quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

O FIM DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL



Acabei de ler, com algumas interrupções, um volumoso livro do filósofo francês Michel Onfray, Décadence, adquirido há quase um ano, em que o polémico e prolífero autor (de quase 100 obras) proclama o fim da civilização judaico-cristã, também conhecida por civilização ocidental.

Todos sabemos que as civilizações nascem, crescem, atingem a maturidade, definham e morrem. Já o escrevera Arnold Toynbee na sua obra magistral, A Study of History, e o tema já fora desenvolvido anteriormente por outras figuras de relevo, nomeadamente por Oswald Spengler n' A Decadência do Ocidente.

Neste seu livro, Onfray propõe a seguinte divisão: Primeira parte (Les Temps de la Vigueur), que engloba Naissance (La fabrication d'une civilisation), Croissance (La force de la foi) e Puissance (La violence de la religion); Segunda parte (Les Temps de l'Épuisement), englobando Dégénérescence (La déconstruction rationelle), Sénescence (Le principe de ressentiment) e Déliquescence (Le nihilisme européen). Ao longo de quase 700 páginas, o autor manifesta uma invejável erudição, documentando as suas polémicas afirmações com a citação de milhares de fontes. O texto é mesmo, por vezes, excessivamente documentado e até repetitivo, mas à parte algumas imprecisões menores nada encontrei que pusesse em causa as teses que sustenta.

O livro de Onfray é um dos mais violentos requisitórios contra a religião judaico-cristã que me lembro de ter lido. Nele se procede a uma desmontagem sistemática da narrativa ocidental, cronologicamente elaborada, desde o surgimento de uma nova seita judaica, os seguidores de Cristo (que segundo Onfray não existiu, mesmo que recorramos à Guerra dos Judeus, de Flávio Josefo), seita que Paulo de Tarso (S. Paulo) transformou numa nova religião, o Cristianismo, até aos nossos dias. Os cristãos começam por ser perseguidos, pois não reconhecem os deuses de Roma, mas à medida que se infiltram nas instituições do Império vão ganhando poder, acabando por se tornarem úteis, a tal ponto que Constantino lhes concede a liberdade de culto. Eusébio de Cesareia encarrega-se do panegírico do imperador, proclamando as excelsas virtudes de um homem visceralmente criminoso. Está instalado o cesaro-papismo, em que o poder espiritual e o temporal se amparam mutuamente. Será assim, no Ocidente, até ao século XIX, com alguns sobressaltos de percurso.

Onfray denuncia as constantes contradições dos escritos cristãos dos primeiros tempos e a ginástica da Igreja para conciliar o inconciliável. Neste aspecto o autor é notável, pois a incompatibilidade das  citações bíblicas, para-bíblicas e conciliares é de antologia.  É concedido largo espaço a Paulo, o verdadeiro fundador da nova religião, o inimigo da carne, que haveria de inculcar no Cristianismo um ódio ao corpo que permaneceria pelos séculos e que levaria milhões de pessoas à fogueira. É feita também alusão àquela enfermidade no corpo a que Paulo se refere nos seus escritos mas que nunca concretiza, e que poderá estar na origem desta maldição dos sentidos que foi uma constante da religião cristã.

Com o tempo, os cristãos passam de perseguidos a perseguidores: dos pagãos, dos dissidentes da norma oficial, dos muçulmanos, dos heréticos, de todos os que se lhes podem opor, nem que seja para se apropriarem das suas riquezas. São analisadas as Cruzadas, e o seu iniciador, Urbano II, que toma a iniciativa de avançar para aquilo que hoje se conhece como guerra de civilizações. A guerra contra o Islão é, pois, uma guerra justa.

Vem depois a Inquisição, com os seus autos-de-fé. Bernard Gui escreve o Manual dos Inquisidores (1323), remodelado em 1376 por Nicolas Eymerich e completado pelas Instruções de Tomás de Torquemada em Sevilha (1484). O herético é aquele que a Igreja decide que é. A Inquisição funciona como a polícia política do Estado Cristão. «L'État chrétien, totalitaire (selon le mot même de l'historien chrétien Henri.Irénée Marrou) est également terroriste.» (p. 252).  «À ce-jour, l'Inquisition n'a pas été abolie; elle a juste changé de nom. Elle se nomme désormais la congrégation pour la Doctrine de la foi.» (p. 254)

Um capítulo é curiosamente dedicado ao diálogo do imperador bizantino Manuel II Paleólogo com um sarraceno. Recordo que foi a esta conversa com um letrado muçulmano persa que o papa Bento XVI se referiu no seu célebre Discurso de Ratisbona, em 2006, e que azedaria as relações entre católicos e muçulmanos.

Segue-se o massacre dos índios e as referências a Montaigne e ao "bom selvagem" no capítulo "Manger son prochain comme soi-même". E a matança dos huguenotes. Estamos agora em Lutero e Calvino. «La mécanique politique à laquelle aspire Luther, c'est "l'État autoritaire" dans lequel les sujets sont moins des partenaires que des assujettis à la puissance. Luther reste un disciple de Paul pour qui "tout pouvoir vient de Dieu". Or, Dieu ne se manifeste pas dans le pape et les siens, mais dans les puissants qui constituent le gouvernement. La Providence s'incarne dans les ministres de l'ordre temporel. Les sujets chrétiens doivent s'y plier comme on se soumet à Dieu. Luther pulvérise le césaropapisme mais au nom d'un césarisme chrétien - un césarochristianisme, si je puis dire, une formule qui plaisait à un certain Adolf Hitler.» (p. 358)

Um vasto capítulo é dedicado ao terramoto de 1755 que destruiu Lisboa e se fez sentir em larga parte do hemisfério norte. «La philosophie des Lumières s'empare de cet événement pour abolir le théisme judéo-chrétien et adouber le deísme qui fait un pas vers l'athéisme. La Providence catholique suppose une fois d'acier: Dieu existe, on est sûr et certain; il veut tout ce qui advient, on en est persuadé. Mais s'il veut tout, il veut aussi les guerres que le christianisme perd contre l'islam, les croisades sans succès, les extravagances des hérétiques, les sabbats des sorcières, la vermine qui ravage les récoltes. À moins que ce ne soit le diable! Mais le diable aurait-il été voulu lui aussi par Dieu? Alors pour quoi faire? Selon quelles logiques obscures? Et si Dieu n'a pas voulu le diable, il existe un pouvoir hors de Dieu, donc Dieu ne peut pas tout, et un Dieu qui ne peut pas tout n'est plus du tout Dieu. Le déisme va bientôt régler le problème: Dieu a créé les hommes libres et ce qui advient est un effet de leur liberté et non du vouloir de Dieu: Dieu cesse donc d'être responsable et les hommes le deviennent à sa place. Mais s'il n'est plus responsable, il n'est plus non plus aussi puissant. Le tremblement de terre de Lisbonne n'a pas épargné le socle sur lequel Dieu repose. C'est probablement la première victime de cette techtonique des plaques. Le séisme géologique s'avère tout autant un séisme ontologique, métaphysique, donc théologique. Le fissurage de Dieu annonce son effondrement. À Lisbonne, Dieu contracte la maladie qui va bientôt l'emporter.» (pp. 374-5)

Continuando a citar Montaigne, Onfray considera que se lhe deve a ruptura com a escolástica medieval, que ele voltou discretamente a página de mil anos de pensamento subserviente à religião judaico-cristã, e que dinamitou o conjunto do edifício cujas fundações datavam de Constantino. «Même si le mot n'apparaît qu'au XIXe siècle, on peut dire de Montaigne qu'il est fidéiste, autrement dit qu'il conclut que la raison ne saurait démontrer l'existence de Dieu, ni même qu'il s'est exprimé dans le Écritures, bien qu'il existe tout de même, mais dans une forme prise dans un temps donné et dans un lieu donné: Montaigne est catholique parce qu'il vit dans un pays catholique. Il vivrait dans une contrée islamique, il serait musulman, dans un territoire bouddhiste, il compterai parmi les disciples de Bouddha. Il croit en Dieu dans un pays catholique, il croit donc au Dieu des catholiques.» (p. 381) Com firme autoridade mas usando luvas filosóficas de veludo, Montaigne dispensa Deus, não negando-o mas dando-lhe uma extraterritorialidade ontológica. Uma impulsão fideísta que rapidamente desembocará no deísmo. Se não precisamos de Deus para pensar porque havemos de precisar dele para o resto? A palavra deísmo data de 1564 e encontra-se escrita pelo reformador Pierre Viret numa obra intitulada Instruction chrétienne. O autor atribuiu-lhe um significado ateísta erradamente, já que um ateu se define, pelo menos hoje, não por não crer num Deus ortodoxo mas por não acreditar em Deus.

«Dans la pensée deíste de Descartes, il n'y a pas de place pour la Providence ou la lecture du tremblement de terre comme une punition divine... Il consacre un développement à ce sujet: "Quelle est la cause des tremblements de terre" et ne place à aucun moment le problème sur le terrain de la théologie et de la religion. Descartes pense en deíste; Dieu existe, c'est entendu, mais il n'est d'aucune utilité pour penser le tremblement de terre qui, lui, s'explique avec des raisons rationelles qui renvoient à la géologie... La philosophie n'est plus au service de la théologie et, bientôt, la philosophie se retournera contre la théologie pour la mettre à mort, elle et son objet: Dieu.» (p. 384-5)

«La mort de Dieu a un auteur, elle est annoncé dans un livre et le tout dispose d'une date de naissance. L'auteur? Le curé Meslier. Le livre? Son Testament. La date? 1729.» (p. 385)... «Le tremblement de terre de Lisbonne a secoué toute l'Europe judéo-chrétienne. Ses répliques ont été nombreuses. Un siècle et demi avant la célèbre annonce faite par Nietzsche dans Le Gai savoir, Dieu est mort, doucement congédé par les philosophes fidéistes et déistes, puis franchement mis à la porte par les penseurs athées.» (p. 392)

No capítulo seguinte Onfray debruça-se sobre o "ressentimento" e estuda a Revolução Francesa. Oportunidade para inocentar Luís XVI e apontar todos os crimes e taras dos revolucionários, a maior parte tornados jornalistas durante o Terror e antes que as suas cabeças rolassem no cadafalso. Mirabeau, Marat, Brissot, Robespierre, Condorcet, Fabre d'Églantine, René Herbert, Saint-Just, Desmoulins, etc. Se tudo o que Onfray escreve a respeito deles é rigorosamente certo, então ainda bem que os guilhotinaram. O autor salienta o papel da imprensa nascente (e multiplicando-se) nesta disseminação do ódio. Olhando para os nossos dias, não posso deixar de realçar esta frase: "Les journalistes tuent: en préparant le travail des bourreaux." (p. 404)

«La décapitation de Louis XVI, le 21 janvier 1793, à l'âge de trente-neufs ans, n'a pas été que la décapitation d'un pauvre homme qui n'en pouvait mais. Ce fut aussi la mort de la théocratie.» (p. 407). «Avec la décapitation de Louis XVI, les hommes tranchent le cou à un certain nombre d'idées: l'histoire n'est plus le fait de Dieu ni le développement de sa Providence; le roi n'est plus le représentant de Dieu sur la terre; le roi n'est plus ici-bas, sur terre, ce que Dieu est au-delà, dans le ciel; le roi n'est plus avec ses sujets comme un père avec ses enfants; le roi ne doit plus être obéi par son peuple comme tout enfant en a le devoir avec le père de famille;... Le roi n'est plus rien... Samson a coupé la tête du roi qui représentait Dieu sur terre et, qu'a dit Dieu? Rien. Absolument rien. Dès lors, eu égard à ce silence, la déchristianisation pouvait se lâcher.» (pp. 409-10)

O princípio do extermínio e a invenção do totalitarismo seguem-se nas preocupações de Onfray. Segundo ele «L'atrabilaire Rousseau fut en effet plus que le malicieux Voltaire, hélas, le grand homme des protagonismes qui transforment la Révolution en grand oeuvre au noir du ressentiment. La névrose du citoyen de Genève contamine tout un siècle et fait s'effondrer plus de mille ans de civilisation judéo-chrétienne.» (p. 411). A nevrose de Rousseau é tipicamente a de um homem do ressentimento. Gosta e não gosta do mundo, estima e detesta os outros, coloca-se acima de tudo e coloca abaixo de si tudo o que não é ele, tem inimigos mas procura ardentemente criá-los também entre os amigos, e por aí adiante, o autor examina todas as contradições, às dezenas, de Rousseau. Ele pensa uma coisa e vive outra, ou o inverso. «Avec Du Contrat social, Rousseau produit la matrice de ce qui deviendra le totalitarisme... La liberté n'est pas le pouvoir de faire ce que l'on veut quand on veut, comme on veut, ce qui serait licence, mais l'obligation de faire ce à quoi obligent les lois décidées par la majorité, car "la voix de plus grand nombre oblige toujours tous les autres".» (p. 415)

«Une partie de la Révolution française, celle qui a forcé les citoyens à être libres, a voulu réaliser ce programme spartiate [o do Émile, de Rousseau]. Fouché avec ses canonnades, Robespierre avec son Comité de salut public, Saint-Just avec la guillotine, Fouquier-Tinville avec son Tribunal révolutionnaire, Carrier avec ses noyades de Nantes, Tourreau avec ses colonnes infernales en Vendée, tous associent leurs noms à ce premier essai de créer un homme nouveau... L'heure est à l'homme régénéré - ce qui suppose qu'il existe des hommes dégénérés. C'est l'abbé Grégoire qui, le premier, en avant 1789, théorise sur ce sujet dans un mémoire intitulé Essai sur la régénération physique, morale et politique des Juifs. La légende qui a fait de cet évêque constitutionnel l'émancipateur des Juifs oublie l'antisémitisme de ce texte: les Juifs y sont présentés comme dégénérés et leur régénération passe par leur conversion au catholicisme.» (pp. 419-20)

«Dans les faits, la régénération commence avec Fouché. Et il n'est pas étonnant que le programme de l'homme nouveau soit celui d'un homme de sac et de corde devenu pour toujours le paragon de la police. Fouché, ce sera l'homme de toutes les trahisons: le tonsuré oratorien d'avant 1789 devient le pilleur des églises de 1792, le communiste qui hait les riches de 1793 devient le millionaire de 1798, le haïsseur des aristocrates pendant la Révolution française devient le duc d'Otrante sous l'Empire. Il sert la République, puis le Directoire, puis le Consulat, puis l'Empire, puis la Monarchie, mais se sert surtout et trahit tous ces régimes au nom d'une seule fidélité: lui. Fouché c'est l'emblématique personnage toujours du côté du pouvoir là où il se montre le plus sale, le plus abject, le plus pourri, le plus corrompu. C'est l'homme des latrines politiques.» (pp. 420-1)

Não permite o espaço continuar a fazer muitas citações do livro, mesmo as mais significativas. A catilinária de Onfray contra a Revolução Francesa é de extrema violência. Segue-se o ataque a Hegel e a Kant, e depois a Marx. E a Lénine. Este é o Constantino do comunismo, que funda a Igreja marxista-leninista. São muito interessantes as páginas do autor sobre a época contemporânea e se não perfilhamos todas as teses do autor, algumas verdadeiramente polémicas e surpreendentes, é verdade que Onfray deduz uma argumentação muito original e em muitos aspectos perfeitamente pertinente. Segundo ele, o fascismo, que pretende ser contra o espírito da Revolução Francesa acaba por subscrever o mesmo programa dos marxistas leninistas. Mas subtrai-lhe uma componente e essa subtracção faz a diferença: a descristianização e a religião do ateísmo. Na sua forma pura, o fascismo é o bolchevismo menos a descristianização  e mais a re-cristianização. Onfray passa em revista Hitler, Mussolini, Franco e Pétain. E Pio XI, e Pio XII. E o compromisso da Igreja com os regimes fascistas, na sua luta contra o comunismo.

«Adolf Hitler était un grand lecteur. Insomniaque, il lisait in livre chaque nuit. Le dictateur antisémite possédait une bibiothèque de 16 000 livres dont un grand nombre d'éditions bibliophiliques. Le national-socialisme est un pur produit intellectuel du ressentiment. Il est peu-être même le produit emblématique du ressentiment en Occident.» (p. 467)

Ao fascismo de Mussolini que luta contra o bolchevismo, Hitler acrescenta-lhe a dimensão racial anti-semita. O judeu torna-se o bode expiatório de toda a negatividade do mundo. E Onfray menciona todas as culpas atribuídas aos judeus. «Les Juifs sont également redevables de la mort du Christ, c'est la version officielle de l'Église catholique, apostolique et romaine depuis deux mille ans. Or, Hitler n'a jamais rien dit ou écrit contre Jésus. Dans Mon combat, il désigne même son moment préféré dans la vie du Fils de Dieu: le geste colérique de celui qui chasse les marchands du Temple, juifs qui plus est, avec une corde transformé en fouet.... Comment ne pas songer que ce Christ-là annonce Hitler qui se donne pour tache lui aussi de chasser les marchands du Temple, juifs, afin de réaliser la parousie d'un Reich millénaire?... Les Juifs annoncent qu'ils sont le peuple élu? Hitler inverse la proposition: L'Allemagne est le peuple élu et le Führer est son messie... Hitler croit en Dieu, cela ne fait aucun doute. Il est déiste. Mais il croit également dans la religion catholique. Il est fidéiste. (p. 470) E Onfray disserta largamente sobre a concepção hitleriana do cristianismo. Como a Igreja, Hitler entende usar a força para impor as suas ideias. O Vaticano, que também subscreve o anti-semitismo, acabará por achar que o regime nazi é um aliado. Por isso, a obra de Hitler nunca foi colocada no Index, ao contrário da obra de notáveis pensadores, como Descartes, Erasmo, Diderot, Kant, Montaigne, Montesquieu, Pascal, Rousseau, Spinoza, Voltaire, Bergson e mesmo Sartre e Simone de Beauvoir. Compreende-se que Meslier figure no Index, com o seu Testament, ele que tinha sido o primeiro a anunciar a morte de Deus e demonstrado quanto a religião era cúmplice dos poderosos para escravizar os fracos. Onfray salienta que Hitler manteve na fivela dos cinturões dos soldados do III Reich a inscrição Gott mit uns (Deus connosco), uma divisa militar alemã desde 1701, que fora da casa real da Prússia e depois do próprio Kaiser. Poderia tê-la mudado para uma inscrição ateia ou pagã mas não o fez. «Hitler arrive légalement au pouvoir le 30 janvier 1933... Le monde intellectuel dans sa totalité rend possible la formation du national-socialisme, son accès et son maintien au pouvoir. Juste après la guerre, en 1945, Max Weinreich écrit un Hitler et les professeurs pour finement détailler les mécanismes de construction et d'entretien de ce ressentiment national. De sorte qu'au ressentiment personnel de Hitler, artiste raté aspirant à la célébrité, il faut ajouter le ressentiment de tout un peuple humilié par la victoire française de 1918 suivie par la signature du traité de Versailles, le 28 Juin 1919.» (p. 477)

O autor salienta que Hitler preferia Schopenhauer a Nietzsche, apesar deste ser o idolatrado das grandes figuras nazis. Na sua mochila, na guerra de 1914-1918, figurava O Mundo como Vontade e Representação. «Le livre qui permet de savoir quelle relation Hitler entretenait avec le christianisme est celui de l'évêque Alois Hudal: Fondements du national-socialisme, un texte de 1936. Le prélat autrichien, antisémite, souhaite une colaboration entre catholicisme et national-socialisme pour constituer une armée chrétienne susceptible de mener la guerre contre la Russie soviétique afin de débarrasser l'Europe de la menace dite judéo-bolchevique. Hitler ne souscrit pas aux thèses exposées par Rosenberg dans Le Mythe du XXe siècle, bien que ce dernier soit le chef idéologique du parti nazi. L'ouvrage de Rosenberg est mis à l'Index, lui. Le livre aux tirages modestes devient d'un seul coup un best-seller et arrive en deuxième position dans le IIIe Reich après... Mon combat.» (pp. 480-1) «À l'annonce de la mort de Hitler, le cardinal Bertram ordonne aux prêtres de son diocèse que soit donnée une messe de requiem. Ce fut un requiem pour l'Occident.» (p. 484) [Esta última afirmação suscita-me dúvidas]

O último capítulo do livro é dedicado ao nihilismo europeu. Onfray debruça-se sobre uma estética nihilista, refere o Concílio do Vaticano II e a sua condenação do anti-semitismo, e considera a nova atitude da Igreja defendendo o convívio das religiões. O Concílio propunha-se travar a descristianização mas o resultado foi o contrário. «La civilisation du rock et de la BD, du cinéma et de la télévision, de la boîte de nuit et de la tabagie, de la pilule et du  divorce, de l'alcool et des produits stupéfiants, du réfrigérateur et de l'automobile, de la bombe atomique et de la guerre froide, de l'amour libre et des loisirs, de l'argent et des objets, avance en broyant tout sur son passage. Vatican II ne peut rien y faire.» (p. 518)

«Avec la Révolution française à la fin du XVIIIe siècle et la révolution bolchevique au tout début du XXe, les événements de Mai 68 constituent le troisième temps de la déchristianisation de l'Europe.» (p. 521) «Dans Le Nouveau Désordre amoureux (1977), Pascal Bruckner et Alain Finkielkraut, devenu depuis membre de l'Académie française, invitent leurs lecteurs à s'inspirer des livres du pédophile Tony Duvert dont ils déplorent qu'ils "provoquent le scandale: ils devraient susciter des vocations, dessiler les yeux".» (p. 526) Seguem-se referências às declarações de Daniel  Cohn-Bendit, ícone do Maio 68, sobre as suas experiências com crianças. René Schérer ensina a pedofilia na Universidade de Vincennes e teoriza-a nos seus livros. Segundo Onfray, Sade, que foi um dos últimos espíritos do feudalismo, tornou-se paradoxalmente o primeiro pensador da modernidade pós-cristã saída do Maio 68. «D'éminents intellectuels, penseurs et philosophes, poètes et prosateurs français transforment Sade en héros libertaire, en paragon de la libération sexuelle, en chantre de la véritable liberté, en héraut d'une société féministe, en nouveau moraliste, en libérateur du genre humain: Apollinaire a ouvert le bal en offrant ces éléments de langage dans la présentation alimentaire, selon ses propres confidences, d'une anthologie en 1911. Ces éléments ont été globalement repris par Foucault et Deleuze, Barthes et Lacan, Klossowski et Paulhan, Breton et Bataille, Aragon et Éluard, Char et Dalí, Heine et Lély, Desnos et Blanchot, Adorno et Horkheimer, Pasolini et Derrida, Sollers et Annie Le Brun entre autres gendelettres.» (pp. 528-9). Segue-se uma crítica ao Estruturalismo e a Freud. «Tourner le dos à toute perspective historique, c'était laisser la voie libre au capitalisme libéral qui a bénéficié de l'incroyable opportunité de la chute du mur de Berlin en 1989 et de la fin de l'Empire soviétique en 1991. L'effondrement du marxisme-léninisme en Europe n'a pas ramené le judéo-christianisme au devant de la scène historique, mais le consumérisme hédoniste qui a creusé le nihilisme et fait avancer le désert cartographié par Nietzsche dans Ainsi parlait Zarathoustra. le marché, autrement dit l'argent, fait la loi... De la même manière que 1789 qui s'appuyait sur un idéal émancipateur d'égalité a vu se dévoyer ses principes dans la Terreur jacobine de 1793, Mai 68 qui célébrait l'idéal tout autant émancipateur de liberté a sombré dans le triomphe sans partage du marché. De Gaulle congédié par Mai 68 fut remplacé à la tête de l'État par un banquier issue de l'École normale supérieure - l'histoire s'effaçait et laissait la place à la finance et à la rhétorique. Dans le processus de déchristianisation, les dévots de la religion du Veau d'or n'avaient plus grand-chose à faire pour mettre l'édifice judéo-chrétien à bas. Depuis lors, l'Occident est à vendre.» (p. 536)

«Le 4 novembre 1991, l'Union soviétique s'effondre comme un vulgaire château de cartes. ... compagnon de route des avant-gardes esthètiques, héraut du combat soviétique contre l'illettrisme, le commissaire à l'Instruction publique Anatoli Lounatcharski dit: "Nous haïssons les chrétiens. Ils prêchent le pardon et l'amour du prochain. L'amour chrétien retarde le développement de la révolution. À bas l'amour du prochain! Le sentiment que nous devons avoir est la haine." ... Dès lors, après la chute de l'Empire soviétique, on aurait pu imaginer que la Russie ne succomberait pas aussi facilement aux sirènes du consumérisme, la religion païenne créée aux États-Unis. La conversion fut immédiate avec le congédiemment de Gorbatchev le 25 décembre 1991 par les apparatchiks bolcheviques devenus soudainement libéraux soutenus par les gouvernements du libéralisme européen, le président Mitterrand compris, et son remplacement par Eltsine, grand alcoolique, certes, mais partisan du marché libre. [Onfray esquece-se aqui de mencionar o papel sinistro que tiveram neste caso o papa João Paulo II, Margaret Thatcher e Ronald Reagan]. ... Ce qu'à l'Ouest l'Europe de Maastricht accomplissait avec une main de fer dans un gant de velours, la Banque mondiale l'obtenait à la hussarde à l'Est.» (pp. 537-8)

Depois, Onfray debruça-se sobre o 11 de Setembro. Estranho que reproduza a  versão oficial do ataque de Al-Qaida e que aceite os factos tal como narrados pelos EUA. A sua explicação é confusa mas aceita que a causa da invasão do Iraque foi a posse dos poços de petróleo. E recorda que Saddam Hussein foi apresentado no Ocidente como um novo Hitler «qu'on se souvienne d'une campagne de publicité dans les rues de Paris qui présentait le raïs sous les traits du dictateur nazi...» (p. 560) [Como dizia o doutor Goebbels, uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade]. A seguir Onfray trata dos atentados terroristas, nomeadamente do ocorrido em 7 de Janeiro de 2015, contra o semanário "Charlie Hebdo". Depois trata da desproporção de meios entre os ataques terroristas e as forças armadas. «Car comment comprendre, sinon, qu'un cutter [Onfray insiste que o cutter foi a arma utilizada no desvio dos aviões] puisse avoir raison de l'armée américaine dans sa totalité? La petite guerre est la vérité de notre époque. Il se peut qu'elle soit celle avec laquelle s'effondre un jour notre Occident hypermilitarisé, mais dont les bombes atomiques ne peuvent rien contre le jeune djihadiste décidé à mourir. La guerre dite asymétrique par les communicants des états-majors dit bien que si cette petite guerre est petite, elle n'en est pas moins guerre. Qu'est-ce que cette petite guerre? Clausewitz a écrit sur ce sujet, mais son épouse qui a composé De la guerre après sa mort à cause du choléra n'a pas intégré ces notes dans l'opus majeur. Elles ont été publiées tardivement en Allemagne, et en allemand, en 1966. Le titre est: Conférences sur la petite guerre. La mort a empêché Clausewitz d'aller jusqu'au bout de son projet qui était un triptyque: De la guerre comme premier volet, un deuxième sur la petite guerre, un troisième sur la tactique - ce dernier a été publié sous le titre Théorie du combat.» (pp. 567-8)

Onfray prossegue na análise do chamado terrorismo islâmico e elabora sobre a morte de Ben Laden: «Les services secrets américains ont su où habitait Ben Laden dès août 2010. Ils disposaient des plans précis de sa résidence puisqu'ils l'ont construite à l'échelle sur le territoire américain pour répéter leur opération commando. Il aurait donc été envisageable de s'emparer de Ben Laden vivant afin de le juger. Un pays qui se réclame sans cesse du droit et se dit une démocratie ne se comporte pas autrement. L'opération a été mené dans le but de tuer Ben Laden et ceux qui seraient là, dont femmes et enfants eux aussi massacrés. Dire le droit est bien; agir selon le droit ets mieux. Il n'y eut pas d'action selon le droit, mais expédition punitive. Terrorisme, diraient certains contre lesquels il faudrait beaucoup de casuistique pour argumenter. Mais le terrorisme d'État se nomme guerre; et terrorisme la petite guerre de ceux qui résistent à la guerre d'État. Barack Obama a annoncé au monde entier que Ben Laden avait été tué. Puis il a conclu: "Justice est faite." Une foule en liesse a dansé dans la rue. Les télévisions du monde entier ont montré les images. On voyait alors ce qui se nommait justice pour les États-Unis.» (p. 571) [Onfray persiste aqui num equívoco. Em primeiro lugar não há a  certeza de que Ben Laden tenha sido morto ou se apenas se tratou de uma encenação. O corpo terá sido atirado ao mar para evitar um lugar de peregrinação, ninguém o viu. Em segundo lugar, admitindo que foi morto, não poderia ser de outra forma. Os Estados Unidos não podiam dar-se o luxo de julgar um aliado. Que declarações faria ele? Qual a responsabilidade dos EUA nos ataques a New York e Washington? Repare-se que os autores de ataques considerados terroristas levados a cabo na Europa, são sempe mortos antes de serem presos. Que me recorde apenas um está vivo e a ser julgado, mas não fala: Salah Abdeslam].

«La guerre continue. Elle ne fait que commencer. Ici, le 11 septembre, là, le 7 janvier, ailleurs, plus tard, à d'autres dates, d'autres événements du même type. L'Occident ne dispose plus que de soldats salariés n'ayant pas envie de mourir pour ce que furent ses valeurs aujourd'hui mortes. Qui, à ce jour, donnerait sa vie pour les gadgets du consumérisme devenus objets du culte de la religion du capital? Personne... L'islam est fort, lui, d'une armée planétaire faite d'innombrables croyants prêts à mourir pour leur religion, pour Dieu et son Prophète. Nous avons le nihilisme, ils ont la ferveur; nous sommes épuisés, ils expérimentent la grande santé; nous vivons englués dans l'instant pur, incapables d'autre chose que de nous y consumer doucement, ils tutoient l'éternité que leur donne, du moins le croient-ils, la mort offerte pour leur cause; nous avons le passé pour nous; ils ont l'avenir pour eux car, pour eux, tout commence; pour nous, tout finit. Chaque chose a son temps. Le judéo-christianisme a régné pendant presque deus millénaires. Une durée honorable pour une civilisation. La civilisation qui la remplacera sera elle aussi remplacée. Question de temps. Le bateau coule; il nous reste à sombrer avec élégance.» (p. 572)

Apenas mais duas citações para terminar, e tantas afirmações interessantes de Onfray ficam por transcrever:

«Le libéralisme n'est pas, à rebours de ce que raccontent depuis toujours ses thuriféraires, le véhicule de l'émancipation des hommes. Le commerce n'est pas en soi un facteur de civilisation, scie musicale de la philosophie des Lumières libérales, Voltaire et Montesquieu, Adam Smith et Ricardo en paragons, mais un facteur d'enrichissement des riches et, la plupart du temps, d'appauvrissement des pauvres. Certes le revenu moyen augmente sur la planète avec l'économie de marché, mais quand on prend le salaire du plus riche pour l'additionner à celui du plus pauvre et qu'on devise la somme par deux pour obtenir une moyenne, on ne dit rien de la paupérisation qui est la vérité de l'óperation. Le très riche s'enrichit, le très pauvre s'appauvrit et le salaire moyen est une fiction, une allégorie, un concept utile à la propagation de l'idéologie libérale. Ce même libéralisme triomphe en Europe depuis un quart de siècle. Dans l'Europe dite de Maastricht, il dispose de tous les leviers: l'économie et la société de marché, la représentation électorale verrouillé par un dispositif oligarchique, la domination des médias de masse, le formatage du plus jeune âge avec les programmes des écoles, le renoncement des universités à l'esprit critique, l'édition aux mains des directeurs commerciaux, les pleins pouvoirs de la banque qui ne prête qu'aux riches, la religion de l'argent et le culte du Veau d'or, le commerce du renard libre dans le poulailler libre, l'humanisme sirupeux de la religion chrétienne, l'art contemporain fabriqué par les marchands, la police contrainte par l'État à être fort avec les faibles et faible avec les forts.» (pp. 576-7)

«Nul doute qu'une nouvelle religion surgira alors comme moment final de la puissance. Après cela, il ne restera plus que le néant, la néantisation de la puissance, l'effondrement de l'effondrement. Une poignée de posthumains survivra au prix d'un esclavage inédit de masses élevées comme du bétail. Le problème ne sera plus comme aujourd'hui d'humaniser les abattoirs mais d'abattre à la chaîne les damnés de la terre au profit des élus posthumains. Les dictatures de ces temps funestes transformeront les dictatures du XXe siècle en bluettes. Google travaille aujourd'hui à ce projet transhumaniste. Le néant est toujours certain.» (p. 586)

O livro termina com uma cronologia dos acontecimentos desde o nascimento de Cristo, com uma bibliografia e com índices dos nomes próprios, das obras e dos temas.

Atendendo à dimensão de Décadence, tentei dar uma ideia das preocupações do autor e da sua linha de pensamento. A soma de conhecimentos transmitida na obra é imensa, ainda que nem todas as afirmações sejam rigorosamente exactas e nem todas as conclusões absolutamente pertinentes. Mas perante a envergadura da empresa, algumas imprecisões menores não afectam o propósito global de Onfray: a demonstração de que o Ocidente, tal como existiu durante dois milénios, está morto.

Com o receio de trair o pensamento de Michel Onfray, optei por transcrever algumas das passagens (entre milhares) que me pareceram mais relevantes, em vez de resumir as suas teses. Ter-se-á perdido o fio condutor do seu raciocínio mas os leitores interessados na matéria certamente adquirirão o livro para obterem a informação detalhada.

E por aqui ficamos, que este post é muitíssimo mais extenso do que o inicialmente previsto.