quinta-feira, 24 de setembro de 2015

PRAIAS CRETENSES




O litoral setentrional da ilha de Creta tem o privilégio de dispor de uma sequência de praias magníficas, banhadas por águas tépidas e tranquilas. O sítio ideal para quem goste de tomar banhos de mar como se estivesse na banheira. De certo modo, recordam-me as praias da Tunísia, agora pouco frequentadas, por óbvias razões. Nem o Mediterrâneo seria o Mare Nostrum se não nos facultasse vantagens pouco frequentes noutras paragens.





Também é um facto que a costa norte da ilha se encontra dotada de óptimas unidades hoteleiras, de vários géneros e preços, oferecendo ao veraneante um leque de opções capaz de satisfazer as exigências mais diversas.



Tive a oportunidade de passar alguns dias, há duas semanas, num hotel de Amudara, uma localidade cerca de 10 km a oeste de Heraklion. Uma experiência que procurarei repetir. Não só pela excelência da praia como pela qualidade das instalações que utilizei.



Dotado de vários restaurantes e bares, tavernas e tendas "beduínas", piscinas e campos de jogos, o hotel dispõe ainda de uma capela, edificada no vasto parque, e de um teatro ao ar livre, além das funcionalidades habituais neste género de empreendimentos.





Independentemente do edifício principal, existem muitos bungalows, espalhados pelo parque ou debruçados sobre a praia.



Garanti-me, à partida, de que se tratava de uma zona calma e de um hotel mesmo sobre a praia, com uma frequência habitual de gente adulta, ao contrário da efervescência que reina em outras localidades turísticas da ilha. Verifiquei, à chegada, que havia até uma representação significativa da chamada terceira idade, o que conferia ao ambiente um sossego porventura difícil de encontrar noutras paragens. Também havia jovens e crianças, mas a percentagem destas era relativamente despicienda e impossível, por isso, de perturbar os adultos.


Com Manos, empregado do bar da esplanada

Do que me fui apercebendo, e também pelas perguntas aos funcionários, os ocupantes do hotel são, em média, 50% de franceses e belgas. Depois, vêm, em percentagens semelhantes, ingleses e alemães. Em quinto lugar, os russos. O remanescente distribui-se por várias nacionalidades, mas eu era o único português. E antes de mim, que se lembrassem, só um outro tinha por lá passado este ano.

Com a equipa de animação

No teatro

Com Nikos, empregado do bar do teatro (Nikos, que também é jogador de basquetebol, tem 2 m de altura!!!)




A "equipa de animação", composta por quatro rapazes (dois italianos, um espanhol, outro de ascendência peruana) e quatro raparigas, encarregavam-se de monitorizar actividades nas piscinas, jogos de bola (não sei quais), etc., e, à noite, exibiam-se no teatro, com shows divertidos, de compreensão acessível (a língua utilizada era, como em toda a parte, o inglês) mesmo para quem não entendesse o que diziam, pois o gesto é tudo e a coreografia e o cenário ajudam.




Em frente do hotel, ou melhor da série de hotéis que bordam a costa, um vasto conjunto de restaurantes e de lojas (supermercados, casas de souvenirs, etc,) compõem a paisagem local.


quarta-feira, 23 de setembro de 2015

OS ENCANTOS DE CRETA


"O Príncipe dos Lírios" (Fresco do Palácio de Cnossos, hoje no Museu Arqueológico de Herakleion)

Não é possível falar de Creta, que hoje faz parte do território da Grécia, sem uma breve alusão à história milenária da ilha. Habitada desde cerca de 6000 AC, os seus primeiros ocupantes terão vindo da Ásia Menor, durando a Época Neolítica até 2600 AC. A esta sucedeu a Idade do Bronze,  a que Arthur Evans chamou Época Minoica, em homenagem a Minos, rei de Creta, cujo célebre palácio em Cnossos aquele notável arqueólogo descobriu ao fim de porfiadas escavações.

Fortaleza de Koules, em Herakleion (Designação aliás pleonástica, já que a palavra grega 'koules' deriva do turco 'kule' que significa precisamente fortaleza)

A Época Minoica durou de 2600 a 1100 AC. Engloba quatro Períodos: Pré-Palacial (2600-1900 AC), Proto-Palacial (1900-1700 AC), Neo-Palacial (1700-1350 AC) e Post-Palacial (1350-1100 AC). Os historiadores consideram ainda um Período Sub-Minoico (1100-1000 AC), que coexiste com o Período Proto-Geométrico (1100-900 AC), resultante da chegada a Creta de vagas dóricas maciças. Este último período representa a entrada de Creta na parte propriamente grega da sua história.

Fortaleza de Koules (Vista do lado da cidade)

Até às escavações que puseram à vista os palácios de Cnosso e de Phaistos pouco se conhecia da Época Minoica, que permanecia mais no domínio da lenda do que da história. Permaneciam as alusões mitológicas e havia referências nos textos de Homero, Tucídides, Platão e Aristóteles. É um facto que a ilha se encontra numa posição particularmente favorável, quer para o domínio dos mares, quer para o desenvolvimento de uma grande civilização. Situada entre três continentes, aqui se encontraram e assimilaram três raças diferentes e as correntes culturais da Europa, da África e da Ásia, criando um novo modo de vida, uma nova concepção do mundo e uma forma de arte que ainda hoje surpreende pela sua frescura, a sua graça, a sua variedade e a sua  mobilidade. A mistura de raças é atestada pelos diferentes tipos de crânios encontrados nas escavações. De uma maneira geral, os minoicos podem ser incluídos na "raça mediterrânica", de estatura média, cabelos negros e olhos castanhos. Não se conhece a sua língua, pois ainda não foi possível decifrar os seus escritos. Todavia, parece tratar-se de uma categoria distinta das línguas mediterrânicas. Mais tarde, depois de 1450 AC, quando os aqueus se instalaram em Creta, a língua oficial que pouco a pouco a substituiu era uma forma muito arcaica do grego. Arthur Evans descobrira várias tabuinhas de argila em Cnossos, contendo três escritas que ele apelidou de "lineares". Duas ficaram conhecidas por Linear A e Linear B; a terceira é identificada como pictográfica ou hieroglífica cretense. A Linear B foi decifrada por Michael Ventris e, ao contrário do que Evans estava convencido, não era uma língua minoica mas sim uma língua helénica.Os eteocretenses (os verdadeiros cretenses) continuaram a falar o minoico, como atestam as inscrições encontradas em Creta oriental e que datam dos VI e V séculos AC. Esta escrita minoica, a Linear A, sem qualquer relação com a língua grega, continua por decifrar.

Fortaleza de Koules (Vista do lado do mar - Na muralha, o Leão de S. Marcos)

Homero sabia que os habitantes de Creta eram de raças distintas, citando cinco: pelasgos, eteocretenses, cydonianos, aqueus e dórios, e que todos falavam uma língua diferente. Sabia também que Creta era extremamente povoada, com cerca de 100 cidades, das quais citava o nome de algumas. As escavações deram razão a Homero, quando foram descobertos numeroso centros minoicos, entre os quais quatro de grande sumptuosidade, os palácios de Cnossos e de Phaistos e também os de Malia e Zakros.

Basílica de S. Marcos (Hoje utilizada como galeria de arte)

É no Período Pré-Palacial que se começa a utilizar o bronze para fabricar utensílios e armas. Sabe-se que já se construíam casas de pedra e tijolo e que se usava o estuque vermelho para revestir as paredes. A economia assentava na agricultura, na pecuária, nos transportes marítimos e no comércio.

Basílica de S. Marcos (Interior)

No Período Proto-Palacial o poder é reunido nas mãos dos reis. Criam-se então os centros palaciais com grande influência cultural nas regiões adjacentes. As escavações põem a descoberto os palácios de Cnossos, Phaistos, Malia e Zakros. A cerâmica conhece um novo desenvolvimento, bem como a ourivesaria. Surgem os santuários no cume das montanhas. O panteão minoico é acrescido mas continuando a ter como centro a divindade mãe. Nos arquivos dos palácios constata-se que a escrita hieroglífica começa a ser substituída pela escrita linear. Por volta de 1700 AC uma terrível catástrofe, talvez um terramoto, destrói os palácios e as habitações dos cretenses.

Catedral de S. Minas

É no Período Neo-Palacial que a civilização minoica atinge o seu apogeu. São construídos novos palácios, muito mais sumptuosos,  sobre as ruínas dos antigos. As cidades são reconstruídas e estendem-se por toda a ilha, desenvolvendo intensa actividade. A economia floresce em todas as suas vertentes. A arte atinge aspectos de grande magnificência e intensificam-se as trocas marítimas com o mundo civilizado da época. A dimensão e esplendor dos palácios, que não cabe aqui descrever, é de inusitada grandiosidade. Refira-se, apenas, que o Palácio de Cnossos ocupa uma área de 22 km quadrados e possui 1.500 divisões e que a sua decoração é magnífica. O sistema social era provavelmente de tipo feudal e teocrático, sendo o rei de cada centro palacial igualmente o chefe religioso. É possível que tenha havido uma hierarquia destes reis grandes-sacerdotes, de que o soberano de Cnossos constituía o topo. Graças a este sistema a ilha conheceu um longo período de paz - a famosa Pax Minoica - que tornou possível um prodigioso desenvolvimento cultural, um modo de existência imbuído de finura e de alegria de viver, e o domínio dos mares. A escrita hieroglífica foi substituída pelo sistema linear A. Os textos que chegaram até nós, cerca de 200, estão escritos na língua minoica, que ainda nos é desconhecida, em tabuinhas de terracota. O Disco de Phaistos apresenta um texto único, em caracteres hieroglíficos, pertencendo ao começo deste período. A escritura hieroglífica teria contudo subsistido sendo utilizada pelos sacerdotes nos textos religiosos. Por volta de 1450 AC uma terrível erupção vulcânica na ilha de Santorini, a cerca de 100 km a norte de Creta, cuja intensidade se repercutiu em toda a bacia do Mediterrâneo, terá destruído esta brilhante civilização.

Catedral de S.Minas (Interior)

Após a grande destruição a vida reaparece em Creta com a chegada dos aqueus, por volta de 1350 AC, que constroem simples palácios micénicos.  Entramos no Período Post-Palacial. A presença desta dinastia, que fica sediada no Palácio de Cnossos, entretanto reconstruído, é atestada pela língua grega arcaica escrita em linear B, e por um novo estilo de cerâmica. Os aqueus espalham centros por toda a ilha, mas esta nova civilização revela-se muito empobrecida face à brilhante civilização minoica. A última fase desta época é um período de grande decadência e perturbações, devido ao movimento geral dos "povos do mar" no Mediterrâneo oriental. É nesta altura que chegam a Creta os primeiros dórios, como atestam novos elementos culturais, como a incineração dos mortos, armas e utensílios de ferro, e novos motivos geométricos.

Catedral de S. Minas (Interior)

Com as vagas maciças de dórios que aportam à ilha cerca de 1100 AC, Creta entra no período Proto-Geométrico que se estende até 900 AC e que coexiste com o que designamos por período Sub-Minoico que dura até 1000 AC. A tradição cultural cretense continua a resistir em certas regiões, nomeadamente nos centros montanhosos eteocretenses.

Igreja de S. Tito

Durante o Período Geométrico (900-600 AC), tem lugar a organização das cidades-estados da Creta dórica, com o estabelecimento de um regime político semelhante ao que vigorava em Esparta e com o mesmo sistema de recrutamento militar dos jovens. As relações com o Egipto favorecem o desenvolvimento de novas expressões artísticas, com influência na escola cretense "dedálica", cuja criação é atribuída ao herói lendário Dédalo.

Igreja de S. Tito (Interior)

É, todavia, na Época Arcaica (650-500 AC) que a arte dedálica conhece o seu apogeu, ainda que isso represente o último brilho da arte propriamente cretense. O espírito militarista e sobretudo as guerras que começam a opor as cidades-estados de Creta conduzem rapidamente à decadência cultural. A maior parte dos artistas emigra para o continente, contribuindo para a criação do milagre grego.

Igreja de S. Tito (Relíquias do santo)

Durante a Época Clássica (500-330 AC), Creta permanece cortada do resto da Grécia. Não participa nas Guerras Médicas e mantém-se neutral na Guerra do Peloponeso. Acentua-se o antagonismo entre as cidades, pouco propício à actividade artística. Verifica-se, contudo, que é nesta época que a numismática atinge o seu apogeu.

Fonte de Morosini

A Época Helenística (330-69 AC) é marcada pela continuação da luta ente as cidades cretenses, agora aliadas a cidades gregas, ou dos reinos helenísticos do Egipto e do Oriente. A intervenção de forças estrangeiras e o desenraizamento das populações após a destruição das suas cidades pelo inimigo é uma das razões que leva numerosos cretenses a alistarem-se nos exércitos estrangeiros.

Loggia veneziana

O Período Greco-Romano (69 AC-330 DC), inicia-se com o desembarque perto de Cydonia (ou Kydonia) de uma frota romana comandada pelo cônsul Quintus Caecilius Metellus em 69 AC, que, após três anos de combate, conquista toda a ilha. Creta torna-se uma província romana com a capital em Cnossos, mais tarde transferida para Gortys (ou Gortyna). Sob o reinado de Augusto, Creta é unida administrativamente à Cirenaica. As autoridades locais continuam a existir a título honorário mas o poder é exercido nas cidades pelos representantes romanos, dependentes do pretor sediado na capital. Este longo período de paz - a famosa Pax Romana - permitiu grandes construções e um importante desenvolvimento da estatuária. Cnossos foi dotada de numerosas casas romanas e há vestígios de necrópoles e cisternas monumentais desta época.

Loggia veneziana

A Época Bizantina - Período A (330-824) decorre do facto administrativo de Creta ter sido, em 330, separada da Cirenaica e anexada à Ilíria. Com a morte de Teodósio I (395) e a divisão definitiva do Império Romano, a ilha ficou a pertencer ao Império Romano do Oriente ou Império Bizantino.O cristianismo desenvolveu-se muito cedo em Creta. O apóstolo Tito, companheiro do apóstolo Paulo, instalou-se em Gortyna e a partir daí organizou a igreja e instalou sacerdotes nas principais cidades, que constituíram mais tarde os primeiros bispados. Existem ruínas de basílicas paleocristãs em Panormo, Vyzari, Cnossos, Hersonissos,  Gortyna, Olus, Sitia, Falasarna, Kissamos e Elyros. A partir do século VII a ilha começa a ser objecto dos ataques dos árabes, que se tinham tornado uma força marítima, tendo o norte de África e a Síria como base de operações. A paz foi igualmente perturbada pela questão dos iconoclastas, tendo os cretenses tomado o partido dos iconólatras, contra Leão III.

Mosteiro de S. Pedro e S. Paulo (Em reconstrução)

A Ocupação Árabe (824-961) começa com o desembarque dos árabes vindos de Espanha sob o comando de Abu Hafs Omar I que queima os barcos para obrigar os seus soldados a lutarem com todas as suas forças para conquistarem a terra onde "correm o leite e o mel". Os cretenses opõem denodada resistência mas acabam por ser vencidos. Os árabes constroem a sua capital no local da actual Herakleion e rodeim-na de fortificações e de fossos profundos. Foi por causa do fosso ( خندق, em árabe) que a cidade tomou o nome de Khandaq, que subsistiu até ao século XIX sob a forma veneziana de Candia. As igrejas foram demolidas ou transformadas em mesquitas e os cretenses obrigados a converter-se ao islão. A ilha tornou-se um antro de piratas e um mercado de escravos. Os bizantinos esforçaram-se diversas vezes por reconquistar Creta mas foi só em 961 que o general Nicéforos Focas, comandando consideráveis forças terrestres e navais, e após um cerco a Khandaq que durou meses, conseguiu vencer e aniquilar os árabes, massacrando uns e reduzindo os outros à escravidão. Nada restou da cidade, cujos muros foram arrasados e não existem quaisquer vestígios da ocupação árabe, à excepção de uma série de moedas com o nome dos emires.

Biblioteca Municipal

O Período B da Época Bizantina (961-1212) caracterizou-se por devolver a Creta o seu carácter helénico e a sua religião. As mesquitas voltaram a ser igrejas e os convertidos ao islão regressaram ao cristianismo, como é de tradição no vaivém religioso. O general Focas pretendeu transferir a capital para o interior da ilha, mas confrontado com a oposição da população viu-se obrigado a reconstruir Khandaq, que continuou como sede do governo e da metrópole episcopal, que se tornou conhecida entre os habitantes como Megalo Kastro (Grande Castelo). Em 1182 foram enviados novos colonos pelo imperador Alexios II Comneno, a quem foram distribuídas grandes propriedades e que originaram uma nova aristocracia cretense. Quando em 1204 o Império Bizantino se desmoronou face à ofensiva dos Cruzados (as Cruzadas constituem dos mais negros episódios da história da Humanidade), os seus territórios foram distribuídos pelos respectivos chefes. O novo imperador (latino) deveria ter sido Bonifácio de Monferrato mas os venezianos, por razões políticas, optaram por escolher Balduíno da Flandres, tendo Creta sido atribuída a Bonifácio que preferiu permanecer em Salónica (como rei), cedendo a ilha aos venezianos por 1.000 thalers de prata. Entretanto, os genoveses anteciparam-se aos venezianos e, sob as ordens de Enrico Pescatore, conde de Malta, desembarcaram na ilha. Construíram fortes nos pontos estratégicos e repararam as muralhas de Khandaq, conseguindo resistir às investidas venezianas até 1212.

Sanitários públicos junto à Fortaleza (Uma utilidade que vai desaparecendo na Europa "civilizada")

Durante a Ocupação Veneziana (1212-1669), Creta foi dividida em três, e depois em quatro regiões, que correspondem grosso modo aos departamentos actuais. Khandaq, ou Candia, permaneceu como capital da ilha, que passou a designar-se Reino de Candia. Aqui se instalou o duca, com o seu conselho e o bispo latino. Os habitantes puderam permanecer ortodoxos, o clero inferior não foi perseguido, nem se tocou nos mosteiros ou nas suas fortunas, mas a igreja de Creta ficou acéfala, já que o arcebispo e os bispos ortodoxos foram obrigados a abandonar a ilha. Os pesados impostos e a atribuição de grandes propriedades aos soldados e aos colonos venezianos provocaram uma longa série de revoluções, especialmente durante os primeiros séculos da dominação veneziana, com as consequentes e violentas repressões. Com o tempo, invasores e súbditos chegaram a um entendimento nesta terra devastada. O extraordinário poder de assimilação de Creta e também interesses comuns levaram a uma "união" entre os antigos habitantes da ilha e os "novos cretenses" contra a soberania de Veneza. E Creta proclamou-se autónoma em 1363 sob a designação de Democracia de São Tito, mas foi rapidamente obrigada a submeter-se à metrópole. Todavia, as sublevações continuaram e a ilha foi igualmente flagelada por sismos, incursões de piratas e epidemias. Apesar de todas estas calamidades, Creta alcançou nesta época um importante desenvolvimento cultural. Com a tomada de Constantinopla pelos turcos (1453), a visão do Império desvaneceu-se para os cretenses, que se aproximaram de Veneza, que no seu espírito tomou de alguma forma o lugar de Constantinopla, tornando-se agora a sua verdadeira capital. Novamente Creta, como o fora na Antiguidade, vai contribuir para uma nova civilização europeia. Megalo Castro, o nome porque é agora conhecida a cidade de Khandaq, torna-se lugar de acolhimento a refugiados, mestres de filosofia, de teologia e de retórica, e também um centro de cópia de manuscritos gregos, trazidos de Constantinopla e difundidos em Itália pelos sábios bizantinos. Na "tipografia" de Aldo Manuzio, o cretense Marcos Moussouros, "o homem mais culto do seu tempo", imprime as obras de Sófocles, Eurípides, Platão e Aristóteles. Ao mesmo tempo, Zacharias Kallerghis cria a primeira "tipografia" propriamente grega e publica o Grande Dicionário Etimológico da Língua Grega, que constituiu uma contribuição de primeiro plano para os estudos gregos em Itália. O Renascimento europeu também faz sentir a sua influência em Creta, com o reaparecimento da poesia e do teatro. A literatura grega moderna tem as suas fontes neste desenvolvimento das letras cretenses. A pintura religiosa renova-se pela assimilação de elementos ocidentais e os ícones cretenses são procurados em todo o mundo ortodoxo. Citem-se os famosos pintores Damaskinos, Théophanis o Cretense, Emmanuel Tzanès, Bounialis e, especialmente, Doménikos Theotokópoulos (El Greco) que nasceu em Fodele (a 27 km da capital) em 1541, e aí fez, na juventude, a aprendizagem da sua arte. A arquitectura dos últimos anos da dominação veneziana deixou também uma herança rica em Creta, atribuindo a toda uma cidade ou região características inspiradas nos modelos ocidentais. Distinguem-se as fortificações, como a de Megalo Castro (Herakleion), que envolvia toda a cidade e era a maior do Mediterrâneo oriental, ou a Fortezza, em Rethymno, abrangendo a zona habitacional. O Megalo Koules (conhecido inicialmente como Castello a Mare), foi o mais impressionante de todos os portos venezianos e as suas muralhas ainda hoje resistem às vagas do mar. Também subsistem em Herakleion, a basílica de São Marcos (hoje transformada em galeria de arte), a igreja de S. Pedro e S. Paulo (em reconstrução), a loggia veneziana (recentemente reconstruída), ou a célebre fonte de Morosini (ou dos Leões). E pode admirar-se as magníficas portas de alguns palácios venezianos no Museu Histórico de Creta. Assim, os dois elementos da população da ilha (os cretenses originários e os vindos de Veneza) reconciliaram-se na arte, na literatura, na língua, e até na religião, durante o período final da ocupação veneziana. Em breve se encontrariam frente a um inimigo comum, os turcos, que se tornavam cada vez mais ameaçadores.

Igreja católica de S. João Baptista

O começo da Dominação Turca (1669-1898) teve lugar com a tomada da capital pelos otomanos comandados pelo grão-vizir (albanês) Köprülü Fazil Ahmed Pasha, após 21 anos de cerco de Candia (iniciado em 1648), e da ocupação do resto da ilha desde 1645. Os cercados foram autorizados a partir em barcos venezianos, transportando os bens que puderam e os objectos de culto. Veneza conservou três fortalezas: Gramboussa, Souda e Spinalonga. Os turcos confiscaram os bens públicos e privados e obrigaram os cristãos a converter-se, ainda que muitos se tenham refugiado nas fortalezas venezianas e nas montanhas, onde se tornaram o terror dos ocupantes. Começou, assim, uma resistência organizada, sobretudo contra os janízaros que, por vezes ao arrepio das próprias autoridades turcas, exerciam um poder altamente repressivo na ilha. A revolução grega de 1821 encontrou Creta pronta para combater e decidida a adquirir a sua liberdade. Distinguem-se duas fases: a primeira, que durou até 1824, quando forças egípcias chamadas pelos turcos esmagaram os revolucionários após batalhas sangrentas; a segunda, iniciou-se com um movimento de revolta em Gramboussa que se estende com sucesso a toda a ilha, até 1830, altura em que os turcos estavam literalmente encerrados nas suas fortalezas. O reconhecimento da independência da Grécia (1832) não incluiu Creta, que seria vendida pelo sultão, por 20 milhões de marcos, a Mehemet Ali, khediva do Egipto. E, em 1840, Creta voltou às mãos dos turcos, mas as sucessivas revoltas, com a ajuda não oficial da Grécia, conseguiram melhorar as condições de vida dos cretenses. Os turcos foram obrigados a conceder uma Lei Orgânica aos cretenses, em que o poder seria exercido por cristãos e muçulmanos. Em 1897, após um massacre de cristãos, verificou-se a intervenção oficial da Grécia, que provocou uma guerra entre este país e a Turquia. As circunstâncias e as grandes potências (na altura ainda não se utilizava a designação de "comunidade internacional") forçaram os cretenses a aceitar o estatuto de independência sob a protecção do sultão (1898). Foi nomeado alto-comissário o príncipe Jorge da Grécia

Café-Bar La Brasserie (O único café abertamente gay em Herakleion)

O Período de Autonomia (1898-1912) foi marcado por diversas sublevações contra as potências ocupantes e pela vontade de união à Grécia. A cidade de Candia foi rebaptizada com o nome de Herakleion (cidade de Hércules), em memória do porto romano de Heracleum,  cuja localização exacta é desconhecida, e tornou-se, em 1971, a capital de Creta, em substituição de Chania (ou Hania, ou Caneia).

Café-Bar La Brasserie

Em fins de 1912, após a eclosão da guerra greco-turca, o cretense Venizelos, primeiro-ministro grego,  declarou aos representantes cretenses que a ilha passava a fazer parte do Reino da Grécia, decisão concretizada em 1913.

O porto de Herakleion

Em Maio de 1941, Creta foi atacada pela aviação alemã, travando-se duros confrontos entre os paraquedistas germânicos e o que subsistia da população cretense, uma vez que os seus militares tinham sido enviados para combater na Albânia. Esta ocupação terminou em Outubro de 1944.


Montra de uma livraria na Rua Korai, em Herakleion (Na primeira linha do expositor, um livro com a fotografia de Cavafy)

Este resumo da história de Creta, certamente muito sintético dado que essa história tem mais de 4.000 anos, destina-se tão só a fornecer um panorama da vida acidentada da simpática ilha. Mesmo assim, e eliminando aspectos que teria gostado de sublinhar, tenho a consciência de que me alonguei. Os leitores que me desculpem.


NOTA: As imagens referem-se à cidade de Herakleion.