domingo, 21 de outubro de 2012
A MORTE DA LITERATURA
O escritor francês Richard Millet publicou recentemente dois livros que provocaram a maior agitação nos meios literários franceses e mesmo internacionais: Langue fantôme suivi de Éloge littéraire d'Anders Breivik e De l'antiracisme comme terreur littéraire. Trata-se de duas obras polémicas a que já nos referimos neste blogue e merecem uma leitura serena.
No primeiro livro, Millet insurge-se contra aquilo que chama a vulgarização da língua e consequente destruição da literatura. No romance actual, o argumento continua a existir mas o estilo desapareceu. A produção de livros em massa, sem a mínima qualidade e que ninguém lê, contribui decisivamente para a degradação da literatura. Não é possível condensar em algumas linhas as teses de Millet, mas deverá referir-se a passagem em que recorre ao Brave New World, para criticar a globalização anglófona e os seus "danos colaterais": malthusianismo, eugenismo, ditadura do prazer sexual, divertimento obrigatório, propaganda, condicionamento, recusa da solidão e do silêncio, mestiçagem étnico-onomástica, omnipotência da imagem, especialização técnica, interdição dos livros (sendo esta disposição da contra-utopia huxleyana realizada no nosso mundo menos pela censura - hoje rara e só em casos de atentado à vida privada - do que pela insignificância do inumerável e do consensual, já que a nossa civilização produz mais livros do que os que pode consumir, sendo a maior parte inúteis).
Num estilo polémico, Richard Millet que é anti-Estados Unidos, anti-capitalista e anglófobo, diz em voz alta o que muitos calam ou só dizem sottovoce, mas que são coisas demasiado evidentes. O que não significa, evidentemente, que partilhemos integralmente das suas opiniões. Uma das suas mais profundas lamentações é o declínio atingido pela língua e pela literatura francesas e a introdução das novas tecnologias da informação ao "serviço" da literatura.
O apêndice do livro, em que faz o elogio literário de Anders Breivik (talvez para chamar a atenção para as outras publicações), é um texto provocante, mais na linha do segundo livro em apreço.
Neste, De l'antiracisme comme terreur littéraire, Millet denuncia o politicamente correcto e manifesta-se contra a imigração na Europa, especialmente em França e nomeadamente de árabes e negros, a quem acusa de subverterem os valores culturais de um continente cristão. Millet insurge-se contra o bombardeamento da Jugoslávia (estamos com ele), contra a criação de estados mafiosos como o Kosovo e o Montenegro (também estamos com ele) e refere que é em nome da própria democracia que o totalitarismo contemporâneo avança, com os seus "ícones", Jobs, Gates, Zuckerberg, Assange (cujos nomes diz citar não sem repugnância). «Homens que puseram o planeta em rede e que por isso reduziram o espaço interior à artificialidade masturbatória e solipsista da Técnica: olho de Caim, transparência panóptica, insignificância da ubiquidade planetária.»
Esquece-se Millet, contudo, de alguns aspectos: incomoda-o muito a presença de muçulmanos em França, a sua quantidade e a afirmação progressiva dessa presença. É contra o multiculturalismo e denuncia a não integração das outras raças. Uma das razões desta visibilidade foi a política errada da França, durante décadas, encerrando os imigrantes em ghetos, e explorando o seu trabalho barato. Já lá vão algumas gerações. Agora, é tarde. Outra das razões desse "conflito latente", em França como em todo o mundo, é a insolúvel questão palestiniana. Estou em crer que Lord Balfour, ao emitir a Declaração que ficou ligada ao seu nome, não previu que a criação do Estado de Israel na Palestina iria envenenar por décadas as relações entre árabes (e muçulmanos, em geral) e o mundo ocidental (com especial ênfase para ingleses e americanos). Pode haver alguma uniformização do pensamento francês, algum complexo de culpa literariamente traduzido, em relação à questão racial ou étnica. Mas, no essencial, Millet não tem razão e é uma utopia pretender conservar a "pureza" da "raça" gaulesa num mundo de trocas. De resto, durante muitos anos não houve problemas com os imigrantes em França, fossem europeus, magrebinos ou outros.
Já no que respeita às considerações de carácter sexual, só podemos achar que Millet está profundamente equivocado. O escritor, que se assume como branco, cristão, heterossexual, etc., não pode reivindicar essa condição para toda a França, nem esta, por isso, se deterá na marcha inexorável da história.
Assim, e para perceber as verdadeiras preocupações de Richard Millet, e onde se situa a fronteira que separa a razão do preconceito, é indispensável ler estes dois livros. Cada um, depois, julgará por si.
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2 comentários:
Os homossexuais (e os bissexuais) são das maiores vítimas do «sistema», mais vítimas que qualquer outra minoria.
Para quem está no topo da pirâmide são apenas uma excelente fonte de dinheiro (pink money)...
Uma França branca, cristã e heterossexual, assim tudo em pacote, é, desde os celtas até hoje, uma ficção. Os romanos chegaram a chocar-se (os virtuosos...) com a promiscuidade bissexual celta.
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