre Vergina num próximo post.




































































O desdobrável fornecido na recepção só tem interesse por inserir a planta do Museu.


quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

SÉROTONINE




Foi publicado há dias o novo romance de Michel Houellebecq, Sérotonine, que traz impressa a marca inconfundível do seu autor. Figura polémica da literatura francesa, Houellebecq é talvez o mais controverso dos escritores contemporâneos, e também um dos mais famosos, não só em França mas no chamado mundo ocidental. Grande provocador da sociedade, os seus livros constituem uma análise impiedosa mas irónica, pessimista mas lúcida, dos tempos que vivemos. Largamente traduzido, Houellebecq dedica-se igualmente à poesia, ao teatro, ao cinema e à música. Neste seu sétimo romance, por vezes bastante cruel, é nítida a recorrência aos temas habituais: a geografia francesa, a decadência ocidental, o sexo, a pornografia, o amor, o liberalismo, o turismo, a gastronomia, a depressão (que determina o título do livro), a religião, o consumo, a solidão. Utilizando conceitos tradicionais, Michel Houellebecq não será um "grande" escritor mas é indubitavelmente um escritor "actual".

Transcrevendo da Wikipédia: «A Serotonina (5-hidroxitriptamina ou 5-HT) é uma monoamina neurotransmissora sintetizada nos neurónios serotoninérgicos do Sistema nervoso central (SNC) e nas células enterocromafins (células de Kulchitsky) do trato gastrointestinal dos animais (entre eles o ser humano). A serotonina também se encontra em vários cogumelos e plantas, incluindo frutas e vegetais. Acredita-se que a serotonina representa um papel importante no sistema nervoso central como neurotransmissor na inibição da ira, agressão, temperatura corporal, humor, sono, vômito e apetite.
Estas inibições estão diretamente relacionadas com os sintomas da depressão. Adicionalmente, a serotonina é também um mediador periférico de sinal. Por exemplo, a serotonina encontra-se abundantemente no trato gastrointestinal (aproximadamente 90%) e o seu local de armazenamento principal são as plaquetas na circulação sanguínea.»

Ora o protagonista do romance sofre exactamente de depressão, que trata com Captorix (um medicamento inventado pelo escritor), para restabelecer os níveis de serotonina. De alguma forma, esse protagonista é um alter ego do autor, ou melhor, um alter ego da personagem que Houellebecq cultiva para consumo exterior, num jogo de espelhos de que só o próprio tem a chave.

As alusões explícitas ou subliminares são deliciosas, e apesar da abundância de pormenores, que por vezes fatigam, mas que são uma característica de Houellebecq, inerentes e indispensáveis ao estilo dos seus romances, a leitura é sempre agradável, ocasionalmente irritante, mas prende o leitor até ao fim da obra.

A decadência da civilização ocidental e, causa ou consequência (ou as duas), a decadência do ser humano, é um dos leitmotiv do escritor, presente em todos os seus romances. Decadência espiritual e decadência física, a que se deve juntar a obsessão, ou o aproveitamento comercial (coisa que nunca é despicienda) da sexualidade. Um dos livros anteriores, Plateforme, é mesmo dedicado ao turismo sexual, e no presente romance são várias as referências à homossexualidade, que, mesmo quando não mencionada, parece ser uma preocupação que não o abandona. O sexo tem um mercado, vende bem, e Houellebecq não é imune às receitas dos direitos autorais.

Outro dos seus temas preferidos é a solidão, tanto maior quanto o "progresso" tecnológico dos últimos anos, a hegemonia da sociedade digital, e todos os acquis civilizacionais do nosso tempo.  Esta "revolução" moderna tem contribuído para afastar fisicamente as pessoas, a começar pela eliminação dos espaços de convivialidade, mas é às vezes encarada por certos políticos como uma conquista da democracia. As pessoas, hoje, contactam por computador ou por telemóvel, sendo que as mais jovens já nem se apercebem de como eram as relações humanas antes do surgimento destes gadgets que monopolizaram a comunicação societal.

Também a religião é preocupação constante de Houellebecq desde os seus primeiros livros. O escritor não acredita em Deus, mas considera que nenhuma sociedade pode sobreviver sem religião, sob pena de suicídio colectivo. No seu entendimento, a religião dá sentido à existência, embora o autor se afirme hostil a qualquer monoteísmo, em especial ao islão, ainda que neste caso (leia-se o seu anterior romance, Soumission), mais pareça tratar-se de razões pessoais.

A longa descrição da falência dos agricultores franceses devida à globalização é uma peça muito especial no contexto do romance, e a evocação de uma violenta e trágica manifestação dos mesmos prenuncia de alguma forma as manifestações dos gilets jaunes. Aliás, parece que Houellebecq é dotado de um sentido de premonição. O lançamento do seu livro anterior, Soumission, sobre a eleição de um muçulmano, de origem tunisina, para presidente da República francesa, estava marcado para o dia em que se verificou o atentado contra a revista satírica Charlie Hebdo.

Não vou contar a estória de Sérotonine, mas não resisto a uma citação: «...je subis notamment quelques rebuffades de retraités anglais (ce qui n'était pas grave, on ne peut jamais être bien accueilli par l'Anglais, l'Anglais est presque aussi raciste que le Japonais dont il constitue en quelque sorte une version allégée), mais aussi de Hollandais, qui ne me rejetaient évidemment pas par xénophobie (comment un Hollandais pourrait-il être xénophobe? il y a déjà contradiction dans les termes, la Hollande n'est pas un pays c'est tout au plus une entreprise)...» (pp. 33-4)

E ainda esta - um sentimento experimentado por tanta gente -  sobre a Quadra Natalícia: «"Vous faites quoi la période des fêtes? me demanda-t-il un peu plus tard, il faut se méfier de la période des fêtes, pour les dépressifs souvent c'est fatal, j'ai eu plein de clients que je croyais stabilisés et paf le 31 les mecs se flinguent, toujours le 31 dans la soirée, une fois qu'ils ont passé minuit c'est gagné. Il faut se représenter le truc, déjà Noël ça leur a foutu un coup, ils ont eu toute une semaine pour ruminer leur merde, peut-être ils ont eu des plans pour échapper au 31 et leurs plans ont foiré, et puis le 31 arrive et ils supportent pas, ils s'approchent de leur fenêtre et ils se balancent ou ils se tirent une balle, c'est selon. Moi j'en parle c'est comme ça mais mon boulot à la base c'est d'empêcher les gens de mourir, enfin un certain temps, autant que possible." Je m'ouvris à lui de mon idée de monastère. "Ouais c'est pas con, approuva-t-il, j'ai d'autres clients qui font ça, mais à mon avis vous vous y prenez un peu tard. Sinon, il y a aussi les putes en Thaïlande, la signification de Nöel en Asie c'est un truc que vous oubliez complètement, et le 31 vous pouvez faire glisser en souplesse, les filles sont là pour ça, vous devriez pouvoir trouver un billet, c'est moins booké que les monastères, ..."» (p. 155)

Prometo, agora, parar com as transcrições: «Une ambiance de catastrophe globale allège toujours un peu les catastrophes individuelles, c'est sans doute pour cette raison que les suicides sont si rares en période de guere,...» (p. 308

Não deixa de ser agradável constatar que o autor faz menção a um emigrante português, Joaquim da Silva, alentejano e comerciante bem sucedido em França. (p. 186)

As polémicas suscitadas por Houellebecq não se restringem aos seus livros, estendem-se às suas atitudes, declarações e tomadas de posição. O escritor, que odeia a modernidade, é misógino, anti-islâmico, xenófobo, anti-europeu (por vezes mesmo anti-francês) e próximo da extrema-direita (seja o que for que este rótulo pretenda hoje designar). Em 2008, declarou em entrevista que não via a mãe há 17 anos e que ela estaria provavelmente morta, o que levou esta a escrever um livro em que afirma: «Mon fils, qu’il aille se faire foutre par qui il veut avec qui il veut, j’en ai rien à cirer». Mas possui um inegável talento para o marketing, que todos lhe reconhecem e que mais uma vez demonstrou, dando antes da publicação do livro uma entrevista a uma revista americana em que elogia Donald Trump.

Há, todavia, no romance um aspecto que me provoca alguma perplexidade: não é apenas a obsessão do narrador (o autor?) pela sexualidade (pela heterossexualidade) mas a necessidade de referir, com abundância de pormenores, as suas sucessivas "namoradas" e a descrição das suas perfomances sexuais, recorrendo até aos pormenores mais escabrosos (coisa que, hoje, já não consegue indignar o mundo), quando ele mesmo evoca sistematicamente a sua disfunção eréctil. Esta característica não é particular a este romance, pois já se verifica nas obras anteriores. Sendo que o narrador do livro é o próprio Houellebecq (ou o seu alter ego que em muitos aspectos se confundirá com ele), poderá supor-se que a abundante referência ao sexo feminino tem por fim contrabalançar a inconfessável misoginia do autor, a menos que ele entenda que essas referências tão só reforçam a mesma. 

Atendendo, contudo, à "libertinagem" de vida que Houellebecq se compraz em exarar nos seus textos, estranho se afigura que não figure qualquer relação sexual com um, ao menos um, homem. É que esta insistência torna a heterossexualidade de Houellebecq suspeita. Se a vida e a obra se confundem (e como adivinhar o que é realidade e o que é ficção?), e embora nos registos não constem aventuras homossexuais de Houellebecq lui-même, poderá sempre perguntar-se se tamanha obsessão não provirá de um recalcamento sexual e se a sua escrita não será uma impostura. Teríamos assim um Michel Houellebecq homossexual recalcado, sublimado, disfarçado. Para quando, então, o coming out?



quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

SALÓNICA VIII - O FÓRUM ROMANO




O Fórum Romano de Salónica, a antiga Agora, está situado no fim da avenida Aristóteles, ao sul da Igreja de São Demétrio. Ocupa uma vasta superfície e a sua utilização era idêntica à dos seus congéneres espalhados pela Antiga Grécia e, depois, pelo Império Romano, isto é, um lugar de reunião dos cidadãos.





Foi descoberto por acidente, na década de 1960, quando se procedia a escavações para a construção do Tribunal Central da cidade, projecto descartado, privilegiando-se a conservação das ruínas. Uma parte do complexo primitivo encontra-se, contudo, soterrada sob os edifícios já existentes naquela zona. Além do amplo terraço de dois pisos, o Fórum incluía instalações de banhos públicos, um pequeno teatro e outros edifícios, decorados com mosaicos de que ainda restam vestígios.





A sua construção inicial terá ocorrido antes da ocupação romana, mas foi durante esta, e especialmente durante o período da Tetrarquia Imperial, que terá sido concluído na forma que as ruínas hoje revelam. Julga-se que a sua utilização durou até ao século VI. Uma parte da área foi destruída pelo grande incêndio de Salónica, em 5 de Agosto de 1917.





Lamentavelmente, como em muitos dos locais históricos da cidade, não existe um catálogo pormenorizado deste antigo e importante centro social e religioso. Alguns painéis nas instalações subterrâneas, cujas fotos se apresentam, fornecem uma escassa informação sobre a Agora durante o período otomano.











Convite para combate de gladiadores no ano 249


Nas vitrinas da galeria subterrânea são exibidas peças encontradas nas escavações.