sábado, 14 de novembro de 2015

OS ATENTADOS EM PARIS




Os atentados de ontem em Paris constituem um acto abominável que nada pode justificar. Mais: a História conhece vários atentados cometidos ao longo dos tempos com o objectivo de eliminar pessoas em concreto. Os ataques ontem verificados na capital francesa, como, aliás, parte dos registados nos últimos anos, foram dirigidos a pessoas em abstracto com a exclusiva finalidade de provocar o terror. São, na acepção mais vasta do termo, atentados verdadeiramente terroristas.

Segundo o presidente da República Francesa, os atentados que tiveram lugar em sete locais distintos de Paris foram reivindicados pelo autodenominado "Estado Islâmico". Há, pois, que tomar medidas extraordinárias de protecção dos cidadãos e do património civilizacional, sabendo-se todavia que a "guerra " que François Hollande ontem proclamou (e que George Bush já havia decretado depois do ataque de 2001) é uma guerra atípica e impossível de travar num teatro de operações convencional.

O "Estado Islâmico" tem um território, ainda que pouco definido, mas a Al-Qaida nem sequer dispunha de espaço próprio. Assim, não é possível desencadear uma acção bélica eficaz, manu militari, contra um inimigo sem pátria e sem povo, já que as populações submetidas ao "Estado Islâmico" integram-no à contrecoeur.

De resto, os militantes do "Estado Islâmico" estão fundamentalmente fora do território daquele pseudo-Estado. Eles estão espalhados pelo mundo, com especial incidência na Europa e na África. Parece que dos atacantes mortos três estavam identificados, sendo um egípcio, um sírio e um francês, não deixando de ser curioso que os terroristas se façam acompanhar dos seus documentos de identificação. Aquando do ataque ao World Trade Center também foi encontrado (?) o passaporte de um dos presumíveis autores do desvio dos aviões.

Os "combatentes" do  "Estado Islâmico" na Europa são, na sua maioria, cidadãos europeus, nascidos e criados no Velho Continente, alguns de ascendência árabe, é certo, mas muitos deles europeus de souche, que passaram a identificar-se com o jihadismo global. Qualquer coisa não bate certo, e os Estados europeus, neste caso a França, não podem declarar guerra às suas próprias populações.

O que se torna imperioso são duas coisas: em primeiro lugar a vigilância redobrada em solo europeu dos movimentos de cidadãos que possam considerar-se suspeitos, sem cair, contudo, na paranoia securitária; em segundo lugar atacar o "Estado Islâmico" na sua mais presumível sede e nos sítios a partir dos quais este possa operar. Vaste programme, como diria o general De Gaulle.

Nem a propósito, acabei de ler ontem à tarde o recentíssimo livro do prof. Jean-Pierre Filiu Les Arabes, leur destin et le nôtre. Apesar de algumas imprecisões, e não comungando, obviamente, de todas as análises e interpretações do autor, reconheço que este, em pouco mais de 200 páginas, conseguiu condensar a história das relações entre a Europa (e depois os Estados Unidos) e o Mundo Árabe, desde a expedição de Bonaparte ao Egipto em 1798.

Desde então, e nomeadamente desde o fim do Império Otomano a seguir à Primeira Guerra Mundial, e principalmente depois da criação, em 1948, do Estado de Israel, nunca mais houve sossego no Médio Oriente e, em geral, nos países árabes.

Porém, a cereja no topo do bolo, para utilizar uma expressão popular, seria colocada por George W. Bush ao decidir a invasão do Iraque, com o apoio explícito nos Açores de Blair, Aznar e Barroso. Nada mais foi como dantes. Não vale a pena alongar-me em explicações que são do conhecimento geral e do domínio público. As "primaveras árabes" e os erráticos discursos e actuações do Ocidente contribuiriam largamente para o clima de instabilidade geral que se vive, em especial no Médio Oriente, com o êxodo maciço de populações que procuram refúgio em outras paragens.

Recordo-me que a França, desde De Gaulle até Chirac, possuía uma "política árabe", estupidamente esfrangalhada por seres menores como Sarkozy e Hollande, nomeadamente nas actuações em relação à Líbia e à Síria. E também é uma verdade que o "Estado Islâmico" não nasceu ex nihilo, mas apenas com o apoio de Estados Ocidentais e Orientais, como é o caso da Arábia Saudita, do Qatar, da Turquia, etc.

Será pois conveniente que Hollande (e o Ocidente) antes de relançar uma Cruzada que se presume ser fundamentalmente anti-síria, procure nas origens a razão das actuações criminosas que ontem se verificaram em Paris. E convém igualmente que não se demonizem as populações que, fugindo à barbárie enlouquecida dos islamistas radicais, procuram no Ocidente o abrigo que lhes é negado na própria pátria. É que os militantes do Daesh não são muçulmanos, são loucos furiosos que nem conhecem o Corão ou dele fazem as mais distorcidas interpretações. São indivíduos aos quais outros sem escrúpulos venderam uma "teoria do ressentimento" que só pode servir os mais obscuros fins.


2 comentários:

Zephyrus disse...

Sugiro que veja a capa da Economist de Janeiro de 2015. Quem é o dono desta revista? Quem era o dono do Bataclan antes da venda? Eu não acredito em bruxas, como dizem os galegos, mas...

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

Caro Zephyrus:

Como não tenho agora a possibilidade de efectuar as pesquisas que sugere, peço-lhe, para minha elucidação e dos meus leitores, que concretize as suas questões, pois todos ficaremos a ganhar com esse esclarecimento.