terça-feira, 7 de julho de 2015

MARIA BARROSO




Maria de Jesus Barroso Soares, 90 anos, morreu esta manhã no Hospital da Cruz Vermelha, em Lisboa, na sequência de uma queda na sua residência.

Conheci pessoalmente Maria Barroso, há muitos anos. Foi uma mulher a todos os títulos excepcional, mas abstenho-me de fazer aqui o seu elogio fúnebre, de que a comunicação social se encarregará (aliás, já se encarregara logo após o seu grave acidente) com muito mais propriedade.

Quero apenas deixar um testemunho do inesquecível convívio com Maria Barroso, em Outubro de 2003, quando nos deslocámos, durante alguns dias, a Alexandria, para participarmos nas cerimónias comemorativas do 1º aniversário da nova Biblioteca daquela cidade.


Maria Barroso e eu na Sala Nobel da Biblioteca de Alexandria ( Outubro de 2003)

Recordo a intervenção de Maria Barroso num dos painéis promovidos pela direcção daquela instituição e recordo especialmente a ida, por sugestão minha,  ao Restaurante Elite, já então um pouco decadente mas ainda um dos símbolos da cidade.

Durante a nossa estada, tive ocasião de falar várias vezes (ficámos instalados no mesmo hotel, o Cecil, por onde passaram tantas ilustres figuras, como E.M. Forster e Lawrence Durrell) com Maria Barroso acerca de Constantine P. Cavafy, o célebre poeta grego de Alexandria, uma das figuras maiores da literatura mundial na passagem do século XIX para o século XX.

Maria Barroso, profunda conhecedora de Cavafy (traduzido pela primeira vez entre nós por Jorge de Sena, e vertido em numerosas línguas, entre as quais em francês, por Marguerite Yourcenar) apreciou essa troca de impressões e não havendo já tempo de eu lhe mostrar a Casa-Museu de Cavafy, manifestou interesse em conhecer o célebre Café-Restaurante Elite, na rua Safiyya Zaghlul, que a lenda aponta como tendo sido frequentado pelo imortal poeta.

Da esquerda para a direita: Eu, três membros da extinta associação portuguesa dos amigos da Biblioteca de Alexandria, Maria Barroso, Ana Maria Vieira de Almeida e Fernando Ramos Machado (embaixador de Portugal no Egipto) no Café Elite (Outubro de 2003)

Manda a verdade que se diga, como pude averiguar nas investigações a que procedi, que Cavafy nunca foi ao Elite, pela simples razão de que esta casa foi inaugurada em 1953 por Christina Constantinou, veneranda figura da comunidade grega de Alexandria, hoje já falecida, que ainda entrevistei pouco tempo antes da sua morte. Ora Cavafy morreu em 1933 e, frequentador de cafés e tertúlias literárias, como Fernando Pessoa (existem muitas semelhanças entre ambos), tinha os seus hábitos no Café Billiard Palace, alguns metros acima do Elite e hoje já demolido. Mas se o Elite existisse na altura, não duvido que o poeta o teria frequentado, pois habitava muito próximo, na rua Lepsius (hoje rua Sharm-El-Sheikh) e por lá passaram importantes figuras como Umm Khalthum, Edith Piaf, Dalida e mesmo as rainhas Farida e Narriman.

Todavia a jovem Christina, mais tarde Madame Christina, ainda conheceu pessoalmente Cavafy e o Café teve como cliente um amigo íntimo e herdeiro do poeta, Alexander Singopoulos, que lhe ofereceu o manuscrito do famoso poema "O deus abandona António", cuja cópia figura à entrada do estabelecimento e cujo original o filho de Madame Christina garante possuir na sua casa de Paris.

Tudo isto foi objecto do maior interesse por parte de Maria Barroso, e depois de um jantar oferecido pelo cônsul honorário de Portugal em Alexandria, por sugestão minha visitámos o Elite. É uma memória que partilho com os meus leitores, no dia do desaparecimento físico de Maria Barroso, já que a sua presença espiritual permanecerá entre nós.

À família de Maria Barroso, em especial a Mário Soares, Isabel Soares e João Soares, manifesto a expressão do meu profundo pesar.

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