quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

AUGUSTUS




Foi publicada muito recentemente a tradução portuguesa do livro Augustus, do escritor norte-americano John Williams, cuja edição original remonta a 1972. Confesso que não conhecia a obra, embora tenha sido então galardoada com o National Book Award, sendo que o autor, professor na universidade de Denver, publicou unicamente quatro romances. Destes, apenas Stoner teve repercussão mundial, mas só depois de ter sido traduzido para francês muitos anos após a sua edição.

Acontece que Augustus é um livro apaixonante, tratando a vida do primeiro imperador de Roma no estilo que adoptaram, também para outros imperadores romanos, Marguerite Yourcenar, nas Memórias de Adriano e Robert Graves, em Eu, Cláudio. A estrutura do livro segue o curioso modelo de uma sucessão de epístolas, que trocam entre si as principais personagens contemporâneas de  Caio Octávio César Augusto.

Através dessas cartas é-nos contada a vida desse cidadão romano, sobrinho-neto e filho adoptivo de Júlio César, que logrou tornar-se o "senhor do mundo" num período simbólico para a História da Humanidade, ou seja, dos últimos anos da era Antes de Cristo aos primeiros anos da era Depois de Cristo.

A narrativa epistolar começa com o assassinato de Júlio César nos Idos de Março e termina com a morte de Octávio. Tratando-se de um romance histórico, que menciona figuras reais e algumas inventadas, ficamos, porém, com a impressão, ou a certeza, de que a história prevalece largamente sobre a ficção, o que pode comprovar qualquer pessoa que minimamente conheça a história romana desse período.

O livro tem uma introdução do escritor Daniel Mendelsohn, de 2015, e acompanha todos os grandes acontecimentos que preencheram a vida desse rapaz magrizela, frequentemente doente mas dotado de uma indomável vontade de resgatar Roma das lutas fratricidas e de instituir um período de paz, a Pax Romana, que durou mais de cem anos, e que ficou conhecido como o Século de Augusto.

Na verdade, Augusto é uma personagem enigmática, tão enigmática como a esfinge que ostentava o seu anel oficial. Ao longo de mais de 300 páginas, John Williams consegue transmitir-nos as contradições dessa personagem, os seus estados de alma cuidadosamente resguardados, o culto de austeridade que procurou impor em Roma (austeridade que ele mesmo cultivou pessoalmente para melhor se impor ao povo), a sua dissimulada ambição (que o levou a recusar a magistratura de Ditador que lhe foi por duas vezes oferecida pelo Senado, considerando-se apenas princeps, o primeiro cidadão, mas aceitando todavia o título de Augustus, aquele que deve ser venerado). 

Na sequência do assassinato de Júlio César, em 44 AC, e da sua subsequente deificação por decreto do Senado, Octávio, que tinha então dezanove anos, passara já, para se aproveitar do prestígio do seu tio-avô, a referir-se a si mesmo como Gaius Julius Caesar Divi Filius (o Filho do Divino).  E embora recusasse as homenagens próprias dessa condição, comportou-se sempre como um deus.

São incontáveis as biografias de Octávio Augusto, desde os testemunhos dos seus contemporâneos até aos escritos actuais. O próprio imperador escreveu uma autobiografia oficial, inscrita em placas de bronze e afixada nas portas do seu mausoléu e que foi reproduzida por todo o Império: Res Gestae Divi Augusti (Feitos Realizados pelo Divino Augusto).

Todavia, o que mais se assemelha nos tempos antigos a uma biografia autorizada é a que foi redigida pelo historiador Nicolau de Damasco, amigo do imperador. A penúltima carta do livro é exactamente uma epístola de Augusto para Nicolau, em que o imperador lhe conta, sem subterfúgios, a "verdade" da sua vida. Deve dizer-se que este texto, devido à prodigiosa imaginação de John Williams, é uma das peças fundamentais da obra. 

Também John Williams inventa excertos de umas memórias, hoje perdidas, de Marco Agripa, o grande amigo de juventude de Augusto, autor das suas vitórias militares e aquele a quem o imperador entregava o governo de Roma quando se ausentava em campanhas. Marco Agripa que viria a casar com Júlia, a filha de Augusto, e que foi pai dos seus netos, prematuramente mortos, a razão porque não herdaram o Império. O mesmo Marco Agripa que mandou construir os mais notáveis banhos públicos de Roma e também o Panteão, que ainda hoje testemunha, apesar dos estragos involuntários do tempo e voluntários dos homens, a grandeza de Roma.


Augusto, dito de Prima Porta (Museu do Vaticano)

Mais do que recriar o passado, Williams sugere-o, e esse é um dos grandes méritos da sua obra. A última carta do livro, que assume a forma de epílogo, é uma carta inventada pelo autor e dirigida pelo médico grego Filipo de Atenas, que em jovem teria acompanhado os últimos momentos do imperador, ao filósofo Séneca, quarenta anos após a morte de Augusto. Nessa carta, Filipo queixa-se dos seus sucessores. Da dureza de Tibério, da crueldade monstruosa de Calígula e da inépcia de Cláudio, concluindo (ironia profunda de John Williams): «E agora o nosso novo imperador é alguém que ensinaste quando era rapaz e de quem te manténs próximo na sua nova autoridade; demos graças pelo facto de que ele reinará à luz da tua sabedoria e virtude, e oremos aos deuses para que, sob Nero, cumpra por fim o sonho de Octávio César.» Conhecemos o resultado: a loucura de Nero e o fim da dinastia júlio-claudiana.

A ordenação das cartas é propositadamente anacrónica, pois isso serviu melhor os propósitos do autor. As primeiras cartas dão ênfase à amizade entre Octávio, Marco Agripa, Caio Mecenas e Quinto Salvidieno Rufo. Estavam os quatro em Apolóna (na Macedónia) quando Octávio recebeu a notícia da morte de Júlio César em 44 AC. Tinham feito um pacto de amizade. Só Salvidieno, mais tarde, após grandes serviços prestados a Octávio, se ofereceu para passar para as hostes de Marco António antes de saber que Octávio e António se haviam já reconciliado. Octávio não lhe perdoou e Salvidieno foi culpado de alta traição e condenado. Parece que ele mesmo pôs termo à vida. Agripa e Mecenas mantiveram-se fiéis a Augusto até ao final das suas vidas, tendo morrido ambos antes do imperador. Agripa era o homem dos exércitos e das grandes construções de Roma, Mecenas era o homem da cultura e da protecção aos poetas e filósofos. Tinha também uma especial atracção por rapazes, nada de invulgar no mundo romano, mas não casara. Octávio impôs-lhe, já tarde, o casamento (branco) com Terência que, apesar das leis sobre o adultério, era amante de Octávio. Foi um casamento feliz, em que todos estavam de acordo e sabiam com o que contavam.

 
Panteão de Agripa

Registo um diálogo entre Octávio e Mecenas, inventado por Williams:
- Octávio: «O meu tio disse-me uma vez para ler os poetas, amá-los e usá-los - mas nunca confiar neles.»
- Mecenas: «O teu tio é um homem sábio.»

Como não conheço o original, não posso criticar a tradução, mas esta, ao longo do livro suscitou-me algumas interrogações, embora tenha havido cuidado na menção dos nomes latinos e na sua versão para português. O meu problema tem mais a ver com a construção das frases.

Este livro, em boa hora posto à disposição dos leitores portugueses, dá-nos a imagem (uma imagem possível) do carácter de Augusto, das suas ambições disfarçadas na modéstia de uma vida frugal, da sua vontade do poder, da impassibilidade com que sacrificava os amigos, até a própria filha Júlia (que desterrou para a ilha de Pandatária) aos interesses de Estado (aos seus próprios interesses?), em suma, de uma vida que, para além dos reais méritos da sua governação, foi uma vida minuciosamente encenada para desempenhar um papel de protagonista maximus no palco de Roma,  com o pretexto de ele ser o único capaz de salvar Roma das lutas intestinas e das invasões dos bárbaros. Augusto surgiu assim como salvador de Roma -  o salvador da "Pátria", e como tal foi aclamado! E exerceu verdadeiramente um poder absoluto (apesar do funcionamento simbólico das instituições da República) até à sua morte.

Em certa medida, a personalidade de Augusto, reportada para a nossa época, lembra-me Salazar. 


domingo, 22 de dezembro de 2019

A VIDA SEXUAL EM ROMA




Li, agora, A Vida Sexual na Roma Antiga, de Géraldine Puccini-Delbey, que comprei na data da sua edição, 2010, mas que permanecera em descanso na minha biblioteca durante quase dez anos. Trata-se da tradução portuguesa de La vie sexuelle à Rome, publicada em 2007. Importa referir que o livro está muito bem traduzido, o que a maior parte das vezes não acontece, e, por isso, aqui deixo o nome do tradutor, Tiago Albuquerque Marques, que não conheço de parte alguma mas cujo trabalho é meritório. Apenas detectei uma falha: "concelho" em vez de "conselho". Os nomes dos tradutores, que são considerados juridicamente como autores, costumam figurar em letras diminutas nas traduções portuguesas. Este livro não foge à regra.

Trata-se de uma das mais interessantes e completas obras que conheço sobre a sexualidade na velha Roma, abrangendo o período que vai da criação da Monarquia (753 AC) ao estabelecimento da República (509 AC) e ao Império (desde 27 AC até 476), ilustrando as diversas formas de sexualidade e como eram consideradas à época. A autora documentou-se pormenorizadamente, e o texto encontra-se recheado de citações de autores clássicos, como Apuleio, Aulo Gélio, Catão, Catulo, Cícero, Estácio, Horácio, Juvenal, Lucrécio, Macróbio, Marcial, Ovídio, Plauto, Plínio, o Jovem, Plínio, o Velho, Plutarco, Propércio, Quintiliano, Salústio, Séneca, Tácito, Terêncio, Tito Lívio, Varrão, Virgílio, etc.

Não é fácil condensar em poucas linhas a longa dissertação de Géraldine Puccini-Delbey, pelo que farei apenas breves considerações e transcreverei tão só alguns trechos do texto que me pareçam mais importantes, especialmente destinados àqueles que se encontram pouco familiarizados com os costumes romanos. Importa, porém, notar desde já que a autora refere várias vezes a diferença existente entre as sexualidades das antigas Grécia e Roma, que muita gente supõe serem semelhantes.

O primeiro capítulo é dedicado à Instituição do Casamento, fundamental em Roma. Escreve GP-D: «O matrimonium romano é uma instituição que implica uma mãe (mater). Devemos a Benveniste o ter mostrado a singularidade do nome latino do casamento (matrimonium), que significa "condição legal de mater": "O casamento é o estado da mãe ao qual se destina a rapariga. A ideia que está implícita na palavra é a de que um homem se casa com uma mulher, in matrimonium ducere, 'para dela obter filhos' segundo a formulação legal"» (p.31)

Na maioria das vezes o casamento não é efectuado por amor mas por conveniências económicas e sociais e destina-se essencialmente à procriação. A concepção romana do casamento, devido à "emancipação" da mulher, encontra-se profundamente alterada nos nossos dias.

Como se verificará ao longo da obra, o Cristianismo apoderou-se neste campo, e também noutros, da organização romana.

A idade mínima para a realização de um casamento válido era de 12 anos para as raparigas e de 14 anos para os rapazes.

«A maturidade física dos jovens é, portanto, o critério mais importante, ainda que a consumação do casamento não seja necessária para que ele seja reconhecido como válido. A entrada na idade adulta - simbolizada pela adopção da toga branca, no lugar da praetexta, bordada a púrpura e marcada pela aquisição de plenos direitos enquanto cidadão - parece situar-se no meio da adolescência, por volta dos 15-16 anos, para os poucos indivíduos acerca dos quais dispomos de informação.» (p.36)

«Um casal idoso pode também ser objecto de censura pública: Plínio, o Jovem, relata que se criticou vivamente a união, considerada inconveniente, entre "uma mulher de ilustre nascimento, já no declínio da vida, viúva há muito" e "um rico velhote paralítico". A Lex Iulia de maritandis ordinibus de 18 AC, quanto aos casamentos de ordens, e a Lex Papia Poppaea de 9 DC (baptizadas com o nome dos dois cônsules que as propuseram) proíbem o casamento às mulheres de mais de cinquenta anos e aos homens de mais de sessenta. Um casamento para além desses limites é um escândalo, porque os membros do casal, considerados estéreis, evidentemente não se casam para ter filhos, mas apenas para satisfazer as suas pulsões sexuais (ad libidinem). (pp. 38-9)

«[Depois do casamento] O escravo masculino favorito, que fazia as delícias do seu senhor, passou a ser inútil (concubinus iners). Apesar da sua tristeza, deverá aceitar a ruptura e retomar o seu lugar entre os escravos vulgares.» (p. 43)

«Na época clássica subsistem três proibições que qualquer esposa que quer preservar a sua honra deve cumprir: fazer amor durante o dia; fazer amor sem ser no escuro; despir-se. Fazer amor em plena luz é um acto considerado como uma libertinagem desavergonhada, reservado às prostitutas.» (p.46)

«No decorrer do casamento, a questão da intimidade do casal é delicada. Com efeito, as luxuosas casas romanas dispõem de muitos criados, uma família que não deve deixar ao casal proprietário nenhuma intimidade. Estará ele só no quarto conjugal? Nem sempre: um ou vários escravos podem estar perto da cama. É frequente que os escravos durmam à porta dos esposos e os vigiem. "Os escravos frígios masturbavam-se do outro lado da porta, sempre que a mulher de Heitor cavalgava o marido", goza Marcial num dos seus epigramas.» (p. 47)

«O historiador Paul Veyne considera que ocorreu uma modificação significativa aquando da transição da República para o principado, analisando-o como se segue. Para ele, a moral da época republicana é "uma moral cívica": até ao século I da nossa era, o romano é, antes de mais, um ciuis, um cidadão que deve preencher todos os seus deveres cívicos, Um dado relato mostra que o casamento é, entre outros, um dever perante a pátria. Por volta do ano 100 antes da nossa era, um censor declara perante uma assembleia dos cidadãos: "O casamento é fonte de problemas, todos nós o sabemos; no entanto, devemos casar por civismo."» (p. 54)

«Com a chegada de Augusto ao poder, o papel dos homens muda: de cidadãos militantes durante a República, passam a ser ilustres locais, súbditos fiéis do imperador, submissos a um poder cada vez mais tirânico que os retira dos debates políticos do fórum. O autocontrolo, qualidade necessária para quem quer governar, deixa de ser uma virtude cívica para ser um fim em si. Tal é o ideal do estoicismo, corrente filosófica dominante na época imperial. Segundo Paul Veyne, essa corrente prega uma "nova moral do casal". O homem romano deve mostrar-se, oficialmente, um esposo bom e respeitar a esposa. Esta mutação cultural também é favorecida por platónicos como Plutarco, que considera o amor conjugal como uma forma superior de amizade.» (pp. 54-5)

«O estatuto matronal é constituído por normas que visam preservar a matrona de qualquer contacto que a possa "manchar". A codificação estrita do traje feminino faz parte dessas normas. Horácio opõe claramente os dois tipos de trajes que permitem distinguir uma "mulher honesta" de uma prostituta. O primeiro é o de todas as esposas romanas legítimas, viúvas ou divorciadas, que apenas deixa entrever o rosto, sendo constituído por um "vestido comprido até aos pés", a stola, de cor branca, sobre a qual se coloca um casaco, a palla, cujo véu é colocado sobre a cabeça para sair. A stola é, por vezes, completada pela instita, um véu cosido na parte inferior do vestido que chega a esconder os pés da matrona mais preocupada com a sua virtude. O segundo traje é o da prostituta que sai; o véu é colocado para trás e veste-se uma toga por cima de uma túnica curta, de cores vivas, proibidas às mulheres honestas, e de tecido leve, ou até mesmo transparente: permite-lhes exibir os seus encantos e não "enganar sobre a mercadoria", como Horácio realça com humor. O amarelo está reservado sobretudo às prostitutas.» (p. 57)

«A castidade (pudicitia) e o pudor (pudor) são as qualidades morais mais importantes que a esposa deve manifestar. Esta noção de "pudor" vai muito além da reserva virtuosa. Com efeito, ela designa precisamente a pureza sexual da mulher, a integridade física do corpo livre, isto é, a virgindade para uma jovem, a fidelidade sexual para uma esposa. ... Toda a relação adúltera seria uma mancha irremediável que a mulher iria transmitir pelo sangue. Os Antigos acreditavam que o esperma do homem se misturava com o sangue da mulher. Além disso, uma mulher adúltera ou violada mistura o sangue de um estrangeiro com o seu, perdendo assim a sua pureza, necessária para garantir uma descendência legítima. Este tabu arcaico da mancha física torna-se, com o tempo, um valor moral que distingue a mulher honrada das outras.» (p. 59)

«O verdadeiro dote de uma esposa são os bons costumes, as suas virtudes. O teatro de Plauto defende esta ideologia. Cinco séculos mais tarde Apuleio retoma esta ideia nos mesmos termos. A castidade é um dote muito mais importante do que o dote pecuniário.» (p. 60)

«O cúmulo da virtude para uma esposa pudica ou casta é de ser uniuira, isto é, apenas conhecer um marido. Apesar da multiplicação dos divórcios e dos novos casamentos no final da República, a moral pública continua a elogiar o casamento único e louvar os méritos da esposa que se casou apenas uma vez. » (p. 61)

«Os epitáfios que afirmam que uma mulher foi casada uma única vez são numerosos, mas tornam-se muito raros quando se trata de um homem. Estamos perante uma virtude tipicamente feminina. Com Tácito, o elogio das qualidades de Germânico é único no seu género; menciona que ele apenas conheceu um casamento e que só teve filhos legítimos. Valério Máximo salienta que Germânico apenas teve relações sexuais com a sua esposa, comportamento excepcional para um homem e digno de ser citado.» (p. 61)

«No que diz respeito ao casamento mais divulgado no final da República, o casamento site manu, o divórcio tanto pode ser obtido pelo homem como pela mulher, e sem recorrer à menor formalidade judicial. O primeiro divórcio mencionado pela tradição teria ocorrido em 231 AC: um cidadão ter-se-ia separado da sua esposa porque ela não podia ter filhos.» (p. 62)

«Uma viúva rica volta a casar ou fica com vários amantes. Com efeito, algumas optam pela preservação dessa condição, para serem livres de amar e poderem controlar a sua vida, assim como a sua fortuna. Um exemplo célebre é o de Clódia, a irmã de Clódio, inimigo de Cícero: o seu comportamento de mulher só, após a morte do marido, choca a moral tradicional, e ela é acusada se comportar como uma prostituta. Cícero, sem a nomear directamente, descreve o género de "mulher que não casou" e que abre a sua casa a todos, que se instala na vida de prostituta, participa em banquetes em Roma, em Baías, e que dos seus jardins nas margens do Tibre, gosta de observar os jovens banhistas para escolher, a cada dia, as suas boas fortunas. Aliás, devido à lei juliana sobre o adultério, uma mulher viúva que tenha uma relação corre o mesmo risco que uma mulher casada, podendo ser perseguida judicialmente por impudicitia, isto é, por violação da integridade sexual de um corpo livre por acto de stuprum (relação sexual ilícita). Nesse sentido, durante o principado, as viúvas não beneficiam de uma maior liberdade sexual do que as mulheres casadas do ponto de vista jurídico. No entanto, a emancipação feminina ocorrerá realmente a partir do último século antes de Cristo.» (pp. 62-3)

«Para os homens, tudo se passa de maneira muito diferente. Um homem viúvo pode servir-se das suas servas, pode voltar a casar ou manter simplesmente uma ou várias concubinas. A legislação instaurada por Augusto parece sugerir que são inúmeros os homens em idade de procriar que não se casam após um divórcio ou a perda de uma esposa, preferindo instalar-se numa vida de concubinato.» (p. 63)

Num segundo capítulo, a autora aborda as relações sexuais fora do Casamento.

«Uma definição de adultério em Quintiliano mostra que se trata de uma relação sexual extramatrimonial que envolve uma mulher casada: "O adultério consiste em ter relações sexuais em casa com a mulher de outro." O uso normativo não define como adultério a situação de um homem casado que tem uma amante (paelex). Portanto, a obrigação de fidelidade conjugal existe apenas para as mulheres romanas.» (p. 65)

«Por outro lado, o adultério de uma esposa não parece macular a honra do marido, excepto no caso em que a ligação adúltera é agravada por um transgressão social. Por exemplo, Lívia Júlia, esposa de Druso, enganando-o com Sejano, prefeito das cortes pretorianas de Tibério, "desonra-se a ela, aos seus antepassados e aos seus descendentes por causa de uma relação adúltera com um homem oriundo de um município." Plínio, o Jovem, participa num julgamento presidido por Trajano, no decurso do qual é ouvida Galita, acusada de adultério. Esposa de um tribuno militar destinado à dignidade de senador, "ela tinha manchado a sua honra e a do seu marido amando um centurião", isto é, um homem pertencente à classe inferior dos cavaleiros. Estes dois amantes suportaram os rigores da lei Iulia: o centurião foi despromovido e banido; a esposa perdeu metade do seu dote, um terço dos outros bens, foi relegada para uma ilha e obrigada a vestir a toga das cortesãs em vez da stola das matronas. (pp. 65-6)

«No interior da classe governante, os erros públicos e privados são expostos. Assim, ninguém está dispensado de prestar contas da sua vida privada perante a opinião, nem mesmo os imperadores e a sua corte. Quando tem conhecimento do deboche da sua própria filha Júlia e, depois, da sua neta, Augusto descreve o seu comportamento transgressivo numa mensagem ao Senado e num édito ao povo; manda exilar a filha primeiro para a ilha de Pandateria, depois para Regium. Quando Cláudio soube dos excessos da sua esposa Messalina, fez um discurso de circunstância à sua guarda imperial descrevendo as infidelidades da esposa e prometendo que nunca mais voltaria a casar-se, visto que, decididamente, o casamento "não lhe assentava bem". Nero aproveita-se desta prática tradicional para causar a perda da sua mulher Octávia. Acusa-a num édito de ter tido relações com Aniceto, prefeito da frota, e de ter posteriormente abortado; em seguida, exila-a para a ilha de Pandateria, antes de a mandar assassinar.» (p. 67)

«Não há conhecimento da existência de nenhuma lei genérica sobre o adultério durante a República. Cícero espera que César reprima os comportamentos sexuais ilícitos durante a sua ditadura. Este condena, com efeito, à pena de morte um dos seus libertos por ter tido uma relação adúltera com a esposa de um cavaleiro, mas nada prova que ele tenha tomado medidas gerais para regular  moralidade sexual.» (p. 68)

«É Augusto quem faz votar uma legislação importante que visa essencialmente as classes altas. Ela é revolucionária porque, pela primeira vez, questões que pertenciam até então ao domínio privado, à autoridade do paterfamilias, ficaram, daí em diante, sob a alçada do Estado. O contexto sócio-histórico proporciona isso. Os historiadores moralistas que escrevem a partir do final da República deploram à saciedade a decadência dos costumes romanos e atribuem-na, em geral, à influência amolecedora e nefasta da Grécia e do Oriente, cuja conquista permitiu a descoberta de uma vida feita de elegância e de luxo, ao inverso da vida rude e austera dos romanos dos primeiros tempos da época republicana» ... Escreve Salústio: «"é lá [na Ásia] que pela primeira vez o exército do povo romano ganha o hábito de amar, de beber, de admirar as estátuas, os quadros de pintura, os vasos cinzelados" ... "Os homens desempenham o papel sexual pertencente à mulher e as mulheres oferecem-se a qualquer um."» (p. 69)

«É então que Augusto decide "corrigir os costumes" por decreto, como tentarão fazer em seguida Domiciano e os Severos. Com três leis - as leges Iuliae de adulteriis coercendis e de marintandis ordinibus em 18 AC e a lex Papia Poppaea em 9 AC - Augusto revoluciona o direito da família romana. [...] A lex Iulia proíbe os casamentos entre senadores, os seus filhos, netos e libertos, actores e filhos de actores.» (p. 70)

«Se [um homem] tira partido do adultério da sua esposa, torna-se ele mesmo culpado de proxenetismo (lenocinium). É a acusação que lança Apuleio no decurso da sua exposição de defesa, pessoal e apaixonada, contra um dos seus adversários, Herénio Rufino, que prostitui alternadamente a esposa e a filha e que vive, assim, dos encantos delas.» (p. 71)

«O esposo pode matar o amante com toda a impunidade, na condição de que este esteja tocado pela infâmia em função da sua profissão, ou se pertencer às categorias mais humildes, ou seja, se for proxeneta, prostituto, actor, bailarino, cantor de palco, ou se já tiver sido condenado na justiça, se for um liberto do marido, da esposa, do pai, da mãe, do filho, ou da filha, de cada um deles, ou ainda se for escravo. Esta lei augustiniana não autoriza a vingança privada contra cidadãos de estatuto social respeitável.» (p. 72)

«Se os cidadãos, casados ou não, podem usar sexualmente os seus escravos, uma mulher de condição livre é culpada de adulterium se o seu parceiro sexual é de condição servil.» (p. 74)

«Ao lado da união legal existe um outro tipo de relação que consideramos actualmente como quase marital, mas que, na mentalidade dos juristas romanos, não faz parte da esfera conjugal: o concubinato (concubinatus). Este abrange dois tipos de relação: uma relação extramarital de um homem que não tem intenção de casar com uma concubina, ou então uma relação monogâmica entre um cidadão e uma mulher que ele não pode desposar, entre um soldado e uma mulher, ou entre dois indivíduos libertos. [...] Certos escravos (homens ou mulheres) são comprados unicamente com o objectivo de estarem ao serviço do senhor e de serem "concubinos"» (p. 79)

«O soldados constituem um caso particular, pois são constrangidos a recorrer a este tipo de união [concubinagem] não sancionada pelo casamento. Parece que foi Augusto  que lhes vedou o casamento. Até à reforma, eles vivem em concubinagem, manifestamente tolerada pelas autoridades militares, ainda que a presença de mulheres, mesmo em tempo de paz, esteja em teoria proibida no exército.» (p. 82)

«Segundo Paul Veyne, a Itália romana, no século I AC e também depois, contaria com um ou dois milhões de escravos, para cinco ou seis milhões de homens de condição livre. A instituição do casamento é interdita aos escravos, desprovidos de personalidade jurídica até ao terceiro século da nossa era: "entre escravos e libertos, o casamento (matrimonium) não pode acontecer, mas a coabitação (contubernium) pode." (p. 83)

«Qualquer que seja o seu sexo, o escravo preenche uma segunda função para o seu proprietário - a de estar ao serviço do seu prazer. Na relação que os liga ao seu senhor, têm o papel de pueri delicati  (escravos masculinos favoritos), de concubinae (escravas femininas concubinas) ou de alumni (crianças bastardas nascidas de uma mãe escrava). O senhor dispõe dos seus escravos como de qualquer outro objecto sexual. A completa disponibilidade sexual dos seus corpos para uso do proprietário advém da situação institucional do seu estado, de sujeição absoluta, e do poder ilimitado do dominus. Propriedade do seu senhor, em teoria o escravo não tem qualquer direito sobre o seu corpo. Se o escravo é do sexo masculino, deve em princípio desempenhar o papel de passivo (impudicitia) na relação sexual com o seu senhor, em virtude do princípio segundo o qual "a impudicitia num escravo é uma obrigação."» (pp. 86-7)

«Uma particularidade da sociedade romana é a de reconhecer à prostituição um lugar no seu seio, até de a encorajar, embora marcando de infâmia os que vivem dela. A infamia é, a bem dizer, a ausência de reputação, de honra pública (fama), e todos os que são por ela atingidos - prostitutas, actores, gladiadores - perdem o seu estatuto de cidadãos do mesmo modo que perdem a protecção da lei concedida ao corpo do cidadão, podendo ser atacados, mutilados ou violados com toda a impunidade.» (p. 89)

«O Digesto define as prostitutas (meretrices) como as mulheres "sobre as quais não se comete delito sexual" (stuprum) e Ulpiano, como sendo "aquelas que fazem dinheiro com o seu corpo"» (p. 90)

«Em última análise, as prostitutas exercem um pouco por todo o lado. É Constantino quem manda construir um porneion em Constantinopla, proibindo que as prostitutas exerçam noutro sítio. Foi o primeiro "Eros Center", para utilizar a expressão de Bettina Stumpp!» (p. 94)

«A prostituição masculina não é tão conhecida quanto a feminina, porque é muito pouco referida nos textos literários. No entanto, os juristas consideram-na nos seus textos legais. Um do termos mais comuns, o substantivo scortu, de género neutro e de conotação pejorativa, tanto designa a prostituição masculina como a feminina. Uma lei inscrita numa tábua de bronze descoberta na cidade de Heracleia, no Sul de Itália, e identificada como sendo a lex Iulia municipalis de 45 AC estipula que os homens que vivem do corpo não podem participar nos conselhos municipais das pequenas cidades. A prostituição masculina também é legal e sujeita a um imposto do Estado. Uma inscrição encontrada em Preneste, no Lácio, oferece um calendário de festas, informando-nos de que o 25 de Abril, aquando do festival Robigalia, é dia de folga para os prostitutos romanos (pueri lenonii), "já que o dia anterior é dia de folga das prostitutas (meretrices)".» (p. 103)
 
«Certos prostitutos são pagos para penetrar os clientes. É provável que este tipo de comércio sexual tenha existido na Atenas clássica, mas nenhum texto o menciona, ao passo que as fontes romanas o referem abertamente. Névolo é pago para penetrar o patrão e a esposa deste: "É fácil e agradável enterrar o meu pénis nas tuas entranhas e encontrar o jantar da véspera? O escravo que cava um campo não será tão infeliz como aquele que cava o seu próprio senhor" (Juvenal)» (p. 103)

«Em Satiricon, de Petrónio, o herói narrador Encólpio [um jovem] é conduzido sem saber por uma velha matreira até um bordel, onde encontra, estupefacto, o seu amigo Ascilto [outro jovem], que também ali fora levado por um pai de família que pretendia obter os seus favores sexuais. [...] Tanto os actores como as actrizes excitam as paixões dos homens e das mulheres. [...] De acordo com Plutarco, o ditador Sila teve uma longa relação com o actor Metróbio. Tácito conta que Mecenas esteve muito apaixonado pelo actor Batilo, e Messalina pelo pantomimo Mnester. [...] Nas fontes literárias, a clientela destes prostitutos é sobretudo masculina. » (p. 104)

«A religião romana é particular no sentido em que não dá, como a maioria das religiões actuais, prescrições  relativas à sexualidade. Apenas os cultos estrangeiros, de origem oriental, prescrevem para os seus adeptos obrigações de abstinência sexual temporária.» (p. 104)

«O culto do falo está associado à religião do Liber Pater, o deus da germinação, religião que se espalhou em Itália por volta do final do século III AC. Aquando da festa dos Liberalia. que tem lugar a 17 de Março, uma procissão transporta numa carroça um falo, inicialmente nos caminhos rurais, depois até ao centro da cidade, para simbolizar o próprio deus. Nessa ocasião, os jovens envergam a toga viril para se tornarem cidadãos livres. A invocação do deus da fecundidade permite-lhes assegurar-se da sua capacidade de procriação, e as palavras obscenas lançadas durante a cerimónia têm um valor apotropaico.» (pp. 107-8)

 O capítulo terceiro trata do Amor Masculino.

«Apreciar a forma como os romanos pensaram as relações sexuais entre homens implica uma reflexão mais geral acerca da noção de género - a qual não passa pelo sexo biológico, mas sim pelo estatuto social - e sobre a noção de masculinidade, que apenas diz respeito à elite dos cidadãos livres. O corpo masculino é um objecto sexual como qualquer outro para os homens, quer seja o de um homem livre, o de um escravo ou o de um liberto. Esse tipo de relações sexuais é um acto "neutro" em si, mas tal neutralidade não exclui um julgamento quando esse acto interfere com outros valores socialmente reconhecidos, e deve ser compreendida no interior de certos limites. [...] A análise de Paul Veyne influenciou consideravelmente os estudos em matéria de sexualidade antiga. O autor caracteriza o romano livre por uma "bissexualidade activa", uma sexualidade viril, conquistadora e dominadora. Vê na oposição passivo/activo a estrutura essencial da relação sexual do homem romano com o seu ou a sua parceira. O rapaz escravo, tal como a mulher, só existe em relação ao olhar do desejo do homem cidadão, e este objecto sexual tem por função, também, ser perseguido ou penetrado. O cidadão romano deve ser quem penetra. O papel passivo seria o da indignidade. Assim, nas relações sexuais entre dois homens, o papel activo seria tolerado e aceite, enquanto o papel passivo seria condenado, uma vez que o homem livre perderia nele a sua masculinidade. [Esta análise foi recentemente posta em causa pela obra de Florence Dupont e Thierry Éloy, L'érotisme masculin dans la Rome Antique] » (p. 109)

«Uma relação sexual entre homens pode ser uma relação entre um cidadão livre e um escravo, um liberto ou um não-cidadão, geralmente mais jovem, com os quais a liberdade sexual é praticamente ilimitada. O estatuto de escravo implica uma ausência de autonomia, um controlo absoluto por parte do seu senhor, ou seja, uma submissão total e uma aceitação sem reservas de todas as suas exigências. O seu corpo não lhe pertence, mas ao seu proprietário. O escravo é, obrigatoriamente, um pathicus, aquele que desempenha o papel passivo na relação sexual. [...] A origem destas relações masculinas divide os investigadores em dois campos. Uns pensam que se trata de uma prática que os romanos foram buscar à Grécia, enquanto outros, como Paul Veyne, Eva Cantarella ou Craig A. Williams concluem que se trata de um fenómeno nativo. Os trabalhos de investigação de Saara Lilja, apoiando-se na lembrança de vários incidentes que ocorreram com cidadãos livres em data anterior ao teatro de Plauto, confirmam a origem não grega destas práticas sexuais, demonstrando ainda que, nas comédias de Plauto, as alusões a relações sexuais entre escravos e senhores são frequentes, estando ausentes da nova comédia grega. É a relação sexual que envolve um jovem rapaz livre (e não todas as relações sexuais entre homens) e que se insere na tradição helénica da pederastia que é vista pelos romanos como sendo uma prática grega (a expressão mos Graecorum é quase seu sinónimo). » (pp. 110-1)

«Porém, [se] a cultura grega é adoptada, no seu todo, pelos romanos, a pederastia, elemento essencial da educação dos jovens na Grécia, é, contudo, uma prática que choca a moral romana e que, por isso, nunca poderá tornar-se um modelo cultural. Os amores masculinos são, certamente, aceites pelos romanos, mas a pederastia, no sentido restrito do termo, ou seja, o amor de jovens rapazes livres, é objecto de uma violenta rejeição, redobrada pela recusa da nudez do corpo masculino. [...] Cícero denuncia, com ironia, os amores gregos entre um homem adulto e um jovem rapaz livre: "O que é, na verdade, esse amor da amizade? Porque é que ninguém ama um jovem feio ou um velho bonito? A mim parece-me que esta prática nasceu nos ginásios gregos, onde estes amores são livres e autorizados."» (p. 111)

«Os romanos tentam a todo o custo afastar a juventude de condição livre deste costume grego. Não é uma questão de sexo, mas de estatuto social. Aos seus olhos, estes amores têm a ver com stuprum e, constituindo uma ameaça à integridade física de um corpo masculino, desonram-no irremediavelmente. Este desejo sexual é, em contrapartida, tolerado se o seu objecto não for um jovem cidadão de condição livre. A pederastia está ligada ás relações entre homens livres e escravos, exclusivamente em função do prazer. A erotização do corpo dos rapazes é óbvia, o desejo que provoca é natural, mas o cidadão só pode tentar satisfazer-se com um escravo ou um liberto. Séneca, o Reitor, numa polémica, põe na boca de um cônsul que defendia um liberto acusado de ter cedido ao desejo sexual do seu senhor: "a impudicitia num homem livre é um crime; num escravo, um dever; num liberto, um serviço". Até Cícero, que exprime o receio dos romanos de verem o modelo pederástico grego insinuar-se na educação dos jovens romanos livres, compõe versos eróticos para o seu secretário, o liberto Tiro, e queixa-se, segundo Plínio, o Jovem, por Tiro lhe ter recusado, caída a noite, os beijos que lhe devia após o jantar. Não há aqui nenhuma contradição.» (p. 112)

«A adolescência masculina constitui um período muito vulnerável, e, por isso, é preciso protegê-la, pois esta exerce uma atracção muito forte sobre os outros homens. Juvenal avisa os pais que geraram um filho dotado de beleza corporal que se preparem para uma vida de miséria e angústia, porque "é raro o acordo entre a beleza e a pureza sexual". [...] Tal como escreve Thierry Éloi, "tal proibição, em Roma, da pederastia grega é deveras surpreendente numa cultura que não faz do erotismo masculino uma proibição sexual se este for praticado entre os escravos e os libertos". O autor procura compreender os fundamentos culturais desta proibição e analisar "a ruptura que separa Roma da paideia, ou seja, da educação aristocrática grega e da pederastia que provocava". Na sua opinião, "a recusa da pederastia grega em Roma não é uma repulsão sexual, mas sim um interdito político".» (p. 113)

«O modelo pederástico pedagógico grego é, portanto, impossível em Roma. No entanto, é um fantasma que alguns poetas perseguem ao longo das suas obras. O mais ilustre de entre eles, Virgílio, interessou-se particularmente pelas relações masculinas. No Canto IX da Eneida, Niso e Euríalo formam um casal troiano masculino perfeito. E a sua segunda écloga é frequentemente interpretada como sendo, em parte, autobiográfica: segundo uma tradição relatada por Marcial, por Apuleio e pelos biógrafos antigos de Virgílio, este ter-se-á apaixonado pelo jovem escravo Alexandre, que conheceu em casa do seu protector e amigo Polião, segundo Apuleio, ou em casa de Mecenas, segundo a versão de Marcial; este ter-lhe-á oferecido um presente e, em troca, Virgílio terá dedicado a sua segunda bucólica ao seu benfeitor. Esta constituirá a queixa amorosa do poeta, que cantaria sob a máscara de Córidon o seu desejo não entendido por Aléxis. Comprovaria ainda que o modelo pederástico existe em Roma. Ora, na explicação biográfica da génese do poema, não poderá existir amor pederástico, uma vez que Alexandre, sendo um escravo, não é mais do que um objecto sexual que circula de um homem para o outro, no âmbito de uma oferta e, em seguida, de uma contra-oferta.
Já o poema transforma Alexandre em Aléxis, um escravo romano numa criança grega livre, erómeno cortejado por um erasta. Duas realidades sociais inconciliáveis. Thierry Éloi demonstrou, com perspicácia, que este poema não dá conta da apropriação de um comportamento erótico grego pelos romanos, mas que deseja ser a imagem inatingível do país grego fantasiado por eles. "[...] Estas imagens gregas do amor não deixavam os romanos eroticamente indiferentes. O que Virgílio planeava na perseguição de Aléxis por parte de Córidon era a fantasia inacessível aos romanos da pederastia grega." Os casais masculinos de heróis na Eneida perseguem, também eles, o sonho de relações pederásticas com base num modelo educativo e espiritual. Também nas Metamorfoses, Ovídio exalta a forma mais nobre de pederastia, a paedeia, a propósito de Apolo que se enamorou do jovem Jacinto.» (pp. 113-4)

«A obra que se interroga verdadeiramente sobre os amores masculinos e que, na posteridade, se tornou a obra de referência para os homossexuais da nossa época é o Satiricon, de Petrónio. O elo unificador dos diferentes episódios que relatam a vagabundagem incessante do herói narrador Encólpio de lugar em lugar, de pessoa em pessoa, cuja disparidade é infelizmente acrescida pelo aspecto lacunar do texto, reside provavelmente no grande amor de Encólpio pelo seu jovem amigo Gitão. Gitão, ficção de um puer delicatus, objecto de todas as tentações, objecto por excelência do desejo de todas as outras personagens, masculinas e femininas. A estrutura narrativa é a de uma relação amorosa "triangular", conflituosa na sua essência: o casal que Encólpio e Gitão formam é posto em causa por uma terceira personagem (o amigo Ascilto, o poeta Eumolpo ou a mulher Trifena). Ascilto é o primeiro a roubar Gitão a Encólpio. Depois, Eumolpo, engana, por sua vez, o seu amigo levando Gitão, que entretanto se torna seu cúmplice. As ocasiões de perda e, depois, de reconquista de Gitão multiplicam-se.» (p. 115)

«As instituições republicanas instauraram também uma repressão que demonstra uma vontade estatal de proteger a moral pública e, principalmente, a honra dos cidadãos livres, apesar de provavelmente não existir nenhuma lei específica. A proibição sobre as crianças de nascimento livre é tão forte, que um édito é lançado, no século II AC, contra todos aqueles que perseguem matres familias e crianças menores. Os magistrados encarregados do caso decidem, por vezes, impor uma punição exemplar à pessoa que cometeu um acto contrário à pudicitia para com uma pessoa de condição livre e do mesmo sexo.» (p. 116)

«Os cônsules proibiram o culto de Baco [a iniciação nos mistérios báquicos supunha a violação dos jovens] e lançaram~se na sua repressão. [...] Vários cidadãos foram acusados de terem participado em orgias e de se terem envolvido entre si em relações sexuais. Sete mil "conjurados" foram presos, executados ou aprisionados. A repressão deste escândalo mostra quanto a sociedade romana receia os perigos do sexo e do prazer para os jovens, porque o stuprum que os corrompe e os submete os torna potenciais criminosos políticos, desviando-os dos seus deveres cívicos.» (pp. 117-8)

Nos vários incidentes que o livro relata, o que está sempre em causa não são as relações homossexuais mas o estatuto do cidadão livre, e o que é condenado é a sua actividade enquanto sujeito passivo (pathicus). Há uma lei que parece condenar as relações entre homens, provavelmente a lex Scantinia,  de que se ignora a data e cujo texto não chegou aos nossos dias. Deveria ter sido publicada entre 227 AC e 50 AC. Gabínio supõe que a lei não existia na época republicana , nem na de Augusto, e sugere que se trata provavelmente da lei pela qual Domiciano proíbe a castração. 

«Para um cidadão romano rico, o banquete é o local privilegiado do prazer [...] O ambiente do banquete e a sua sociabilidade permitem o eclodir de um erotismo masculino ideal, precioso, requintado e aristocrático, cuja figura central é o escravo favorito (puer delicatus, também designado deliciae), "a face luminosa do seu avesso sórdido, o cinaedus". Esta criança de longos cabelos representa a beleza e delícia do seu senhor. Plutarco define essa realidade tipicamente romana como "um pequeno rapaz de prazer", isto é, um brinquedo, não necessariamente sexual, ao dispor do seu amo. Pode ser simplesmente pela sua presença, uma forma de divertimento, como mostra o exemplo de Augusto, que procura "crianças cuja face e expressão sejam agradáveis, sobretudo mouros e sírios", para brincar aos dados, aos ossículos, ou às nozes."  (pp.120-1) 

[Acho que Augusto tinha bom gosto quanto às etnias, mas duvido que se ficasse só pelas brincadeiras...]

«Uma observação de Plutarco confirma que "para homens de idade, não é nem desonroso nem vergonhoso amar escravos machos na flor da idade, como provam as comédias." [...] A presença de jovens escravos machos é, a partir do século II AC, um elemento essencial do luxo e do requinte que o banquete deve oferecer aos nobre romanos. Tudo o que for luxo e volúpia em Roma é, simbolicamente, grego. Estes jovens escravos romanos são transformados em criados gregos, cujo modelo é Ganimedes, o efebo amado de Zeus que, uma vez levado pela águia, serve como criado no banquete dos deuses.» (p. 121)

«Estes escravos particulares mantêm frequentemente relações privilegiadas com o senhor da casa e ocupam a posição de concubinus, aquele que dorme com o amo. A presença destes favoritos mimados pelo pai de família, ao lado da esposa oficial, é considerado como normal e aceite pela sociedade. Num dos seus epigramas, Marcial lembra a uma mulher que esta deve aceitar a presença dos escravos junto do seu marido e não os considerar como rivais. Com efeito, eles são mais úteis a ela do que ao marido: "É graças a eles que és a única mulher do teu marido; dão-lhe o que tu, a tua esposa, recusas dar-lhe.» [...] De acordo com Plutarco, os imperadores, incluindo Augusto, mantêm delicati. Alguns chegam a ser elogiados pelos poetas da corte: é o caso do delicatus do imperador Domiciano, o eunuco Eárino, e o de Adriano, o célebre Antínoo.» (p. 123)

«Thierry Éloi mostrou a ambiguidade profunda destes jogos infantis pintados por Estácio e que levam a uma extraordinária transgressão simbólica, "como se a desordem das relações revelasse uma dimensão erótica, um fantasma, do amor dos pais romanos para com os seus filhos. Como se a condenação romana da pederastia grega fosse inseparável de uma patria potestas, indo até à apropriação da beleza dos filhos. Esta apenas pode ser realizada fisicamente através da adopção de escravos, permitindo que o filho seja também o amante". » (p. 123)

«[...] Com efeito, estes escravos, mesmo libertos pelo seu senhor e muitas vezes seus herdeiros, ficarão para sempre com as marcas do selo da infâmia. Correm sempre o risco de serem considerados cinaedi de corpo obsceno, cansados pela função sexual que assumem, depois do banquete, na cama do seu amo ou dos seus convidados. Séneca denuncia a sua triste condição e o tratamento sexual que sofrem: "Passo pelos tristes rebanhos de rapazes que esperam, no final do banquete, outros ultrajes no quarto. Passo por batalhões de rapazes, já adultos, classificados por raças e cores, de  modo a reuni-los consoante o mesmo tipo de pele, a mesma penugem no queixo, o mesmo aspecto do cabelo, para que os de cabelos lisos não sejam misturados com os de cabelo ondulado." O aparecimento da primeira barba significa o fim da adolescência e a entrada na idade adulta. Em geral, tal acontece por volta dos vinte anos, ou pouco depois: doravante o jovem não deve ser um objecto de desejo para os outros homens, não deve ter o papel passivo.» (p. 125)

«Os escravos prostitutos que já não se encontram na fase da adolescência imberbe formam um grupo próprio, para o qual existe um termo técnico, exoleti (literalmente "aqueles que cresceram"). Nero instaura, nos seus grupos de exoleti, a classificação por idade e por especialidade sexual (scientia libidinum). É uma realidade cultural que não tem equivalente na sociedade grega, onde o homem adulto deixou de ser um objecto sexual desejável. [...] Séneca denuncia a ambiguidade do escravo que "é homem no quarto de dormir, criança na sala de jantar"» (p. 126)

«Em várias fontes literárias, existem algumas alusões, embora raras, a casamentos entre homens. No entanto, não existem fontes jurídicas que as comprovem. A alusão mais antiga é de Cícero, a propósito de Marco António, que, durante a sua juventude, se prostituía e "foi registado num casamento seguro e estável" por Curião, como se este lhe tivesse dado uma stola, o vestuário característico da matrona romana. [...] Juvenal, na sua segunda sátira, lança uma diatribe contra os aristocratas efeminados, que chegam ao ponto de celebrar casamentos entre si. Suetónio, Tácito, Dião Cássio e Aurélio Victor contam que Nero celebrou publicamente pelo menos dois casamentos com homens.» (p. 127)

O capítulo quarto é dedicado ao Incesto, o Interdito Supremo.

«Na Antiguidade, a noção de incesto abrangia dois delitos sexuais distintos, que se traduzem pela mesma palavra, incestus: as relações sexuais ou o casamento entre parentes próximos (o incesto no sentido moderno do termo) e a violação, por parte de uma Vestal, sacerdotisa de Vesta, do voto de castidade ao qual está obrigada durante o seu sacerdócio.» (p. 129)

«Na realidade, as relações incestuosas constituem, aos olhos dos romanos, o crime mais importante entre todos os delitos sexuais, pois são uma ameaça à noção de fas, tão importante para eles, ou seja, uma ameaça à ordem do mundo estabelecida pelos deuses. Esta visão predomina durante todo o período pagão de Roma. O incesto é uma transgressão grave que ameaça a ordem social.» (p. 130)

«Tácito faz eco desta opinião ao lembrar que Séneca enviou o liberto Acteus junto de Nero para lhe revelar que a relação incestuosa que tinha com a mãe, Agripina, já se havia tornado pública, porque ela se gabava disso, arriscando a alienação da lealdade dos soldados, pois estes não aceitariam o poder de um príncipe "sacrílego" (profani), ou seja, que viole o fas. A imputação de relações incestuosas a alguns imperadores - Calígula, Nero, Domiciano - ilustra a desaprovação geral, por parte da opinião pública, por este género de transgressão sexual.» (p. 131)

«No final do poema 64, Catulo enumera os horríveis quatro actos que puseram fim à idade de ouro e que constituem uma violação da solidariedade familiar: o assassinato de um irmão, o desrespeito pelo luto para com os pais falecidos, o pai desejar a morte do próprio filho para se casar com a nora e a mãe unir-se ao filho, constituindo os dois últimos actos incesto. De Ovídio a Apuleio, passando por Séneca e muitos outros, o incesto é, na literatura, o acto sacrílego por excelência. Uma das narrativas secundárias do romance de Apuleio tem como intriga uma transposição para o universo ficcional do mito de Fedra: uma madrasta que se apaixona pelo filho do marido. Porém, assim que se apercebe de que ele procura esquivar-se ao seu desejo incestuoso, "[...] passa repentinamente de um amor sacrílego para um ódio ainda maior". O seu desejo é explicitamente considerado contrário às leis da natureza e à ordem divina, e é condenado sem apelo.» (pp. 131-2)


«Os júlio-claudianos, os flavianos e os antoninos fornecem mais exemplos de outras uniões endogâmicas permitidas pela lei e aceites pela moral comum. Augusto organiza ainda uniões endogâmicas por razões de Estado e de política da dinastia, procurando perpetuar a sua linhagem através da sua filha única, concentrando o sangue juliano nos seus eventuais sucessores. Assim, Júlia teve de casar com Marcelo, filho de sua irmã Octávia. Tibério, perante a inexistência de maridos júlio-claudianos convenientes, não permite que as suas enteadas viúvas, Agripina, a Antiga, e Lívia Júlia voltem a casar. Quanto ao ministro Palas, uma geração mais tarde, convence o imperador Cláudio a não deixar a sua sobrinha, Agripina, a Jovem, casar fora da família e levá-la a casar com ele, pois ela tem toda a vantagem de trazer consigo um neto de Germânico, o filho que teve do seu primeiro marido e que virá a ser o imperador Nero. Este casou com a sua irmã adoptiva Octávia, com a qual possui múltiplos graus de parentesco, cuja enumeração seria longa.» (pp. 134-5)

«Cláudio provocou um escândalo ao decidir casar, após vários casamento rompidos, com Agripina, a filha de seu irmão Germânico. Assim, suborna os senadores, "para que estes proponham, na primeira sessão do Senado, que ele seja obrigado a casar com a sobrinha, como se fosse do superior interesse do Estado, e que se conceda a todos os outros cidadãos autorização para essas uniões, até então consideradas incestuosas.» (p. 135)

«Em contacto com outros povos, os romanos descobrem práticas e normas diferentes das suas: é assim que vêem os persas autorizados a casar com as suas mães, os macedónios e os egípcios com as suas irmãs, os atenienses com meias-irmãs patrilaterais. Uma das reacções correntes é repudiar esses costumes estrangeiros e associá-los a um comportamento bárbaro. Porém, na prática, estes costumes estrangeiros eram tolerados, com a condição de serem aplicados fora de Roma. Um perfeito exemplo dessa reacção é a atitude de César quando teve de intervir em 48-47 AC na sucessão ao trono do Egipto. O testamento do rei Ptolomeu XII Auleta previa o casamento e o reino conjunto de Ptolomeu XIII com a sua irmã Cleópatra VII. E César executou as vontades do rei defunto. À morte do jovem rei, casa Cleópatra com o seu segundo irmão Ptolomeu XIV. E a bela rainha não será, para ele, um objecto de horror...» (p. 136)


* * * * *

Procedemos acima a citações dos quatro capítulos que constituem a Primeira Parte (O Modelo do Cidadão Viril) do livro em apreço.

Porque este post está já demasiado longo, apesar de apenas termos transcrito alguns trechos que se nos afiguraram mais significativos, encerraremos aqui a sua análise, deixando para outra oportunidade o restante conteúdo do livro cujos capítulos, todavia, passamos a indicar:

Segunda Parte (Corpo e Sexualidade)

Capítulo V - O Erotismo
Capítulo VI - A "Política dos Corpos"
Capítulo VII - As Doenças Sexuais

Terceira Parte (Observações Críticas Acerca da Vida Sexual)

Capítulo VIII - O Discurso Médico ou "Do Bom Uso da Sexualidade"
Capítulo IX - A Reflexão dos Filósofos
Capítulo X - A Crítica dos Moralistas
Capítulo XI - O Discurso dos Historiadores: A Figura do Imperador como Monstro Sexual

Do que foi dito e do que não se escreveu pode concluir-se que a sexualidade em Roma, apesar das proibições legais ou sociais e das repressões foi muito mais livre do que os textos deixam entender. As sucessivas investigações abonam nesse sentido. Foi a religião judaico-cristã que introduziu progressivamente em Roma toda  espécie de interditos que viriam a condicionar a moral sexual dos tempos posteriores à queda do Império Romano do Ocidente (476). Mesmo a vexata quaestio da posição activo/passivo, determinando que o cidadão livre seria sempre o activo na relação sexual e o escravo ou o liberto o passivo suscita as maiores interrogações. Formalmente era assim, mas na prática as entorses terão sido incontáveis, tendo a verdade ficado confinada aos espaços mais íntimos.

A "depravação" dos finais da República, que Augusto pretendeu "corrigir", aumentaria nos séculos seguintes, até à infiltração da "moral cristã" no território do Império. Um caso exemplar é a questão da homossexualidade, naturalmente aceite pelos povos da Antiguidade, que Paulo viria a fulminar nos seus escritos, apoiando-se na narrativa do Génesis. Um tabu que contaminaria toda a sociedade Ocidental e viria, inclusive, a ser adoptado pelo Islão, na parte em que o Corão consagrou os preceitos da lei mosaica.

Este livro, que recorre aos grandes historiadores modernos da matéria, além da consulta óbvia dos autores clássicos, merece uma leitura atenta, até porque é não só uma fonte de conhecimentos como proporciona alguma diversão - e até espanto - ao longo das suas páginas.


sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

C'EST LUI, MACRON, LE PROBLÈME






PUBLICADO PELA REVISTA "MARIANNE":

Qu'est-ce qui maintient Macron au pouvoir ? Le fait qu'une majorité de Français ne croit pas une seconde que le Rassemblement national puisse être une réponse adéquate... - Reuters


Pays à l'arrêt, Français dans la rue : et si c'était Macron, le problème ?

Publié le 13/12/2019 à 18:00

Les allers-retours, les contradictions et les ambiguïtés sur les arbitrages relatifs aux retraites ne sont qu'une illustration d'un dysfonctionnement plus général. Le “problème Macron” ? Une intelligence corsetée par les dogmes de l'ENA et des banques d'affaires, une personnalité imbue d'elle-même. Jupiter enfant roi.
Peut-être, à la fin, cette réforme passera-t-elle - une majorité de Français, d'ailleurs, en est convaincue.
Ou peut-être pas. L'amabilité délicieuse d’Édouard Philippe n'aura pas suffi à masquer les « lignes rouges » allègrement franchies du point de vue de la CFDT, le double langage vis-à-vis des forces de l'ordre ou des professeurs, et ce mélange entre réforme systémique et petites économies budgétaires qui constituait pourtant un casus belli. Mais, quoi qu'il arrive, et même si de nouveaux aménagements apaisent le premier syndicat de France et qu'il en ressort auréolé de ce qualificatif de président « réformateur » qui fait rêver ceux qui ne conçoivent la réforme que comme l'adaptation du modèle français aux impératifs de la gouvernance par les nombres, cet épisode aura creusé encore davantage les fractures d'un pays sans cesse au bord de la crise de nerfs.


Le malaise

Comment diable en arrive-t-on à mettre entre 800 000 et 1 500 000 personnes dans la rue, en un mouvement social recueillant entre 60 et 70 % d'opinions favorables, avec une réforme qui était majoritairement souhaitée par le pays ? Problème de « pédagogie », répondent les spécialistes de la politique vue comme l'art de conduire le troupeau. D'autres tentent d'alerter sur les maladresses de l'exécutif, comme cette ministre : « Certains retraités ont même cru qu'ils étaient concernés. C'est dire ! » « Jean-Paul Delevoye est trop technicien, ajoute-t-elle. C'est le problème avec ceux qui maîtrisent parfaitement un sujet. Ils deviennent incompréhensibles. Il n'y a pas eu de mise en perspective, on a perdu les gens. » Mais peut-on réduire cette gabegie à un simple malentendu ? Les syndicats n'ont même pas attendu de savoir ce qu'il y avait dans la réforme pour manifester ? Mais ceux qui sont descendus dans la rue l'ont-ils fait seulement contre cette réforme ? Le malaise des enseignants est symptomatique. Celui des personnels hospitaliers aussi. Mais, surtout, les slogans parlaient d'eux-mêmes.

Quand il est convaincu d'avoir raison, il s'accroche. En fait, il est convaincu de sa mission, convaincu qu'il n'y a que lui qui puisse l'accomplir.
Olivier Duhamel

Le soutien de l'opinion également. Les Français envoyaient un message à Emmanuel Macron. Un an après le début du mouvement des « gilets jaunes », ils essayaient une nouvelle fois de raconter leurs difficultés, leur impression de voir disparaître toutes les conquêtes sociales du XXe siècle et d'être les dindons d'une farce pour laquelle ils n'ont jamais explicitement voté. Les inégalités entre territoires, la désertification d'une partie du pays, l'impossibilité de se loger à un prix décent et à une distance acceptable de son lieu de travail, la disparition progressive des services publics, l'état dramatique des infrastructures… C'est à tout cela que la politique d'Emmanuel Macron semble incapable de répondre. Et les allers-retours, les contradictions et les ambiguïtés sur les arbitrages autour des retraites ne sont qu'une illustration d'un dysfonctionnement plus général.

Force du narcissisme

Illusion d'optique, plaide le politologue Olivier Duhamel. « Il faut refaire la chronologie pour comprendre ce qui s'est passé. Quand il lance ça en campagne, tout le monde considère qu'il n'y a pas de problème paramétrique. Les médias construisent des récits qui n'ont rien à voir avec le réel. En 1995, il y a avait eu deux récits successifs : d'abord, de façon unanime, ils ont expliqué que c'était une réforme formidable, puis, de façon tout aussi unanime, ils ont dénoncé un pouvoir arrogant et droit dans ses bottes. Là, tous les médias répètent : “Quelle erreur de ne pas l'avoir faite dès le début !” Mais pas un n'a soutenu, depuis deux ans, qu'il fallait la faire. En fait, à sa place, tout le monde aurait agi de la même façon. » Emmanuel Macron, victime du caractère moutonnier des médias ? A tout le moins peut-on considérer que, s'il y a préjudice, il n'est que récent. Mais celui qui conseilla le candidat en campagne ajoute, comme un ultime plaidoyer : « Il n'a pas le pragmatisme d'un Chirac ou d'un Hollande. Quand il est convaincu d'avoir raison, il s'accroche. En fait, il est convaincu de sa mission, convaincu qu'il n'y a que lui qui puisse l'accomplir. »

Ce qui explique les tensions actuelles ? L'isolement d'Emmanuel Macron et la dominance de son cerveau techno

Un ancien proche

S'il y a un « problème Macron », c'est bien là qu'il faut le chercher. Dans le parcours de ce garçon qui a vu se pâmer tous ceux qu'il a croisés. Il faut admettre qu'il sait jouer de son intelligence, de ses aspirations sincères de jeune homme qui se vit, non pas tant comme un écrivain que comme un personnage de roman. Force du narcissisme.

Lui qui prétendait tout bousculer ne fait que perpétuer

On pourrait voir un étrange paradoxe dans la coexistence, chez lui, de cette fibre littéraire qu'il met en avant à travers les auteurs les plus éloignés possible des vanités de ce monde, Colette, Giono, et son obsession forcenée de se forger dès ses études des réseaux devant lui assurer, au choix, la réussite ou la fortune. Il n'est besoin que de lire les excellentes enquêtes de Marc Endeweld (l'Ambigu Monsieur Macron et le Grand Manipulateur) pour avoir un portrait saisissant de ce milieu mêlant les intérêts privés et le supposé service de l’État dans un mélange des genres effarant. Aucun paradoxe, affirme pourtant un ancien proche. « C'est un personnage plus complexe que l'image qu'il projette. L'exercice du pouvoir amène une simplification terrible. Mitterrand a souffert de la même réduction. » Mais, finalement, le même reconnaît en creux que cet amour de la littérature, ces références récurrentes aux lectures de sa grand-mère, ne pèsent rien à côté des dogmes de l'énarque et banquier d'affaires.

Emmanuel Macron n'est que la reproduction de ses prédécesseurs. Lui qui prétendait tout bousculer ne fait que perpétuer. « On est face à la répétition du même, comme si aucune leçon n'était retenue des échecs précédents. C'est comme ça. Les technos se croient élus pour faire une réforme des retraites. Ce qui explique les tensions actuelles ? L'isolement d'Emmanuel Macron et la dominance de son cerveau techno. L'énarque bouffe le khâgneux et ne lui laisse aucune grâce. Il y a là une véritable dimension tragique. » Certes, l'homme est surprenant. Ce côté bravache, d'abord, très « cour de récréation », ce besoin de se mesurer : « Parfois, explique l'un de ses interlocuteurs réguliers, quand il prend la parole sur un sujet, il dit : “Tiens, cela va emmerder Ruffin.” Et ça ne rate pas, on voit Ruffin qui rapplique immédiatement à la télé. Cela le fait beaucoup rire. »
Cette façon, aussi, de s'encanailler, d'oublier la fonction qui l'obsède habituellement, le temps d'un selfie avec des jeunes gens dépoitraillés, a quelque chose de consternant. Les impératifs de la communication suffisent-ils à expliquer les images de ce président goguenard, entouré de danseurs en débardeur résille et microshort, ou de jeunes gens lançant des doigts d'honneur à on ne sait qui ? Ou bien faut-il voir dans ces moments de vulgarité absolue la certitude, de la part de Jupiter enfant roi, qu'il a le droit de se lâcher, tant il est, toujours et quoi qu'il arrive, au-dessus du vulgaire, du commun des mortels ? « Qu'ils viennent me chercher ! » Le cri du cœur. Celui prononcé pour protéger Alexandre Benalla, mais que le président semble nous lancer chaque fois qu'il se heurte à la colère, au refus, de la part d'un peuple qui a le mauvais goût, lui, de ne pas se pâmer. « Il séduit ceux qui sont du même milieu que lui, s'agace un ancien ministre de François Hollande. C'est très français, cette admiration, en politique et parmi les intellectuels, pour celui qui a fait le bon cursus. Même les maires, lors du “grand débat”, sont sortis subjugués. C'est cette idée qu'un inspecteur des finances vaut mieux qu'un gars qui a un BTS agricole. »
"Parfois, explique l'un de ses interlocuteurs réguliers, quand il prend la parole sur un sujet, il dit : “Tiens, cela va emmerder Ruffin.” Et ça ne rate pas, on voit Ruffin qui rapplique immédiatement à la télé. Cela le fait beaucoup rire."
Le « grand débat ». Un épisode significatif du fonctionnement d'un président intimement persuadé qu'il est le meilleur et qui aime la confrontation, non pas tant par courage que par volonté farouche d'avoir le dernier mot. Et quand, dans ce grand débat, il invite les soixante-quatre plus grands intellectuels français, c'est dans un dispositif effarant qui leur accorde trois minutes pour poser leur question à un président qui se fera un plaisir de leur démontrer qu'il est à leur niveau… Appliqué à la réforme des retraites, cela donne une prétendue concertation qui masque mal le grand écart avec les méthodes et la pensée d'une deuxième gauche dont il s'est pourtant voulu l'héritier : « La deuxième gauche avait comme idée qu'une réforme juste entraîne la société, poursuit notre ancien ministre. Lui est dans le principe de l'enfant tout-puissant. Parce qu'il le veut, ça doit se faire. »

Plasticité idéologique

On connaît le constat, résumé par un parlementaire LR : « Emmanuel Macron, ce qu'il lui manquera toujours, c'est qu'il n'a jamais fait de permanence municipale ou parlementaire. Moi, je reçois trente citoyens toutes les semaines, je vois des chairs humaines. Si t'as pas vécu cela, c'est compliqué de présider au destin de la France. »

Le garçon a l'art de séduire les messieurs, mais il choisit en général ceux qui sont utiles
Pis, il est parfaitement incapable de trouver des qualités à qui ne lui ressemble pas, à qui n'est pas issu de ce système qui se croit méritocratique quand il ne fonctionne que par connivence. « Il est entouré de ses semblables, constate un proche observateur. Il y a deux sortes de premier de la classe. Celui qui est copain avec le dernier de la classe parce qu'il est curieux et celui qui est copain avec les autres premiers de la classe et n'a rien à dire au dernier de la classe. Macron est de la seconde espèce. » Bien sûr, ces derniers temps, le président rappelle à tous sa jeunesse provinciale. Il se met en scène comme l'enfant d'Amiens, grandi loin des élites parisiennes. Mais il suffit de se pencher sur son parcours de jeune homme pressé pour y trouver la force d'attraction d'un système qui formate les esprits avec d'autant plus de facilité qu'ils sont pétris d'ambition et avides de réussite. Le garçon a l'art de séduire les messieurs, mais il choisit en général ceux qui sont utiles. Henri Hermand, bien sûr, banquier, mécène historique de la deuxième gauche, Michel Rocard, Jean-Pierre Jouyet et tant d'autres. C'est toute sa force, il excelle à suggérer à chacun qu'il pourrait être celui qui osera ce dont ils rêvent, qui appliquera ce qu'ils ont toujours rêvé de voir appliqué. Il est leur possible réussite, leur future apothéose, l'héritage qu'ils laisseront au monde. D'où cette merveilleuse plasticité idéologique qu'il affiche. Chevènementiste sur les questions régaliennes, social-démocrate quand il dessine dans son programme un projet de réforme des retraites, libéral anglo-saxon quand il s'agit de plaire à la bible thatchérienne, The Economist, ultra-atlantiste quand il faut faire campagne, pourfendant l' « État profond » quand il faut se présenter comme le refondateur de l'Europe et des grands équilibres internationaux.
Il y a deux sortes de premier de la classe. Celui qui est copain avec le dernier de la classe et celui qui n'a rien à lui dire. Macron est de la seconde espèce.

Un proche
Mélange des genres

Qui est le vrai Macron ? Quelle est sa colonne vertébrale, derrière ces postures successives ? On serait tenté de la trouver dans ces moments où sonne l'heure de vérité. Dans les moments où il faut réellement choisir, c'est-à-dire fâcher. Et là, les orientations ont le mérite de la clarté. C'est la loi Egalim, vidée de sa substance, pour le plus grand bonheur de la grande distribution, après des « états généraux de l'alimentation » qui avaient suscité tous les espoirs, ce sont la signature du Ceta et les louanges sur le Mercosur, avant que les insultes publiques de Jair Bolsonaro ne lui permettent opportunément de rétropédaler pour coller à l'opinion. Ce sont, enfin, les arbitrages industriels.
La vérité d'Emmanuel Macron n'est-elle pas à chercher dans ces dossiers qu'il eut à gérer comme secrétaire général adjoint de l’Élysée ou comme ministre de l'Economie ? Alstom, Technip… Olivier Marleix, député LR, déclarait à Marianne en juin 2019 : « Les sommes en jeu dans ces fusions sont immenses : dans la vente d'Alstom Power à GE, du seul côté d'Alstom les “coûts de l'opération” avoisinaient les 300 millions d'euros, souvent en success fees [frais de réussite]. Pour une banque d'affaires, l'enjeu, c'est 10 ou 15 millions d'euros. Pendant ses deux années à Bercy, M. Macron a autorisé des fusions pour des montants colossaux : Alstom-GE, 13 Mds €; Alcatel, 15 Mds €; Lafarge, 17 Mds €; Technip, 8 Mds €. Cette accélération de l'histoire est inédite… Que les financiers de la campagne, MM. Kohler et Denormandie, aient été en charge de ces dossiers au cabinet souligne le mélange des genres ! »


Dans les milieux d'affaires comme un poisson dans l'eau, mais visiblement pas des plus habiles quand il s'agit de gérer la réalité d'un pays, avec ses mouvements d'opinion et ses adversaires à convaincre. « Depuis le temps qu'on nous bassine avec la start-up nation, commente un des nombreux déçus du macronisme, il faut arrêter. Emmanuel Macron ne gouverne pas la France comme une entreprise et cette réforme des retraites en est la preuve. Si les entreprises françaises fonctionnaient comme ça, on aurait le PIB de la Mauritanie. »

Le constat est là : les « gilets jaunes » ont constitué un tournant. Alors qu'il croyait avoir repris la main, le président prouve face au mouvement social qu'il est passé à côté du phénomène politique le plus essentiel des vingt dernières années. « Les “gilets jaunes” devaient conduire au fameux acte II du quinquennat, plus social, tout sourire, tout miel, analyse un autre de ses proches. Dans les faits, l'épisode n'a fait que renforcer les travers de l'acte I : cette politique du réformisme à marche forcée, orientée uniquement vers les premiers de cordée. Il n'y a pas eu de volonté de renouer avec les Français, mais une contraction supplémentaire. Il s'est littéralement retiré des Français. Le fruit des “gilets jaunes”, c'est une infinie solitude. » Pourtant, l'occasion était formidable. « Avec les “gilets jaunes”, le message adressé était que les Français aspiraient à participer à la vie collective. Comment se fait-il que cette période extraordinaire où les Français ont dit “Nous voulons en être” se résolve dans ce moment où on leur dit qu'ils n'en seront pas ? C'est une béance politique. » Mais le fait est qu'Emmanuel Macron n'a pas la moindre idée de la vie de ses concitoyens. Quant à leur avis sur l'organisation sociale et politique… « A part avec le “grand débat”, il n'a pas une passion immodérée pour le Meccano territorial », tente un de ses conseillers en mal d'euphémisme. Du côté du ministère de la Santé et des Solidarités, c'est le même genre d'aveu : « Les questions de pauvreté, de précarité, de petite enfance, il ne s'intéresse pas à ces sujets… mais il apprend. »
Cet homme n'a rien vécu, ne manie que le packaging habituel du communicant absolu… en cela, il incarne le vide des élites.

Christophe Guilluy
Bref, la vraie vie, les aspirations des gens ordinaires, l'égale dignité des citoyens dans une démocratie… cela ne pèse rien face aux dogmes appris à l'ENA, dans cette aristocratie de l'Inspection des finances. Bienvenue dans la République des directeurs de cabinet. Quand en plus, Bruxelles - ô surprise ! - va dans le même sens, comme c'est le cas pour la réforme des retraites, il serait aberrant de demander son avis au peuple.


Penser la troisième voie

Pourtant, souligne le géographe Christophe Guilluy, l'erreur majeure consisterait à trop personnaliser ce désolant constat. « Emmanuel Macron n'est rien d'autre qu'un catalyseur. On surjoue l'intelligence de cet homme pour masquer le fait que les élites sont de moins en moins cultivées. Cet homme n'a rien vécu, ne manie que le packaging habituel du communicant absolu… En cela, il incarne le vide des élites. La seule question à se poser est la suivante : comment Macron est-il possible ? Qu'est-ce qui explique qu'un tel homme arrive à cette place ? »

Il est encore temps de penser la troisième voie

Ce qui l'explique ? La mécanique d'un système qui a peu à peu vidé la démocratie de son sens pour mieux se perpétuer. Qu'est-ce qui l'y maintient ? Le fait qu'une majorité de Français ne croit pas une seconde que le Rassemblement national puisse être une réponse adéquate et acceptable. Pour l'heure, nous ne sommes pas au pied de ce mur simpliste. Alors, il est encore temps de penser la troisième voie.

… on aimerait vous dire un dernier mot. Vous êtes toujours plus nombreux à lire Marianne sur le web, et nous nous en réjouissons. Pour nous aider à garder notre liberté de ton et notre exigence journalistique, votre soutien est précieux. En vous abonnant par exemple, vous aurez accès à l’intégralité des contenus mais aussi à un espace de débat premium, réservé à nos abonnés, le tout sur un site débarrassé de toute publicité. Vous pouvez aussi nous soutenir par un don défiscalisé. Toute l’équipe Marianne vous remercie !